Muito acima do teto
Cesar Vanucci
“A população brasileira não se conforma
com os supersalários.”
(Senadora
Kátia Abreu)
Como anteviam traquejados observadores da cena
política - marcada invariavelmente por tricas e futricas desnorteantes - a
candente questão dos ganhos himalaianos da tecnoburocracia tupiniquim retornou
ao limbo em que é conservada, há um bocado de tempo, por poderosas influências
corporativistas. O aceso confronto retórico, reaberto com o anúncio de que o
Senado iria colocar em pauta a discussão a respeito da momentosa matéria da
extrapolação do teto remuneratório legal, detectada em muitas repartições da
República, desapareceu subitamente dos registros midiáticos.
Em seus momentos mais acalorados, esse confronto
alimentou manchetes. Era intenso o bate boca, com argumentos às vezes ferinos.
De um lado, membros do Parlamento, com destaque para o senador Renan Calheiros.
Do outro, dirigentes de entidades representativas de grupamentos profissionais
que agasalham agentes públicos favorecidos por essa política de vencimentos
desapartada de legitimidade.
Não foram poucos, na ocasião, os analistas políticos
que identificaram, em certas reações dos órgãos classistas citados, tendências
muito mais próximas do desejo de represália do que do propósito de crítica pertinente
a supostas ações indecorosas atribuídas aos parlamentares, que por sinal vêm sendo
objeto de apuração. Mas, de qualquer modo, soterrado no noticiário por outros
acontecimentos de repercussão, o assunto acabou caindo, outra vez, em ponto
morto. Por imposição ética inevitável, será fatalmente, mais na frente, ressuscitado.
Não há como ignorá-lo o tempo todo. A busca de uma solução justa para o caso só
será encontrada no curso de estudos e debates escorados em transparência solar.
É o que propõem os setores mais lúcidos da sociedade, traduzindo o sentimento das
ruas.
O problema dos salários dos marajás produz enorme
desconforto no seio da sociedade. Agrava-se naturalmente numa hora em que a
política governamental acena ruidosamente com restrições a direitos
trabalhistas, estabelecendo como meta prioritária mudanças capazes de
penalizarem assalariados de menor poder aquisitivo ligados ao sistema
previdenciário. O raciocínio popular a respeito da reforma previdenciária é
simples e objetivo. Por que cargas d’água a exigência de sacrifícios, no
tocante ao necessário equilíbrio das contas públicas, contempla apenas o
pessoal miúdo, dos andares de baixo da pirâmide social? E quanto aos ocupantes
dos pavimentos superiores, mesmo com tantas distorções clamorosas a corrigir,
como no caso da extrapolação dos tetos salariais, permanecerão eles de fora dessas
reformas ditas indispensáveis?
E olha que são mesmo muito clamorosas as distorções!
Pieter Zalis, conta na “Veja” que mais de 5 mil servidores federais recebem acima
do limite legal. A diferença salarial seria suficiente para pagar todo mês 400
mil aposentados que ganham o mínimo. O jornalista lembra que os governos vêm
prometendo, há um tempão, acabar com a praga dos supersalários. Mas, até hoje,
nenhuma das tímidas tentativas colocadas em prática deu certo. O tamanhão do
problema pode ser aquilatado nos registros abaixo. Entre funcionários da ativa,
Judiciário, Executivo e Legislativo federais, 5.203 ganham acima do teto. É o
que consta das folhas de pagamento de três meses seguidos. Esse número corresponde
apenas a uma parcela do conjunto. A pesquisa feita não relaciona aposentados e nem
servidores dos Estados e Prefeituras. Se um levantamento semelhante viesse a
ser feito nos Estados, o número de marajás apontados quadruplicaria ou
quintuplicaria...
O peso descomunal desses vencimentos no orçamento
pode ser dimensionado com mais essas revelações estarrecedoras. Depois de explicar
que a maior parte (acima de dois terços) dos excessos salariais é detectada nas
folhas do Judiciário, a reportagem aponta os nomes dos detentores dos mais
altos ganhos mensais entre servidores federais. No Judiciário, os “líderes”, em
número de cinco, percebem em valores arredondados entre 83 mil e 100 mil reais
mensais. No Executivo, em cinco casos apontados, entre 57 mil e 82 mil. No
Legislativo, quatro casos alinhados, entre 49 mil e 68 mil. Finalmente, no
Ministério Público, mencionados igualmente cinco nomes, as variações de ganhos,
arredondando-se as parcelas, vão de 69 mil a 97 mil.
