Amor Total
Cesar Vanucci
“Ame até doer.”
(Madre Tereza de Calcutá)
Este
despretensioso poemeto foi cometido para recitação em coro. Resolvi, depois,
compartilhar as singelas emoções nele inseridas com os meus amigos. Seguem
junto meus votos de um Feliz Ano Novo
pra todos.
Natal,
poema de nazarena suavidade; / Instante predestinado com timbre de eternidade.
/ Festa do amor total! / Cântico de amor pela humanidade. / Exortação solene à
fraternidade. / Festa do amor total!
Mensagem que vem do fundo e do alto dos tempos, /
A enfrentar, galharda e objetivamente, os bons e os maus ventos. / Amor pelas
coisas e amor pelas criaturas, / Serena avaliação das glórias e desventuras...
Um cântico de amor total! / Amor pelo que foi, /Pelo
que é e será. / Quem ama compreenderá!
Cântico
de fé e de confiança; / O amor gera sempre a esperança. / Quem ama
compreenderá!
Amor
que salta da gente pros outros; / Amor que procura compreender os humanos
tormentos, / Os pequenos dramas e os terríveis sofrimentos, / As tristezas
dilacerantes e as aflições incuráveis. / Os instantes de ternura que se foram,
irrecuperáveis.
Amor
que procura entender / Pessoas e coisas como são. / E não como poderiam ser. /
Quem ama compreenderá!
Amor
que soma e fortalece. / E não subtrai e entorpece. / Visão compreensiva das
humanas deficiências e imperfeições... / Aquele indivíduo sugado pelo
desalento. / Aquele outro, embriagado pelas ambições... / O enfermo
desenganado. / O menor desamparado. / O chefe prepotente, / O empregado indolente, / O servidor negligente, / O grã-fino insolente,
/ O moço inconsequente, / O orgulho de gente / Que não é como toda gente...
Não
esquecer as pessoas amargas e solitárias, / As criaturas amenas e solidárias. /
Os homens e as mulheres com carência afetiva, / A mulher que, como esposa, se
sentiu um dia Amélia, / A infeliz que da prostituição se tornou cativa...
O rapazinho esquisito, / A mocinha desajustada, /
O pai que, de madrugada, / Espera pelo filho, insone e aflito.
Amor
que envolve amigos e inimigos / E que se dá a todos os seres vivos. Sempre e
sempre, interpretação caridosa e serena do cenário humano. / O jovem revoltado,
/ O político ultrapassado, / O servidor burocratizado, / O boêmio, desconsolado
e sem rumo, / que vagueia só pela madrugada.
O
irmão oprimido e desesperançado, / O favelado humilhado, / O individuo
fanatizado.
Compreensão
para com essa mocidade de veste berrante, / De som estridente, / Que se
intitula pra frente...
Compreensão
também diante da geração que se recusa a aceitar o comportamento jovem do
presente...
Solidariedade
para o que crê nas coisas em que acreditamos. / Tolerância absoluta para o que
acredita fervorosamente em coisas das quais descremos.
Amor
sem ranço e sem preconceito, / Que dê a todos o direito / De se intitularem
irmãos...
Irmão
cristão, irmão budista... / ... de se intitularem irmãos / Irmão palestino,
irmão judeu... / ... de se intitularem irmãos / Irmão atleticano, irmão
cruzeirense... / ... de se intitularem irmãos / A se darem as mãos / Para se
intitularem irmãos...
Acolhimento
à mãe solteira, / Protegendo-a dos que a picham, em atitude zombeteira. /
Benevolência para com o profissional fracassado que não fez carreira.
Aplicação de critérios de justiça e caridade na
análise da postura daquele que feriu enganando / E daquele que maltratou
negando / Do que machucou informando e do que magoou sonegando informação.
Amor sem conta. / Amor que conta. / Amor que se
dá conta / Da palavra terna com feitio de oração. / Do gesto desprendido com
jeito de doação.
Amor por toda a criatura, / A desprovida de
ternura / E a cheia de candura. / Visão apaixonada do mundo do trabalho.
O idealizador da espaçonave, / O varredor de rua,
/ O pesquisador em laboratório /
E o cidadão que trata feridas em ambulatório /
O bombeiro
que conserta esgoto – que profissão nem sempre é questão de gosto.
