Recados eloquentes
Cesar
Vanucci
“A
democracia é antes de tudo um estado de espírito.”
(Pierre Mendès-France, estadista
francês)
Recado
curto e eloquente. Claro que nem o sol chamuscante deste verão metido a besta
que a Natureza cismou de encaixar em plena estação primaveril, emitindo mais um
sinal de alerta acerca dos desvarios humanos com relação ao meio ambiente.
Na
etapa derradeira da campanha eleitoral, como já havia sucedido no primeiro
momento, valendo-se da linguagem toda especial das urnas, a opinião pública fez
questão de desabafar seu desencanto. O inconformismo projetado contempla os
descaminhos trilhados por tanta gente, militantes de diferentes greis
partidárias, na atividade política. O eleitorado expressou também avantajado
anseio por reformas estruturais pra valer. Reformas que expressem, na verdade,
avanços relevantes do ponto de vista democrático e republicano. À classe
política resta como alternativa a humildade de um mea-culpa sincero e
convincente.
Não
podemos deixar de ressaltar que o pleito, realizado de forma alvissareira outra
vez mais, colocou à prova o elevado grau da maturidade democrática reinante no
seio da sociedade. Revelou também – e este é outro item auspicioso a ser
comemorado – a eficiência do incomparável instrumental tecnológico de vanguarda
adotado pelo Estado brasileiro, via Justiça Eleitoral, para aferir a soberana
vontade do eleitor nas pugnas eleitorais previstas no calendário político.
A
manifestação de desagrado popular mais notória ganhou configuração no avultado
índice de abstenção e de votação nula e em branco observado em tudo quanto é
lugar. Deu pra sentir no ar uma sensação de enfado, de fadiga, de contrariedade
com o que rola no pedaço político, onde as reformas fundamentais são
indefinidamente procrastinadas.
Na
capital de Minas Gerais, por exemplo, o Prefeito foi eleito com número de
sufrágios inferior ao somatório das abstenções, votos brancos e nulos. Noutros centros
a situação se repetiu, denunciando a insatisfação ostensiva de parcelas
ponderáveis do eleitorado com referência a candidatos e partidos.
Por
outro lado, ficou bastante nítida a disposição dos votantes em infringir
derrota a grupos políticos de presença hegemônica marcante nas comunidades. Os
resultados em Belo Horizonte refletem, igualmente, esse estado de espírito. A
vitória de Alexandre Kalil ancorou-se numa alardeada insubmissão do candidato
às correntes políticas tradicionais. A par disso, pôde-se constatar, por parte
dos demais candidatos, desde o primeiro turno, zelo e cuidados extremos em não
exporem demasiadamente suas vinculações partidárias e comprometimentos com
dirigentes políticos de proa. Tais posturas comportamentais traduziram,
insofismavelmente, reconhecimento de que as legendas e seus próceres de maior
realce atravessam fase de maré baixa no conceito e simpatia das ruas.
Falando
ainda das eleições em Minas. Embora o fato não tenha sido até aqui, ao que
saibamos, objeto de análises mais aprofundadas, este escriba é de parecer que
num município da região metropolitana, Betim, ocorreu, certeiramente, o lance
mais emblemático do que se pode apontar como demonstração da ardente
expectativa comunitária por transformações político-administrativas essenciais.
A escolha para Prefeito de um cidadão com a dimensão humanística de Vittorio
Medioli, baita empreendedor, soa como algo diferente no cenário. Deverá atrair
para aquele município, a partir de janeiro, segundo nossa percepção, atenções
especiais da opinião pública e meios políticos.
Debates suscitados
pela Lava Jato
Cesar
Vanucci
“O
artigo de Cerqueira Leite foi uma opinião a mais
no
grande debate aberto pela operação “Lava Jato”.