Tá danado...
A fonte de inspiração de Gandhi
Cesar
Vanucci
“Cristo é a maior fonte de força
espiritual que o homem conheceu”.
(Mahatma
Gandhi)
Em minha singela percepção, São Francisco de Assis e
Mahatma Gandhi desempenhariam, com o mesmo fulgor que tanto os notabilizou, as
missões executadas por um e por outro no vital processo da construção
civilizatória, caso se lhes tivesse sido proposta uma troca de tempo na
participação de cada um deles na historia do planeta. Gandhi, seguindo este
entendimento, foi o Francisco de Assis do Século 20. Francisco foi o Gandhi do
Século 12.
Ao animar-me a fazer tal comparação, estou convencido
de que ambos beberam inspirações, para as edificantes tarefas levadas avante,
numa mesma mensagem espiritual e humanística. A mensagem de que aqui se fala
chega do fundo e do alto dos tempos para toda a sociedade humana, mas quem
mesmo cuida de absorvê-la em sua pureza e plenitude são criaturas pacíficas e
de coração fervoroso. Para vivenciá-la, em nada pesa a circunstância de, entre
os dois personagens mencionados, um deles confessar-se cristão e outro declarar-se hinduísta. A mensagem de que
se cogita não tem – pode-se afirmar com certeira segurança – “coloração
partidária”. Não representa precioso e essencial acervo de valores transcendentes
que possa ser requisitado como propriedade por nenhuma especifica corrente do
pensamento filosófico. É patrimônio ecumênico. Destina-se ao desfrute amplo,
geral e restrito de tantos quantos possuam olhos para enxergar, ouvidos para
escutar, sensibilidade para compreender e voz para propagar. Encerra saberes
que podem ser divulgados com eficácia por cristãos, hinduístas, budistas,
islamitas, judeus e assim por diante...
Gandhi, a exemplo de Francisco, passou adiante a
mensagem. Ela permitiu-lhe alcançar na veneração popular a condição de
“Apostolo da Paz”. Adotando como mote um processo revolucionário estribado em
princípios inseridos na chamada “Satyagraha” – princípios esses que consagram a
não agressão e o repúdio à violência como instrumentos de protestos firmes e
persistentes contra as injustiças sociais –, o Mahatma enfrentou, com raro
desassombro cívico e pesados danos pessoais, a asfixiante opressão colonial do
império inglês, emancipando a Índia e tornando-a potência com audiência
universal.
Apreciando sua conduta e tomando ciência de suas ideias,
aprendi a identificar nesse líder de arrebatador carisma alguém muitíssimo
familiarizado com os ensinamentos do mais fabuloso e iluminado ser que já colocou
os pés nos ásperos caminhos da jornada terrena, em todos os tempos. Ele, mesmo:
Jesus de Nazaré!
Impressionaram-me vivamente as referencias de Gandhi
ao Cristo reunidas na esplêndida biografia que Huberto Rohden, brasileiro de
Santa Catarina, escreveu sobre o “pai espiritual da Índia”. O ilustre patrício,
falecido em 1981, filósofo, teólogo, escritor com 70 obras editadas, aponta
Gandhi como um fenômeno humano “de incrível força cósmica”. E no livro de 250
paginas, dedicado à sua reluzente trajetória, destina sugestivo capitulo às
manifestações (cujo teor eu ignorava) feitas pelo mestre indiano acerca do “Mestre
dos mestres”.
Para que meu leitorado possa compartilhar as emoções
deixadas naturalmente por tais revelações, anoto na sequência conceitos de
Gandhi sobre Jesus, extraídos da obra de Rohden.
Assim falou o Mahatma: ●“Cristo é a maior fonte de
força espiritual que o homem até hoje conheceu”. ●“Vejo em Cristo o supremo
modelo: manifestou, como nenhum outro espírito, a vontade de Deus”. ●“O Sermão
da Montanha foi-me direto ao coração. Bebam nas fontes do Evangelho”. ●“Cristo
não pertence só ao cristianismo, pertence ao mundo inteiro. Ele é todo amor. O
amor no supremo mandamento é dirigido antes de tudo aos mais fracos, aos
abandonados. Cristo não carregou a cruz somente há mil e novecentos anos.
Carrega-a hoje e morre e ressuscita dia após dia”.
Exige-se transparência solar
Cesar Vanucci
“O que se concebe bem, se anuncia com clareza.
E as palavras para dizê-lo chegam com facilidade.”
(Nicolas Boileau, poeta francês, século 17)
Transparência solar na apuração das circunstâncias do desastre aéreo que ceifou a vida do Ministro Teori Zavascki! Tal preocupação não pode permanecer ausente, hora alguma, das cogitações dos setores incumbidos da lida com o assunto. Apesar de compreensível do ponto de vista técnico, a recente decisão do Juiz Federal de Angra dos Reis, determinando hermético sigilo em torno do processo investigatório concorre, forçoso admitir, para que a opinião pública se sinta um tanto quanto desconfortável em relação às diligências oficiais.
É sumamente importante, neste momento, em todos os escalões, que os agentes públicos com expressas responsabilidades no impecável esclarecimento do acidente se mostrem verdadeiramente compenetrados do elevado grau das expectativas das ruas concernentes ao caso. Para que possam executar a contento sua relevante missão conta muito a certeza de que as explicações sejam transmitidas de forma convincente e clara. Toda a Nação almeja conhecer por inteiro os desdobramentos do trabalho de verificação a respeito do que, afinal de contas, andou acontecendo no voo fatídico de Parati.
A coincidência de a morte de Teori haver ocorrido na véspera da homologação de depoimentos cruciais, num processo da magnitude política, econômica e social da Lava Jato, é bastante significativa. Não há como desfazer os temores circulantes em muitas áreas no sentido de que o destino impiedoso poderia não ter sido a real causa do lastimável evento. A apuração rigorosa dos fatos, como a que se acredita esteja em andamento, terá o condão de deixar tudo muito bem elucidado, com base em rigorosa transparência.
E já que se está a tratar de transparência e clareza das coisas, seja-nos facultado focalizar, na sequência, posturas governamentais em dissonância com esses elementos, obviamente essenciais no processo de comunicação oficial com a sociedade. Vamos falar, como prometido em artigo anterior, das chamadas “síndrome da reivindicação sucessiva” e “síndrome da responsabilização regressiva”, fórmulas marotas de engazopamento da opinião pública, traduzidas em excesso de palavrório e carência de ações.
Lembrando que o Governo Michel Temer, tal qual fizeram os antecessores, acostumou-se a lidar com a segurança manipulando truques com o fito de embromar o respeitável público, o jornalista Élio Gáspari discorre magistralmente sobre o que vêm a ser essas ardilosas manobras. A “síndrome da reivindicação sucessiva”, uma delas, agrada em cheio a emproada casta dos burocratas, sempre empenhados em elaborar “agendas futuristas” que lhes propiciem a chance de não fazer o que devem. Permite corra desenvolto, conforme sublinha o jornalista, o raciocínio descrito abaixo: “As facções criminosas nos presídios só poderiam ser contidas com bloqueadores de celulares. Instalados os bloqueadores, será necessário um satélite para vigiar a fronteira e assim por diante. (...) As cadeias estão superlotadas e, em vez de botar pra trabalhar quem nunca trabalhou, defende-se a mudança na legislação penal.” E por aí a carruagem vai rodando, numa marcha inesgotável, carregando intenções que nunca se concretizam.
Já no que concerne à outra “síndrome” anotada, “a síndrome da responsabilização regressiva”, o citado jornalista sustenta que o ilustre Ministro da Justiça se acha dela apoderado. E no que mesmo consiste? Urdida, como a primeira “síndrome”, com o objetivo de empulhar a plateia, a postura adotada enfatiza a ideia de que a aterrorizante situação das penitenciárias remonta “a uma crise antiga, secular”. Suas raízes estariam fincadas nos tempos coloniais. Gáspari ironiza: “Tudo bem, a responsabilidade é de Tomé de Souza. Nada a ver com os governos de José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, todos apoiados pelo atual presidente Michel Temer”. E acrescenta, aludindo ao Ministro Alexandre Morais: “... é um homem do seu tempo. Atento às sutilezas do vocabulário, sempre que fala em “homicídio” acrescenta a palavra “feminicídio”. No mundo do politicamente correto lixo é “resíduo sólido”, e não se deve buscar a regeneração dos delinquentes, mas a “ressocialização” dos presos. Tudo seria uma questão de palavras que não fazem mal a ninguém, se na fantasia de modernidade e cosmopolitismo não se escondesse o atraso. Finge-se que tornozeleiras, satélites, radares, censos e mudanças pontuais podem resolver os problemas das prisões brasileiras. Eles resolvem o problema da ocupação do noticiário. Nada mais que isso.”
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