Amor que procure compreender/Pessoas e coisas
como são, /
E não como poderiam ser. / Como são... /
E não como poderiam ser.
De tudo sobra a certeza de que o importante na
vida / É entender o sentido deste recado: / O Amor total, / Mensagem definitiva
do Natal!
O espírito invejável
do Natal
Cesar Vanucci
"Natal. Apagam-se as luzes,
acendem-se as esperanças”
.(Eva Reis)
O
Natal é, por excelência, a época que melhor se identifica com o conceito ideal
de vida proposto por Akira Kuruosawa, quando fala, com fascínio na voz e no
olhar, do “mundo invejável dos corações fervorosos”. O cineasta, sem propósito
preconcebido, de vez que emprega a harmoniosa expressão num contexto cultural
não influenciado pelo sentimento dominante nas celebrações natalinas, confere
ressonância humanística à mensagem de definitiva beleza que chega do fundo e do
alto dos tempos. A transcendência desta mensagem, de origem divina e conteúdo
cósmico, abrasa os corações e concita as criaturas de boa vontade a se
empenharem na construção de um mundo melhor, não apenas com vistas à conquista,
aqui e agora, da pátria terrena.
Como
conceber, com os olhos da esperança, esse mundo invejável? Ele será,
seguramente, povoado de amor fraterno e não de ódio destruidor, de apaixonante
solidariedade social e não de desapiedado utilitarismo. De justiça removedora
de desigualdades e não de injustiça que só faz, o tempo todo, aguçá-las. De
contemplação ecumênica e democrática dos contrastes de opinião existentes no
relacionamento das ruas e não de imposição autoritária, nascida em ambientes
fechados e acinzentados, em favor de doutrina política única ou de pensamento
religioso sectário. De crença nos valores espirituais, garantidores da
dignidade e não de desprezo solene a preciosos dons humanos, em nome de
posturas preconceituosas e desagregadoras. Não fosse tudo isto tradução fiel
das condições de vida imaginadas em sua peregrinação de amor pela mais sábia e
poderosa das criaturas, o Deus que há dois mil anos se fez carpinteiro.
A
realidade impiedosa de nossos tempos mostra que a distância do alvo a atingir,
na aspiração dos corações fervorosos, é medida por consideráveis anos-luz.
Muitas as estruturas da convivência humana em estado de desarranjo. Esquecida
das lições do saber eterno, a humanidade tem avançado celeremente na edificação
de um mundo mecanicista, onde a tecnologia assume, na encruzilhada de decisões
cruciais, caminhos de duvidosa eficácia para o atingimento da promoção humana.
O exemplo é contundente e não é único. Nas preocupações políticas e
científicas, o conhecimento da desintegração do átomo está mais próximo da
fabricação de artefatos bélicos do que da criação do bem-estar. Percebe-se, em
muitos países e de forma clara no Brasil, que as políticas econômicas
objetivando o desenvolvimento relegam a plano inferior a amplitude humana e os
aspectos sociais.
Vem
sendo esquecida a lição singela de que o homem é o princípio, meio e fim de
tudo. Não existe para servir à política ou à economia. Estas é que foram
colocadas em seu caminho para servi-lo.
A
sabedoria cristã – o mesmo se pode dizer da sabedoria de outras correntes do
pensamento religioso – orienta o ser humano no sentido de que se apegue a um
ponto de equilíbrio, em meio às naturais discordâncias provocadas pela efervescência
intelectual, inerente à vida. Essa busca pressupõe o domínio da serenidade. É
reveladora da incompatibilidade visceral da mensagem cristã, ou espiritual, com
as posições extremadas e fanatizadas. Um economista britânico, Fritz Schmacher,
lembra que “o ponto essencial da vida econômica e da vida em geral é que ela
exige constantemente a conciliação ativa dos opostos”. Arremata magistralmente:
“Há na vida econômica e social muitos problemas de opostos que, embora de
difícil solução, podem ser transcendidos pela sabedoria”. Nada mais exato. É na
sabedoria eterna que se encontram lenitivo e solução para conflitos existenciais
do tipo desenvolvimento técnico versus desemprego, ou versus poluição
ambiental. Ou o ponto de equilíbrio que garanta, a um só tempo, a desejável
estabilidade e as transformações reclamadas pelo progresso; o respeito à
tradição e o apreço às propostas renovadoras.
