sexta-feira, 24 de março de 2017

Os auditores fiscais
precisam ser ouvidos

Cesar Vanucci

“A seguridade social é deficitária? Não!”
(É o que dizem a Associação
 Nacional dos Auditores Fiscais e a OAB)

Não há como persistir em fazer ouvidos moucos às veementes manifestações da Associação Nacional dos Auditores Fiscais. Com o decidido apoio da OAB e outras instituições representativas de respeitáveis categorias profissionais, os auditores denunciam clamorosos equívocos que estariam sendo deliberadamente cometidos pelo governo na condução do processo da polêmica reforma previdenciária. A tecla martelada pelas instituições é de que a alegação de rombo descomunal nas contas não passa de engodo. Estratagema produzido com objetivo de desviar a atenção pública dos problemas que atormentam presentemente a Nação, gerando desassossegantes presságios.

Acossado por índices de credibilidade e popularidade baixíssimos, sem similares na vida republicana; emaranhado em colossal teia de denúncias de corrupção, implicando figuras de proa da coalisão de legendas que lhe garante sustentação política, o governo central vem procurando vender à sociedade a chamada PEC 287, como verdadeira “salvação da lavoura”... Tratar-se-ia de medida providencial – como enfatizado na retórica empregada – capaz de libertar o país das enormes encrencas econômicas e sociais em que se meteu. Encrencas essas, como sabido até pelo mundo mineral – diria com seu verbo cortante o Mino Carta – brotadas da incompetência administrativa e de promíscua mistura dos negócios públicos com bandalheiras privadas.

O principal argumento invocado na defesa da PEC, ou seja  o rombo nas contas, tem sendo desmontado por convincentes dados trazidos pelos auditores fiscais. Estranhavelmente, em que pese a origem tecnicamente correta dos demonstrativos lançados em contraposição às falas dos porta-vozes do Planalto, a comunicação midiática de maior alcance revela-se completamente desinteressada em conceder publicidade a tais dados. Não se anima, tiquinho que seja, sabe-se lá porque cargas d’água, em estimular o debate geral e irrestrito, com solar transparência, da candente questão, como conviria ao interesse público.

Ao contrário do que se trombeteia, a seguridade social não é deficitária coisíssima alguma. O diagnóstico é tão falso quanto nota de três reais, asseveram os auditores. Não passa de falácia a declaração de que a Previdência quebrou. O que existe, no duro da batatolina, como era de costume dizer-se em tempos de antigamente, é uma inocultável trapaça contábil.

Pelos estudos dos órgãos que se opõem à reforma projetada, a arrecadação da seguridade social é superavitária. Brasília sonega  a informação de que parte substanciosa dos resultados favoráveis auferidos tem sido desviada para cobrir outras despesas.

A disseminação das explicações alusivas ao momentoso assunto, mesmo enfrentando indisfarçável má-vontade da grande mídia, já criou, a esta altura, resistências mais sólidas às propostas da supressão de direitos sociais. Percebe-se que as modificações vêm sendo rechaçadas pela maioria da sociedade.

A Associação dos Auditores explica como o “déficit” é fabricado. Em 1994, foi aprovado mecanismo que favoreceu a utilização de parte das receitas da seguridade para pagar outras despesas, da maneira que melhor conviesse ao Governo. Esse mecanismo é conhecido pela denominação de DRU (desvinculação de receitas da União). Permite o desvio de 30 por cento do caixa da seguridade para outras finalidades. É por isso que, supostamente, a conta não fecha. Entre 2012 e 2014, os recursos desviados roçaram a casa dos 190 bilhões, consoante análise dos auditores. O orçamento da seguridade apontou, entre 2007 e 2015, montante superavitário equivalente a 540 bilhões de reais de acordo com estudo extraído de dados dos Ministérios da Previdência, Planejamento e Fazenda. Em 2015, ocorreu o superávit menor detectado no período da avaliação. O ano foi de aprofundamento da crise e de aumento bastante expressivo da taxa de desemprego, o que naturalmente afetou a arrecadação previdenciária. As receitas, mesmo assim, superaram as despesas em 20 bilhões.

Todos esses elementos informativos conduzem à certeira convicção de que a reforma almejada alveja inclementemente direitos consolidados. É mais do que compreensível, por conseguinte, a reação, que parece já ganhar corpo também no meio parlamentar, contra a aprovação açodada da PEC.

Estabeleceu-se o conceito de que qualquer discussão em torno do aperfeiçoamento do sistema previdenciário, que naturalmente acarrete alterações de regras, não poderá ser executado sem que sejam debatidos à exaustão todos os aspectos em jogo. Ademais, clama aos céus possa cogitar-se, a qualquer título, na base do monólogo tecnocrático, de alterações tão significativas, afetando dramaticamente o tecido social, sem a mais leve tentativa de correção prévia de abusos e desperdícios detectáveis em outras áreas da administração. Caso, por exemplo, das dezenas de milhares de marajás da União e dos Estados que percebem remunerações infinitamente superiores aos tetos salariais fixados em lei. E que, além dos polpudos estipêndios, desfrutam de outras estarrecedoras mordomias...



