Exige-se
transparência solar
Cesar Vanucci
“O que se concebe bem, se anuncia com
clareza.
E as palavras para dizê-lo chegam com
facilidade.”
(Nicolas Boileau, poeta francês, século 17)
Transparência solar na apuração das
circunstâncias do desastre aéreo que ceifou a vida do Ministro Teori Zavascki!
Tal preocupação não pode permanecer ausente, hora alguma, das cogitações dos
setores incumbidos da lida com o assunto. Apesar de compreensível do ponto de
vista técnico, a recente decisão do Juiz Federal de Angra dos Reis,
determinando hermético sigilo em torno do processo investigatório concorre,
forçoso admitir, para que a opinião pública se sinta um tanto quanto
desconfortável em relação às diligências oficiais.
É sumamente importante, neste momento,
em todos os escalões, que os agentes públicos com expressas responsabilidades
no impecável esclarecimento do acidente se mostrem verdadeiramente
compenetrados do elevado grau das expectativas das ruas concernentes ao caso.
Para que possam executar a contento sua relevante missão conta muito a certeza
de que as explicações sejam transmitidas de forma convincente e clara. Toda a
Nação almeja conhecer por inteiro os desdobramentos do trabalho de verificação
a respeito do que, afinal de contas, andou acontecendo no voo fatídico de
Parati.
A coincidência de a morte de Teori
haver ocorrido na véspera da homologação de depoimentos cruciais, num processo
da magnitude política, econômica e social da Lava Jato, é bastante
significativa. Não há como desfazer os temores circulantes em muitas áreas no
sentido de que o destino impiedoso poderia não ter sido a real causa do
lastimável evento. A apuração rigorosa dos fatos, como a que se acredita esteja
em andamento, terá o condão de deixar tudo muito bem elucidado, com base em
rigorosa transparência.
E já que se está a tratar de
transparência e clareza das coisas, seja-nos facultado focalizar, na sequência,
posturas governamentais em dissonância com esses elementos, obviamente
essenciais no processo de comunicação oficial com a sociedade. Vamos falar,
como prometido em artigo anterior, das chamadas “síndrome da reivindicação
sucessiva” e “síndrome da responsabilização regressiva”, fórmulas marotas de
engazopamento da opinião pública, traduzidas em excesso de palavrório e carência
de ações.
Lembrando que o Governo Michel Temer,
tal qual fizeram os antecessores, acostumou-se a lidar com a segurança
manipulando truques com o fito de embromar o respeitável público, o jornalista
Élio Gáspari discorre magistralmente sobre o que vêm a ser essas ardilosas
manobras. A “síndrome da reivindicação sucessiva”, uma delas, agrada em cheio a
emproada casta dos burocratas, sempre empenhados em elaborar “agendas
futuristas” que lhes propiciem a chance de não fazer o que devem. Permite corra
desenvolto, conforme sublinha o jornalista, o raciocínio descrito abaixo: “As
facções criminosas nos presídios só poderiam ser contidas com bloqueadores de
celulares. Instalados os bloqueadores, será necessário um satélite para vigiar
a fronteira e assim por diante. (...) As cadeias estão superlotadas e, em vez
de botar pra trabalhar quem nunca trabalhou, defende-se a mudança na legislação
penal.” E por aí a carruagem vai rodando, numa marcha inesgotável, carregando
intenções que nunca se concretizam.