Como
preconiza o pensador, “nossa felicidade e nossa saúde” podem depender de
“buscarmos simultaneamente atividades ou metas mutuamente opostas.”
Isso
tudo remete, na idealização de um mundo melhor, mais justo e generoso, à
necessidade de se dar à técnica uma feição humana, de se fortalecer os avanços
econômicos com a ampliação dos benefícios sociais, de se estabelecer cooperação
com a natureza, em vez de desbaratar as dádivas deixadas por Deus no solo e
subsolo deste planeta azul.
Comecei
estas maldigitadas com o pensamento do cineasta japonês. Vou concluí-las com a
evocação da cena de um filme americano, dirigido por John Ford, que focaliza
uma batalha na Guerra da Secessão. Num dado instante, as tropas rivais, com
suas emoções ensandecidas, guarnecendo trincheiras separadas a tiro de fuzil,
são arrebatadas por um misterioso e avassalador sentimento de ternura. Baixam
as armas, abandonam as posições e se confraternizam ruidosamente. Voltam a se
engalfinhar mais adiante, na maior das truculências. O que interessa aqui é
captar a atmosfera daquele momento mágico da pausa conciliatória, da temporária
cessação das hostilidades. Ele tem a ver, simbolicamente, com o espírito de
Natal. Que mais, muito mais do que o “espírito do Natal”, deveria ser, para
todo sempre, estado de espírito indissociável da aventura humana.
O presépio de Carlota
Cesar
Vanucci
"Natal (...)
industrializaram o tema, eis o mal."
(Carlos Drummond de
Andrade)
O
presépio da vó Carlota era um primor. O mais arrumado da rua, a nos louvarmos
na opinião dos vizinhos. Ocupava quase a metade da sala de visita. A mesa de
jantar, de razoável dimensão, recoberta de sacos de aniagem e papel pardo de
textura encorpada, servia de suporte. Já o guarda-louças do conjunto precisava
ser remanejado para um dos quartos, "mode" não atrapalhar o
deslocamento dos interessados em apreciar a arte e engenho empregados na
montagem. Vovó Carlota preparava tudo no capricho. Despejava na empreitada o
mesmo ardente fervor que punha nas práticas de religiosidade que lhe conferiam,
no conceito de tanta gente, a fama de santa criatura. Ao longo de vários decênios,
diariamente, de manhãzinha, acompanhada das filhas Nenê e Luzia, subia a
ladeira que desembocava na bela Igreja, toda revestida de pedra tapiocanga, de
São Domingos, a fim de participar das missas dos dominicanos. A cena ganhou
carinhoso registro na memória uberabense. A tal ponto que acabou sendo
transposta por Mário Palmério para as páginas do "Chapadão do Bugre".
Antes de retornar à história do presépio, quero dizer algumas coisas mais a
respeito de minha avó paterna. Essa mulher maravilhosa, presepeira criativa,
amealhou em vida considerável crédito, embora humilde e pobre, pelas muitas
ações, executadas no anonimato, em favor dos desvalidos. Fez parte na caminhada
pela pátria terrena, sem dúvida, do mundo invejável dos corações fervorosos, um
tipo de gente que engrandece a espécie. Quando adolescente, deslumbrado,
descobri a poesia de Manoel Bandeira, deparei-me com texto que se encaixa
admiravelmente em seu perfil. É aquele em que o poeta fala da presença na porta
do céu de uma anciã carregada de dons. São Pedro, vendo-a, vai logo dizendo: -
Você não precisa pedir licença pra entrar!
Volto,
agora, ao presépio para explicar que aquela representação simbólica do Natal,
com seu mágico fascínio, respondia à aspiração de pessoas afeiçoadas a estilo
de vida singelo de comemorarem condignamente, no âmbito familiar, a data mais
significativa do calendário. Era desmontado depois do "dia de Reis".
