Enfim, uma bela
comédia musical
Cesar Vanucci
“Os produtores de filmes andam
meio esquecidos
dos espetáculos musicais, o que é uma pena.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)
Os apreciadores das fantasias musicais
cinematográficas – forçoso reconhecer, um mundão de gente de gosto refinado – reencontram
num lançamento recente a chance de novamente se embevecerem com impecável
espetáculo do gênero. O período de estiagem em matéria de produção de
entretenimento de qualidade, nessa vertente específica da criação artística,
estendeu-se um bocado. Na verdade, muitos anos se passaram desde a última
sessão oferecida ao público de uma comédia romântica musical envolvente.
O esfuziante, lírico e enternecedor “La La
Land: cantando estações”, em cartaz, suspende de maneira esplêndida esse
prolongado jejum dos espectadores. Chega às telas com bastante impetuosidade, garantindo
na memória fílmica lugar marcante entre os clássicos musicais. Do que se está a
falar é daqueles clássicos guardados na saudade dos cinemeiros. Eis aqui
sugestivos títulos de uma lista, obviamente, não muito extensa: Sinfonia em
Paris, Cantando na Chuva, Amor – Sublime Amor, Carmem Jones, Minha Bela Dama,
Chorus Line, Cabaré, Kamandu, O Show deve Continuar, Noviça Rebelde (não,
evidentemente, a segunda versão filmada, exibida há pouco, de mau gosto supremo),
Quando Hollywood Dança - esses todos trazendo marca de nascença “hollywoodiana”;
e mais, seguramente, os franceses Retratos da Vida e Guarda-chuvas do Amor. São
filmes que evocam momentos de culminante genialidade artística. Interpretações,
coreografias, melodias, cenografias, fotografias e truques de filmagem
inesquecíveis. Nos elencos figuram atores e atrizes que arrebataram multidões
por conta de enorme talento. Listemos alguns: Fred Astaire, Gene Kelly, Bob
Fosse, Donald O’Connor, Rita Hayword, Carmem Miranda, Ginger Rogers, Leslie
Caron, Cid Charisse, Julie Andrews, Judy Garland, Audrey Hepburn, Dorothy
Dandridge, Liza Minelli e por aí vai...
“La La Land...” diz a que vem logo de cara.
As cenas iniciais, focadas em estressante congestionamento de veículos numa autoestrada,
são simplesmente eletrizantes. Fixam marco antológico na história da dança no
cinema. Dão o tom das imagens a chegarem na sequência, compostas dentro de um roteiro
bem urdido, que conduz o espectador a um mergulho extasiante na fantasia, como
só o cinema consegue proporcionar.
Ryan Goslina (Sebastian) e Emma Stone (Mia),
par romântico do caprichado musical, brindam-nos com desempenhos magistrais.
Saem-se admiravelmente bem nos bailados e sapateados. Ele, como um pianista
fissurado em jazz (mas obsessivamente resistente à incomparável cadência do
samba); ela, vivendo o papel de uma aspirante a atriz, protagonizam figuras
comuns da gente do povo, movidas pela ânsia de crescimento humano em ambientes altamente
competitivos. Seus desempenhos nada ficam a dever aos dos atores acima citados,
os quais, antes deles, também escreveram capítulos frisantes na crônica dos
musicais.
“La La Land: cantando estações” -
candidatíssimo a todas as estatuetas do Oscar colocadas em disputa - desperta por
outro lado nos cinemeiros, que não lhe regateiam aplausos, baita vontade de
rever os clássicos musicais de todas as épocas. A televisão, cá pra nós, bem
que poderia cuidar de responder a esse nostálgico desejo. Com seu significativo
contingente de canais especializados, vários ligados a estúdios cinematográficos
famosos, praticamente assumiu volume maior na projeção sistemática de filmes. Causa
estranheza, por conseguinte, o fato de ela, televisão, não demonstrar, sabe-se
lá por que cargas d’água, disposição de inserir na programação, sobrecarregada
a mais não poder com repetições de celuloides antigos, esses filmes lindos e
inebriantes, pura magia artística com seus ternos diálogos românticos, suas música
e dança requintadas que costumam transportar as pessoas a uma latitude de
sonhos.
Palavras malditas
Cesar Vanucci
"Um golpe com uma palavra,
fere mais fundo que um golpe de espada."
