Cesar
Vanucci
“O que nós temos no Brasil não é um
negócio
de cinco ou dez anos. Estamos falando de
30 anos.”
(Emilio
Odebrecht)
Na
esteira das turbulências odebrechianas, o lúcido e bem informado analista
político Élio Gáspari consegue extrair do subsolo dos fatos outra revelação
desnorteante. Serve para comprovar, uma vez mais, os tortuosos caminhos
trilhados, não é de hoje, na emaranhada “parceria público-privada”
estabelecida na vida nacional. Vou logo avisando: matéria pra enredo
cinematográfico.
Na
narrativa é lembrado que o ex-ministro, ex-embaixador, ex-senador Roberto
Campos, também ex-seminarista, detentor de avultada cultura e invulgar
inteligência, além de verve inigualável, foi vítima de assassinato em circunstâncias
nebulosas no dia 28 de abril de 1981. Deixemos que o próprio Gáspari explique o
que ocorreu na fatídica data: “Roberto Campos encontrou-se no apart-hotel, na
Vila Nova Conceição, em São Paulo, com sua namorada Marisa Tupinambá.
Conheciam-se desde 1969 quando ele tinha 52 anos, e ela 23. À época, Campos
vivia sua única – e desastrosa – experiência de empresário privado, como
banqueiro. Em 1975 ele foi nomeado embaixador em Londres e pendurou Marisa na
folha da Embaixada em Paris. Ela xeretou o que não devia, foi demitida, e
desceu em Londres. Lá Roberto Campos conseguiu-lhe um apartamento, que usava
também para suas festinhas. Depois de muitas idas e vindas, a relação azedou e,
em 1981, ela foi ao apart-hotel para negociar o fim do caso. Desentenderam-se,
apareceu uma faca, e o embaixador teve o abdome e o tórax perfurados.”
O
desdobramento da história oferece todos os ingredientes de um filme policial de
suspense. Da parte de um mundão de gente, amigos, parentes e protetores de
Campos, informa o jornalista, houve o categórico propósito de ocultar, sabe-se
lá por quais razões, os pormenores significativos da tragédia que arrebatou do
cenário político e econômico brasileiro um cidadão aclamado e admirado por
muitos como corifeu do neoliberalismo. A grande mídia na época acolheu, sem
questionamentos críticos, a versão oficial posta a circular. Campos –
divulgou-se amplamente - fora esfaqueado durante tentativa de assalto nas
imediações do edifício em que residia, localizado – diga-se de passagem – a
bons quilômetros de distância do apart-hotel da Vila Nova Conceição. O Presidente
João Figueiredo e o Governador Paulo Maluf, de São Paulo, tornaram pública a
firme disposição governamental de apurar rigorosamente os acontecimentos. As
autoridades policiais paulistas agiram prontamente. Detiveram os presumíveis
assaltantes no prazo de 48 horas, conforme ordem expressa de Maluf. Seguindo
aquele manjado procedimento do inspetor protagonizado pelo ator Claude Rains no
soberbo “Casablanca” (na derradeira cena do aeroporto), prenderam “os suspeitos
de sempre”. Uma legião de pessoas foi convocada a se explicar no cartório da
Delegacia de Homicídios. Élio Gáspari não omite, no substancioso relato, um
lance instigante. Ele, novamente, com a palavra: “Ao ouvir a versão do assalto
num noticiário de televisão, o general Octávio Medeiros, chefe do SNI,
perguntou ‘Pra cima de mim?’”
Algum
tempo passado, “O Dia”, editado no Rio de Janeiro, notório pelas manchetes
policiais bombásticas, escapulindo à férrea censura, deu a lume uma reportagem,
com os exageros típicos de seu estilo noticioso, como acentua Gáspari,
reduzindo a subnitrato de pó de mico a farsa montada em torno da morte de
Roberto Campos, identificando inclusive a autora do atentado.