(Élio
Gaspari, jornalista)
Os
métodos de atuação das autoridades responsáveis pela momentosa operação “Lava Jato”,
com destaque para o famoso Juiz Sérgio Moro, têm sido alvo de acesas
controvérsias no plano jurídico, noticiadas de forma inusualmente comedida pela
mídia impressa de penetração nacional. Decantados em verso e prosa por parcelas
ponderáveis – dir-se-ia mesmo majoritárias – da opinião pública, alguns
procedimentos adotados, em não poucos instantes do saneador processo
investigatório, são questionados por vozes representativas da intelectualidade
brasileira.
A
polêmica fica centrada, de modo especial, na utilização frequente do instituto
da “delação premiada”, das constantes conduções coercitivas e, sobretudo, da
estridência midiática que costuma rodear boa parte dos atos de alçada dos investigadores.
Atos esses que, no ver dos críticos, deveriam ser sempre pautados com prudência
e cautela. Seria essa uma maneira legalmente correta – sob tal ótica – de
impedir indesejáveis antecipações de culpabilidade das pessoas com base em
temerários indícios ou denúncias que poderão se revelar, mais adiante,
inconsistentes. Já no entendimento oposto, a deliberada divulgação de fatos
contendo fortes suspeitas com respaldo probatório foi o que assegurou à operação
"Lava Jato” o nível de eficácia que se lhe é reconhecido. Foi graças aos
métodos empregados – sustenta-se ainda nessa linha de argumentação – que boa
parte dos malfeitos pôde desaguar em punições.
O
debate travado tem sido bastante incandescente, sem que parte da sociedade
esteja sendo informada do teor por inteiro das alegações expendidas pelos
contendores. Uma demonstração elucidativa deste conflito de ideias aconteceu
recentemente. O diálogo compreendeu contundentes verbalizações formuladas por
personagens de elevada expressão intelectual e profissional nos segmentos em
que atuam. Tudo começou com um comentário do professor Rogério Cerqueira Leite,
físico, catedrático emérito da Unicamp, membro do Conselho Nacional de Ciência
e Tecnologia, na “Folha de São Paulo”. No artigo, Cerqueira Leite compara o
Juiz Sérgio Moro ao frade dominicano Girolamo Savonarola, “representante tardio
do puritanismo medieval". Assinala que “a história tem muitos exemplos de
justiceiros messiânicos como o Juiz Sérgio Moro”. Anotando que “a corrupção é
quase que um pretexto”, o articulista sustenta que “Moro não percebe, em seu
esquema fanático, que a sua justiça é muito mais que intolerância moralista”.
Acrescenta que, “por isso mesmo, (Moro) não tem como sobreviver, pois seus
apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que
representa o PT”. Conclui assim o artigo: “Cuidado Moro, o destino dos
moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai Vosmecê sobreviver enquanto Lula e o
PT estiverem vivos e atuantes. Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis
para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não”.
Como
seria de se esperar, o magistrado Sérgio Moro reagiu com toda veemência à
crítica. Rebateu os termos do comentário numa carta publicada também pela
“Folha de São Paulo”. Assinalou o seguinte: “Lamentável que um respeitável
jornal como a “Folha” conceda espaço para publicação de artigo como o
“Desvendando Moro”, e mais ainda surpreendente que o autor do artigo seja
membro do Conselho Editorial da publicação. Sem qualquer base empírica, o autor
desfila estereótipos e rancor contra os trabalhos judiciais na assim denominada
operação Lava Jato, realizando equiparações inapropriadas com fanático
religioso e chegando a sugerir atos de violência contra o ora magistrado”.
Mais
adiante, sem diminuir o tom de repulsa às considerações comentadas, frisou: “Embora
críticas a qualquer autoridade pública sejam bem-vindas e ainda que seja
importante manter um ambiente pluralista, a publicação de opiniões panfletárias
partidárias e que veiculam somente preconceito e rancor, sem qualquer base
factual, deveriam ser evitadas, ainda mais por jornais com a tradição e a
história da “Folha”.
Este,
sem dúvida alguma, é um dos palpitantes debates levantados pela operação “Lava
Jato”.
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