(Robert
Burton)
Num papo
descontraído de velhos conhecidos alguém andou contando os dissabores
enfrentados por conta de uma “palavra maldita”. Ocupo-me adiante do assunto,
garantindo de antemão que seu componente hilário é forte.
Antes, porém,
considero de oportunidade lembrar que essa coisa de "palavra maldita"
reaviva cenas da meninice em que me vi às voltas, surpreso, com relatos circunstanciados
de episódios classificados de malditos no bestunto de pessoas adultas.
Relembro, primeiro, uma certa "música maldita". A história foi ouvida
da boca de um cidadão respeitável, bem posto na vida, num papo com grupo de
fedelhos do qual o neto, aqui, de dona Carlota fazia parte. O tom de voz
resvalando o lúgubre, selecionando palavras como se a temer algo fortuito, de
consequências terríveis, ele deixou claro, para plateia assustada, que a tal
melodia espalhava malefícios, sempre que executada. Recomendando se evitasse sequer
assobiá-la, passou para seus transtornados ouvintes o nome da música:
"Ramona". A "melodia maldita" – afirmou, persignando-se -
havia sido a derradeira do repertório executado pela orquestra do transatlântico
"Titanic" antes do adernamento na viagem
inaugural. Já indaguei aos botões de meu pijama, algumas vezes, se não teria
sido por conta de crença tão insólita que a ramona caiu em desuso como sinônimo
de grampo.
Recorda-me,
depois, um "xingamento maldito", contemporâneo dessa "música
maldita". A expressão "excomungado", concentrando carga blasfema
infinitamente superior à da injúria (por muitos sintetizada nas letras fdp)
assacada contra a honra materna, era capaz de atrair – diziam, então, compenetrados
e sábios cidadãos – raios fulminantes desfechados pela suprema cólera divina.
Pelo sim, pelo não, ninguém ousava, naqueles tempos cordatos, despejar pra cima
de ninguém o atemorizante insulto.
Mas eis que
chegada a hora de falar dos contratempos vividos pelo nosso conhecido em razão
de "palavra maldita" desavisadamente proferida. Professor de Moral e
Cívica em colégio do interior, ele foi escalado para uma dissertação, em reunião do grêmio literário,
sobre a questão sexual na vida dos jovens. "Pisando em ovos", como
sublinhou, evitando ferir suscetibilidades, procurou transmitir aos
adolescentes uma orientação consentânea com os padrões culturais vigentes na
localidade. Às tantas, tornou explícita sua condição de heterossexual. Do fundo
da sala, brotou uma inquirição: - Assumido, professor? A resposta chegou sem
hesitação:
- Claro, heterossexual assumido!
Veja como são as coisas. Poucos dias depois, raivosos representantes
da Associação de Pais pediram dois dedos de prosa com o diretor do colégio, a
fim de expressar seu inconformismo com a atitude descabida do professor que “anunciou”,
em sala de aula, para imberbes criaturas, sua "inclinação obscena, escabrosa,
por atos atentatórios à moral e bons costumes". Inteirado dos fatos
corretos, o diretor fez ver aos interlocutores de que estava havendo um
tremendo equívoco de interpretação. Comprometeu-se a explicar tudo, tintim por
tintim, aos alunos. Explicou. De forma bem didática, mostrou pra garotada a
diferença entre heterossexualidade e homossexualidade. Adiantou nada. Na
boataria que se seguiu, a intervenção do diretor ganhou contornos de tentativa
frustrada de consertar a "bobagem" praticada pelo "professor
assumido".
Na roda de conhecidos, o professor arrematou: "Não houve jeito de
ser desfeito o mal-entendido. Além do disse me disse maledicente, todo mundo
passou a me olhar de esgueira, como se eu fosse mesmo culpado de algum delito.
Tudo por causa de haver declarado ser heterossexual convicto. Palavra maldita!
Tenho receio, até hoje, de enunciá-la."
Um comentário:
Confrade Vanucci:
Sensacionais os seus POSTS!
Caro Confrade César Vanucci:
Os artigos de sua lavra e as abordagens a eles impostas, ou apostas, são realmente "suis generis"!
Creio que seja uma aposta em querer transmitir a realidade com clareza e enfim fazê-lo com a realeza de um dedicado repórter, com pesquisa intuitiva de um grande jornalista, com a sutileza de um poeta. Estes requisitos aliados ao equilíbrio de um notório jurista!
Parabéns com votos de sucesso continuado.
Cordialmente,
Augusto César
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