E
o que tudo isso tem a ver, indagará por certo, a esta altura, o aturdido
leitor, com a aludida aliança entre políticos e empreiteiros firmada em plagas
brasileiras há algumas décadas, de acordo com o depoimento do poderoso
chefão Emilio Odebrecht? Elementar, caro
Watson... A resposta, ou respostas, são dadas no mencionado artigo de Gáspari. No
período em que a responsável pelo esfaqueamento de Roberto Campos morava em
Londres adivinhem só qual era a organização que lhe pagava polpuda mesada? Exatamente,
a Odebrecht. A Odebrecht Overseas. O artigo conta ainda que Marisa Tupinambá
permaneceu escondida e calada por orientação “de um mandarim da indústria
petroquímica”. Quando ela publicou, em 1984, o livro intitulado “Eu fui
testemunha”, esse livro sumiu ... “Teria sido proibido pela Justiça ou apenas
não teria sido reeditado, depois que o Sebastião Camargo, o fundador da Camargo
Correa, comprou todos os exemplares disponíveis”, anota Gáspari.
Convenhamos,
há como ignorar que forças ocultas, ou poderes paralelos deitaram raízes pra
valer em nossas atividades políticas e administrativas? Bota força oculta
nisso!
Civismo
nesse pessoal
“Civismo é a atitude moral, o procedimento
“Civismo é a atitude moral, o procedimento
honesto do verdadeiro patriota.”
(Coelho Neto)
Ouço,
num programa de entrevistas, um educador falando da adoção, como prática
cívica, da interpretação do Hino Nacional em estabelecimentos de ensino em sua
área de atuação. Confesso, em lisa e reta verdade, que o anúncio, apresentado
ali com toque novidadeiro, me espanta. Ando mesmo por fora das coisas... Jamais
me passou pela cabeça que tal prática cívica, tão saudável, pudesse ter sido
retirada a qualquer tempo, por alguém, em qualquer lugar, da programação
escolar.
Em
meus tempos de grupo, escola risonha e franca na Comendador Quintino (praça do
Grupo) em Uberaba, cantado com vibração pela meninada, o Hino abria diariamente
as atividades das turmas do primário. No Liceu Triângulo Mineiro, matriz do
complexo educacional criado por Mário Palmério que deu origem à Universidade de
Uberaba, era entoado rotineiramente nas entradas dos turnos. O mesmo acontecia,
com regularidade, em colégio (São Judas Tadeu) que ajudei a fundar, ainda em
Uberaba. Mais tarde, década de 60, quando coordenei a estruturação das unidades
de ensino médio no Sesiminas, o Hino também fazia parte indissociável dos
afazeres escolares cotidianos.
Não
me recordo de momento algum em que esse salutar hábito educativo haja sido
questionado ou suprimido. Parece-me desnecessário sublinhar sua singular importância
do ponto de vista cívico. Trata-se do próprio óbvio ululante. Nosso Hino é símbolo
perene da nacionalidade. Só onde os traços de brasilidade se revelem esmaecidos
ali poderá surgir a disposição de se ignorar seu real significado patriótico.
Já cheguei, esporadicamente, a testemunhar injustificável “esquecimento” do
Hino nalgum ato solene. Não deixei, evidentemente, de manifestar em ocasião que
tal meu inconformismo.
Voltando
ao começo destas maldigitadas: um educador registra que, pelo menos uma vez por
semana, o Hino vai ser cantado em escolas que coordena. Menos mal. Mas se é assim
mesmo, se o Hino começa agora a ser executado é porque, anteriormente, não
vinha sendo. A constatação preocupa. Gera inevitáveis perguntas. Será que, por
aí afora, de tempos a esta parte, o Hino Nacional não vem sendo executado nas
cerimônias próprias em ambientes de formação educacional? Será que com a
expressão musical mais sublime do sentimento nacional vem ocorrendo algo
parecido com o que acontece, pra citar exemplo constrangedor, com a comemoração
da Inconfidência Mineira? A pergunta tem razão de ser. Em certas áreas ditas
educacionais, tem ocorrido de a rememoração dos feitos gloriosos da
Inconfidência passar, às vezes, em “brancas nuvens”. Em contrapartida, nos
mesmos cenários costuma-se observar uma despropositada valorização de bobagens
alienígenas do tipo “festa do halloween”. Dentro dessa linha de perplexidades
pode ser incluído também um outro registro desconcertante: em alguns núcleos
educacionais e recreativos, as tradicionais festas juninas, que tão bem
projetam nossas raízes culturais, são às vezes despojadas de suas genuínas
características. A vodka substitui o quentão e o roque pauleira anima a
festança no lugar da dança roceira.
Civismo
nesse pessoal!
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