Política e picadeiro

Cesar Vanucci

“Se fôsseis admitidos a contemplar
(esse espetáculo), amigos, conteríeis o riso?”
(Horácio, 65-8, “Arte Poética”, mencionado
por Paulo Rónai  em seu “Dicionário de citações”)

Episódios divertidos do trepidante cotidiano político narrados de forma bem humorada por apreciados colunistas.

· Mino Carta, “CartaCapital”, edição de 8 de março, comenta a performance carnavalesca de Ju Isen, celebrada pela mídia como “musa do impeachment” à época da campanha pela destituição de Dilma Roussef, por convocar uma greve do sexo enquanto a queda da chefe do governo não se consumasse: “Na terça gorda Ju saiu para “pular carnaval” completamente nua e em boa parte pintada de verde, sem exclusão daquela porção do corpo humano onde as costas mudam de nome. Mostrada ao vivo pela Rede TV”. 

· Élio Gaspari, em “O Tempo”: “Eremildo, o idiota – Eremildo é um idiota e entendeu tudo. Todos os capilés de empreiteiras dados ao PT eram produto da corrupção, de propinas e da promiscuidade que os comissários mantinham com as empresas. Todos os capilés a políticos de todos os outros partidos que estavam no poder em seus Estados, ou mesmo no governo federal petista, eram legítimas doações de campanha”.

· Coluna “Sensacionalista”, “Veja” 8 de março: “Família imperial se antecipa e afirma que Dom Pedro jamais teve contato com a Odebrecht – Dilma, Temer, Aécio, Marina, Eduardo Campos. A delação da Odebrecht pega um, pega geral, pega até quem não está mais entre nós. Com uma lista cada vez maior de pessoas que receberam dinheiro da empreiteira, os Orleans e Bragança, a família imperial brasileira, procuraram a imprensa. Preocupados, os príncipes garantiram que nenhum de seus antepassados que governaram o Brasil teve contato com a Odebrecht. Nem dom Pedro I nem dom Pedro II. Diante de suspeitas sobre o nobre francês casado com a princesa Isabel, um assessor esclareceu: “O Conde D’Eu, mas nunca recebeu”.

A mesma coluna registra mais este tópico: “O próximo discurso de Romero Jucá será no Comedians – Ele fala de sexo, de religião e usa fatos históricos sem sentido. Líder do governo Temer no Congresso, o senador Romero Jucá mostrou seu talento para o humor e já está negociando apresentar-se no Comedians, o clube de comédias de São Paulo. Reclamando da restrição do foro privilegiado, ele disse que “suruba é suruba, não pode ser suruba selecionada”, que “a imprensa persegue os políticos como os nazistas perseguiram os judeus”, e ainda botou a revolução francesa no meio, afirmando “que estão apontando a guilhotina para os parlamentares”. Se juntar tudo isso com seu bigode, é mesmo de matar de rir”.

· Nirlando Beirão, artigo “Temer no Parnaso”, comentando o lançamento do livro de poemas “Anônima intimidade”, de autoria de Michel Temer: “A musa Erato, patronesse das elegias amorosas, baixa invariavelmente em Michel Temer “nas viagens aéreas do trajeto Brasília–São Paulo”. Dar polimento a súbitos poemas nas citadas circunstâncias tem o condão de inflar ainda mais seus méritos de rapsodo, já que, em jatinhos da FAB, o máximo de intercâmbio erudito a lhe caber poderia ser a eventual presença de um Moreira Franco (nom de plume: Gato Angorá). Porque com caronas como Paulo Skaf, o da Fiesp, fica difícil encetar qualquer veleidade intelectual. Skaf jamais leu um livro na vida”.

· E, por derradeiro, o registro de um psicodélico diálogo ocorrido segundo o noticiário político de 9 de março numa audiência judicial. Daniel Raizman, advogado do réu Sérgio Cabral, questiona Rogério Nora, ex-presidente da Andrade Gutierrez, sobre “propina atrasada”. Pergunta: “Houve um saldo dentro dos pagamentos de propinas. Ou seja, teriam de ter pago um valor, mas pagaram um menor. Essa diferença não foi paga. Desculpe lhe perguntar, mas só para que conste na ata, a empresa pretende pagar essa diferença?” / Resposta: “Não.”/ P: “Por que não?” / R: “Não, já não gostaríamos de ter pago nem a primeira condição. E é uma propina, é ilegal. A empresa está no compromisso de não participar desse processo.” /
P: “Não haveria hipótese de a empresa do senhor pagar essa diferença?” / R: “Não.




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