Já no que concerne à outra “síndrome”
anotada, “a síndrome da responsabilização regressiva”, o citado jornalista
sustenta que o ex-Ministro da Justiça e já agora Juiz do STF se acha dela
apoderado. E no que mesmo consiste? Urdida, como a primeira “síndrome”, com o
objetivo de empulhar a plateia, a postura adotada enfatiza a ideia de que a
aterrorizante situação das penitenciárias remonta “a uma crise antiga,
secular”. Suas raízes estariam fincadas nos tempos coloniais. Gáspari ironiza:
“Tudo bem, a responsabilidade é de Tomé de Souza. Nada a ver com os governos de
José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, todos apoiados pelo atual
presidente Michel Temer”. E acrescenta, aludindo ao Ministro Alexandre Morais:
“... é um homem do seu tempo. Atento às sutilezas do vocabulário, sempre que
fala em “homicídio” acrescenta a palavra “feminicídio”. No mundo do
politicamente correto lixo é “resíduo sólido”, e não se deve buscar a
regeneração dos delinquentes, mas a “ressocialização” dos presos. Tudo seria
uma questão de palavras que não fazem mal a ninguém, se na fantasia de
modernidade e cosmopolitismo não se escondesse o atraso. Finge-se que
tornozeleiras, satélites, radares, censos e mudanças pontuais podem resolver os
problemas das prisões brasileiras. Eles resolvem o problema da ocupação do
noticiário. Nada mais que isso.”
Seduções do
“primeiro mundo”
Cesar Vanucci
“A moda é uma tirana que muitos
ridicularizam, mas não deixam de obedecer.”
(Domingos Justino)
Certas
expressões caem com tal força e desenvoltura no gosto popular que não há como
resistir-lhes ao fascínio e deixar de absorvê-las na falação do dia-a-dia.
Assim
aconteceu com o "fora de série", para nos retermos num exemplo.
Disseminado pela televisão, andou em voga por bom pedaço de tempo. Ainda hoje é
utilizado, se bem que de forma mais comedida. Usavam-no como medidor de um
mundão de coisas: da qualidade de um utensílio de cozinha à postura, no
ambiente comunitário, de cidadãos acima de qualquer suspeita. Brindando o
mérito da esforçada balconista, o gerente da loja sapecava-lhe rótulo
reluzente: - "profissional fora de série". A moça deixava escapar no
olhar marejado os sinais de uma emoção nitidamente "fora de série"...
Em tom triunfal, o pai falava pra amigos do retumbante sucesso do filho no
vestibular, um garoto, naturalmente, "fora de série"...
Uma das
ondas do momento presente é curtir adoidado uma outra expressão, com serventia
ampla, geral e irrestrita. É chique à beça soletrar "primeiro mundo"
em tudo quanto é papo, caprichando nas sílabas no mais genuíno carioquês...
"Primeiro
mundo" é mesmo o máximo. O topo cobiçado do Himalaia a ser escalado no
exercício diário de alpinismo de que é composta a alucinante aventura humana.
Indica procedimentos, sinaliza roteiros, abaliza argumentos, aponta a meta a
ser alcançada na ambicionada rota do crescimento. Estabelece a premissa da
existência de uma espécie de iluminação feérica em cada final de túnel. Cria no
imaginário das ruas a fantasia delirante de que a vinculação ao "primeiro
mundo" assegura acesso direto, sem preocupações quanto à validade do visto
de permanência, a um florido e imperturbado Shangrilá, o paraíso perdido das
tradições guardadas no inconsciente coletivo. Nesses recantos paradisíacos
ninguém experimenta situações desconfortáveis provocadas por agudas questões
sociais, ao contrário do que acontece à pamparra noutras partes maltratadas do
planeta.
"Primeiro
mundo" virou designação mágica para um punhado de situações cotidianas. No
salão frequentado por socialites, o cabeleireiro imaginoso bola uma mecha
roxo-abóbora na cabeça de madame para a festa de gala no sábado. Explica,
convicto, para a freguesa deslumbrada: "Coisa de primeiro mundo!" Na
butique refinada, o vendedor chama a atenção do cliente para a prateleira
abarrotada de bugigangas multicoloridas com etiquetas do invejável
"primeiro mundo". São trazidas em caravelas modernas, atraídas pela
sedutora e despoliciada política de abertura escancarada dos portos, como parte
do "elogiável esforço de transformação do Brasil em país de primeiro
mundo". De nada adiantarão, no
caso, as ponderações arguidas por lúcidos porta-vozes dos setores produtivos
nacionais, expressando adequadamente justo inconformismo e amargura diante dos
"efeitos perversos" dessa política carregada de equívocos. Equívocos
danosos que concorrem para o desemprego e o sucateamento de fatias bem expressivas
de nosso parque fabril.