A introdução das figuras centrais no cenário sagrado só acontecia depois da
célebre "missa do galo", na volta de vó Carlota da igreja. As efígies
dos reis magos e a decoração correspondente à reluzente "estrela de
Belém" iam sendo paulatinamente deslocados, a cada manhã, em sua
trajetória na direção da manjedoura, até o dia do encontro devocional histórico
narrado nas crônicas do comecinho cristão. No mais, a comemoração daqueles
tempos, de hábitos consumistas parcimoniosos, costumava abranger ainda, com
todos reunidos, a tradicional ceia ou, no dia seguinte, almoço na base de
frango recheado e arroz de forno. Sem libações alcoólicas, tá claro. E, também,
na parte do ritual atribuído à criançada, sobrava para cada qual a grata
obrigação de deixar os sapatos no presépio para que Papai Noel, quando a casa
mergulhasse em sono profundo, largasse
os presentes trazidos na carruagem puxada por renas.
Tudo
diferente das comemorações destes tempos de hoje, de consumismo voraz, em que a
marquetagem cria, com frenética desenvoltura, espaços para erigir como símbolos
natalinos o peru da Sadia e o chester da Perdigão.
Uma
baita saudade!
Lembranças
de Natal
Cesar
Vanucci
“Natal.
(...) E era sempre melhor o que passou.”
(Fernando Pessoa, poema “Natal”)
Acho
uma baita falta de consideração e muito pouco ético esse negócio das pessoas
desencarnarem no Natal ou nas imediações do Natal. Falar verdade, a observação
se aplica também a outros instantes de sublimação coletiva, como, por exemplo,
vitória na Copa do Mundo. Horas assim não se aprestam a adeuses doloridos, nem
separações bruscas. Natal é celebração de vida e não momento de partida. Suas
evocações simbólicas falam alvissareiramente de chegada e de permanência.
Dependesse de minha vontade, o governo editaria medida provisória proibindo, em
caráter irrevogável, que as pessoas morressem nesse dia. As lideranças
partidárias no Congresso seriam convocadas para aprovar a peremptória decisão
com a mesma ligeireza com que, no apagar das luzes da temporada parlamentar,
costumam votar indecorosas proposições atentatórias aos interesses da
coletividade, às vezes até, aumento dos próprios subsídios.
Esse
meu inconformismo com o "encantamento" que acomete alguns no período
de comemoração natalina está associado à lembrança de um Natal da meninice. Um episódio que
deixou marca nas ladeiras da memória. Preparávamo-nos, todos, na mais santa alegria,
para os festejos. Os semblantes eram dominados pela idéia da trégua, do
repouso, da confraternização em seu significado mais puro e autêntico. O
aspecto mercantil do evento não havia atingido ainda patamar que permitisse
essas ousadas e modernosas tentativas de se substituir, como símbolo natalino,
a meiga figura nazarena da manjedoura pelo peru da sadia. De repente, o
impacto de uma ocorrência brutal. Vieram
nos contar que um garotinho da vizinhança, companheiro de inocentes
estripulias, havia perdido a vida numa enchente de córrego provocada por chuva
forte. Sentimos, todos, uma dificuldade grande para absorver aquele aparente
triunfo da morte sobre a vida, justamente num momento de celebração da vida em
plenitude. O incidente, naquela precisa hora, não passava de um tremendo
contra-senso. Claro, que a rolagem dos anos trouxe a explicação. Mas o sinal
daquela brusca ruptura com a vida ficou.
De
outro Natal da infância já trago lembrança doce e terna. Meus pais, Antonio e
Antonia, me levaram pelo braço pra ver as prateleiras apinhadas de brinquedos
da Livraria São Bento, na rua do Comércio,
Uberaba. Pelo que entendi, o local era uma espécie de entreposto usado
por Papai Noel para guardar os presentes que iria enfiar chaminé abaixo nas
casas dos meninos de bom comportamento. Deixei minha cartinha, com pedido, nas
mãos de da. Sinhá Brasil, gerente do estabelecimento. Em casa, antes do sono
chegar, as mãos postas e a alma feliz, renovei na oração que mamãe ensinou o
pedido ao velhinho do trenó. Na manhã seguinte, ao lado da cama avistei o
pequeno bilhar que desejava receber como presente. O mano Augusto Cesar jurava
haver testemunhado a chegada de Papai Noel
no quarto, de madrugada, pé ante pé,
para fazer a entrega dos presentes encomendados. As reverberações
mágicas daquele precioso instante estão presentes em todas as celebrações
natalinas deste amigo de vocês. Que se vale do grato ensejo para desejar-lhes
um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário