O
escândalo
das desigualdades
Cesar
Vanucci
“Oito pessoas têm mais riqueza do
que metade da população mundial”.
(Do
relatório apresentado pela Oxfam,
no
Fórum Econômico Mundial de Davos)
Motivos
não faltam, na febricitante faina cotidiana deste nosso mundo velho de guerra
sem porteira, pra gente se escandalizar em alta escala. A perícia humana para
engendrar situações cabulosas é simplesmente incrível. Em tudo quanto é setor
de atividade encontra-se sempre alguém suficientemente apto a articular algo
desconcertante em condições de espalhar aturdimento por aí afora.
Vamos
lá. Como não nos escandalizarmos, neste preciso momento, com a revelação de que
8 afortunados cidadãos – número suficiente para lotar uma limousine de luxo ou
um moderníssimo “king air” – possuem, sozinhos da silva júnior, riqueza
equivalente à de 3 bilhões e 600 milhões de seus semelhantes? Semelhantes esses
espalhados por todos os confins deste planeta azul, destinado como se sabe no
projeto da criação a garantir abrigo e proteção à raça humana.
Como
não nos escandalizarmos, senhoras e senhores, com estes outros dados alinhados
no relatório da organização humanitária Oxfam, divulgado no recente Fórum
Econômico Mundial de Davos, Suíça, onde se diz, com todas letras, pontos e vírgulas,
que os 50% viventes dos andares de baixo da população mundial detêm menos de
0,25% da riqueza global líquida? E, mais ainda que, desse grupo de deserdados
da sorte, 3 bilhões vivem abaixo da “linha ética de pobreza”?
Como
não nos sentirmos alvejados em nossa dignidade, como seres representativos da
sociedade humana, com esta outra informação, vinda da mesma fonte, onde ainda
se proclama que de cada 10 pessoas no mundo uma sobrevive com menos de 2
dólares, ou seja, pouco mais de 6 reais, por dia? Como demonstrar indiferença,
ou fingir que isso não tem nada a ver com os problemas que nos açoitam, diante
da notícia de que no Brasil, como acontece exatamente noutros países, ilustres
patrícios detentores das maiores riquezas pessoais, digamos em número de 10
apenas, concentram haveres superiores à renda somada de 100 milhões?
Haverá,
por certo, quem se anime a explicar tão atordoantes números. Apontando-os como
consequência normal de um sistema de vida adotado consensualmente há tempos pela
civilização. Um sistema, aceito em todos os lugares, com regras que exaltam os
diferenciais da capacidade empreendedora, do talento, da habilidade negocial e
por aí vai... Esses constituem, realmente, valores suscetíveis de exercer forte
influência na trajetória da prosperidade individual. Mas, convenhamos, nem
tanto a terra nem tanto ao mar. Nada, nada mesmo, dom especial nenhum, norma
jurídica alguma, regra moral qualquer, podem justificar, respaldar, legitimar
uma fórmula de distribuição das riquezas, nascidas do labor humano, tão injusta
e tão perversa a ponto de favorecer diferenças tão colossais.
Por
mais que sejam os créditos em aplausos, louvores e compensações financeiras,
atribuídos por justiça a personagens destacados pelo trabalho, inteligência e
criatividade, não se pode perder de vista jamais o caráter eminentemente social
da riqueza. Isso remete à necessidade de se adotar, neste mundo conturbado pela
violência das desigualdades, novos critérios de distribuição dos bens, com
fundamento no bom-senso, na justiça social e nos sentimentos humanísticos e
espirituais. A partilha atual do patrimônio das riquezas coletivas não deixa de
ser iniqua, como evidenciado nas desnorteantes estatísticas apresentadas pela
Oxfam. Cabe aqui mais uma reflexão. Forçoso reconhecer na habilidade negocial
um dom digno de registro. Mas habilidade negocial não pode desfrutar de
primazia absoluta sobre outras virtualidades humanas. A pontuação atribuída no
conceito comunitário ao mérito, face a tais circunstâncias, não parece correta.
Figuras icônicas da história civilizatória, providas de capacidades singulares,
todas muito especiais, não recebem compensações de qualquer ordem pelos feitos realizados
ligeiramente comparáveis às cumuladas a elementos exponenciais no mundo dos
negócios. Seria muito interessante saber, pra efeito comparativo, a quanto
montaram as fortunas de Madre Tereza de Calcutá, Gandhi, Chico Xavier e outros
de naipe assemelhado. Pessoal que marcou presença inconfundível no processo da
construção humana em seus aspectos mais nobilitantes.
Para
que o mundo, na linha de aspirações dos homens e mulheres de boa vontade e das
mentes mais evoluídas, consiga reconectar-se com sua humanidade mistér se faz
uma reavaliação de todo esse sistema de partilha das riquezas sociais, de modo
a se reduzir a estilhaços o escândalo das desigualdades.
Ainda o escândalo das desigualdades
Cesar Vanucci
“Os
espanhóis têm um ditado intrigante: Entre Deus e o dinheiro,
o
segundo é o primeiro! Muita gente leva isso muito a sério.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)
Restou ainda um bocado de coisas estarrecedoras
sobre o relatório que a organização não governamental Oxfam apresentou no Fórum
Econômico de Davos, na Suíça, a propósito da escandalosa concentração de renda existente
neste convulsionado orbe terráqueo reservado para moradia da raça humana.
As afrontosas desigualdades sociais só
têm feito crescer. Ano passado, os super-ricos, que acumulavam haveres
correspondentes à renda de 3 bilhões 600 milhões de viventes, ou seja, a metade
mais pobre da população mundial, eram em número de 62. Já agora, a assustadora
comparação compreende, do lado afortunado, apenas 8 indivíduos. Vários deles,
detentores isoladamente de bufunfas superiores aos PIBs (Produtos Internos
Brutos) de uma porção de países, veja só se pode!...