Retomo o
assunto na sequência.
A eterna
comédia
humana
Cesar Vanucci
"O mundo é um palco; os homens
e as
mulheres meros artistas..."
(Shakespeare)
Em artigo anterior, lembramos que para não poucas
pessoas o acesso de um país como o Brasil ao assim chamado "primeiro
mundo" passa, obrigatoriamente, pela necessidade de escancarar amplamente
suas fronteiras, mode que favorecer, sem "salvaguardas eficazes", a
entrada comercial de toda sorte de produto e bugiganga que exiba no rótulo um
"made" qualquer.
Seja registrado, a propósito desse equivocado
entendimento do mundo dos negócios internacionais, que todos os países do tal
"primeiro mundo" aplicam, desembaraçadamente, com zelo e ciúme
maternais, impactantes práticas protecionistas na defesa de seu complexo
produtivo. É só acompanhar o noticiário econômico de cada dia. O mencionado
procedimento representa, para nós outros, uma lição valiosa transmitida pelo
mundo economicamente mais desenvolvido. Uma lição que a babaquice (ou que outro
nome possa ser dado à visão deformada da realidade que tantos têm por aí) teima
em desconhecer.
Voltemos agora, à linha de raciocínio introduzida
no comentário passado a respeito do singular fascínio que a expressão
"primeiro mundo" desperta na mente de um mundão de pessoas.
Levando em conta os aspectos emocionais e as
pressões psicológicas resultantes da acolhida franca dispensada ao uso
desenfreado dessa expressão, é preciso que aprendamos a conservar serenidade e
a demonstrar um mínimo de apego ao lado racional nas análises feitas da
realidade contemporânea, do ponto de vista social e econômico, quando se aborda
o tema "primeiro mundo". Acontece que "primeiro mundo"
serve mais para designar um estado de espírito, um ideal a atingir. E não, de
verdade, um estágio de vida onde o bem estar esteja de tal sorte disseminado,
por porções territoriais privilegiadas, que dê ensejo para se proclamar que
nesses recantos a prosperidade reina à pamparra. Vamos colocar pingos nos iis.
Não existe nada disso, em lugar algum, da
Escandinávia aos recantos paradisíacos mostrados da revista “Caras”, na
intensidade e extensão imaginadas. Nos países tidos como detentores de suprema prosperidade
coexistem, justapostos, inocultáveis, estamentos sociais característicos de
terceiro e quarto mundos, com toda sua dolorida problemática. De outra parte -
e o Brasil é uma amostra exemplar -, são muitos os países de classificação
inferior na graduação do desenvolvimento a ostentarem vestígios indicativos não
de primeiro mundo, mas do "melhor dos mundos". Se, num passe de
mágica, pudesse se desvencilhar de tudo que a constrange no plano social, a
cidade de São Paulo seria, sozinha, muito mais "primeiro mundo" do que
toda a citada Escandinávia junta.
Os Estados Unidos são tidos como amostra refulgente
do primeiro mundo. Mas o Harlen, em Nova Iorque, citando um exemplo, é
seguramente território de terceiro mundo. E os subterrâneos nauseantes de Manhattan,
onde ficam as áreas mais valorizadas do planeta, abrigam cenas cotidianas tão
dilacerantes que não fica difícil enquadrar o pedaço até no quarto mundo.
Nada consegue impedir, todavia, que o
deslumbramento diante dessas supostas maravilhas inerentes ao "primeiro
mundo" arraste muitos a uma contemplação tresloucada do que veem e que se
confunde com aquilo que gostariam, por certo, de ver. Como nesse significativo
episódio de uma turista brasileira que topou, numa rua de Washington, com
mendigo em estado deplorável. Chocada com o drama do ambulante que lhe estendia
a mão, implorando caridade, uma amiga que a acompanhava expressou a preocupação
de que a criatura à míngua estivesse acometida de aids. A turista não se deu
por achada: - "Um aidético, sim, com toda certeza! Mas do primeiro mundo.
Do primeiro mundo, minha santa..."
“Tamos" conversados...
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