As impactantes revelações conferem
destaque aos múltiplos esquemas operacionais costumeiramente levados a cabo pelas
grandes corporações no sentido da expansão contínua dos lucros, em detrimento obviamente
da elevação dos alarmantes índices da desigualdade.
Redes de “paraísos fiscais” – tão
magistralmente simbolizados na “neutra” Suíça, com sua alardeada, glamorosa e
farisaica engrenagem bancária – são utilizados em escala descomunal para a mais
deslavada sonegação de impostos. O conglomerado corporativo impõe ainda
arrochos salariais nas regiões em que atua. Avilta constantemente os valores
pagos às empresas prestadoras de serviços. E, conforme também denunciado pelos
analistas da Oxfam, fazem uso de sua forte influência junto às autoridades
governamentais em diversos países, visando o aumento sempre crescente dos
ganhos, às vezes antagonizando preceitos éticos.
Dessas perversas manobras emerge a aterrorizante
diferença de renda detectada entre grupos sociais, com todos aqueles
desdobramentos nefastos sabidos á causa do bem estar comunitário, segundo assevera
ainda a mencionada ong.
Dória e o fraternalismo econômico
Maria
Inês Chaves de Andrade *
Tenho acompanhado o que o
Prefeito João Dória vem fazendo.
Fora desta política de
torcidas partidárias, conscientes de que é preciso reunir forças e
desvencilhando-nos da posição de doutores em diagnósticos de toda patogenia
gravíssima que nos acomete, ou de profetas na propalação de prognósticos
apocalípticos, o fato é que ele vem assumindo uma posição profilática de
enfrentamento dos problemas que São Paulo ostenta. Vejo-o construindo uma política com ênfase na
criatividade, em tempos de incerteza. Exemplifico: a disponibilização de produtos
de higiene, através da Unilever, para a população de rua que busca os abrigos da Prefeitura. A
intenção é valorizar a autoestima destas pessoas.
Ora, a fraternidade é um
direito fundamental dado que fundamenta mesmo todos os direitos. Tal ação confere
sentido prático à tese. A dimensão do
ser humano que hoje demanda atendimento se estende, inescapavelmente, para além
da do homem apenas. Exige do Estado que não se restrinja somente à função
coercitiva de garantia da ordem e do jogo de interesses. A saída para este
imbróglio - já nos achegamos aí à consciência - não é um socialismo marxista
que requer a luta de classes, dado que esta não mais se justifica, vez que os
interesses já não são contrários. A solução é racional e acolhe a organização
da produção de bens sob a lógica do mercado, quando as implicações do processo
social de produção assimilam a ideia de que o ser humano deve ser humano e só
em relação ao outro assim se pode reconhecer, sendo.
Nesta perspectiva, vejo Dória
imbuído da percepção de que se faz necessária a responsabilização social das
empresas e dos partícipes do mercado. Estabelecendo parcerias com a iniciativa
privada, em vez de remover cobertores de moradores em situação de rua, como fazem
alguns prefeitos, atua para a melhoria das condições dos albergues. Fez
parceria com a rede hoteleira Accor, com a rede de alimentos orgânicos Mundo
Verde, com a Procter & Gamble e com a Tintas Coral. A primeira, por
exemplo, irá ajudar a prefeitura a configurar os quartos dos albergues e
oferecer cursos de capacitação. A Mundo Verde providenciará a alimentação e a
Procter & Gamble, produtos de higiene. Além de melhor qualidade de vida, a
ideia do projeto de revitalização dos albergues é oferecer oportunidades de
emprego e estudo, além de disponibilizar estrutura para que famílias sejam
acolhidas juntas. O SENAC, por sua vez, entra na parceria com cursos
profissionalizantes.
O fato é que já estamos
cansados deste embate que, ainda, tantos insistem por aí em promover, opondo-se,
de um lado, os que creem que a solução provém do fortalecimento do capitalismo
selvagem, como se este já não se tenha degenerado o suficiente, conforme
expressam as estatísticas, indicando que já chegamos ao ápice da exploração do
homem pelo homem; e de outro, os que proclamam como fórmula ideal um socialismo
marxista, com estribo na crença, ainda, de que o motor da história continua
sendo o conflito de classes.
A razão humana reconhece a
inadequação da deglutição do Outro para a satisfação de apetites
econômico-financeiros. Ademais, sustento em tese a ideia de que as lutas de
classes não mais se justificam, porquanto a atuação revolucionária se volta não
mais para a conquista de direitos, mas para a efetivação de direitos já
positivados. A aparência que se observa na divisão da sociedade de homens em
classes não compromete, de modo algum, a
essência humana de se manifestar, mas, contrariamente, potencializa essa
essência na humanidade comum a todos.
Aponto o fraternalismo como
síntese entre o capitalismo e o socialismo e Jorge Dória como sujeito de
história, no chamamento do empresariado para ações concretas de intervenção e
responsabilização social, ao concitar a empresa cidadã a participar de uma nova
organização política.
A infraestrutura de nossa
sociedade está ruindo e a superestrutura, ou seja, as instituições jurídicas,
políticas e ideológicas, até então, influenciada por ela, encontra-se em frangalhos.
Em meu modo de ver, João Dória busca pela efetivação dos direitos humanos já
constitucionalizados, dado que direito não é favor, sendo esta a grande demanda
de nosso tempo. Reside nesse conceito a fonte matricial da atuação
revolucionária transformadora que ora empreende.
* Vice-Presidente da ONG “O Proação”; autora de
“A fraternidade como direito fundamental” e de “O fraternalismo como síntese
entre o idealismo e o materialismo histórico-dialético”.
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