Não precisa explicar...
Cesar
Vanucci
“... fingir ignorar o que se sabe e
saber o que se ignora; entender o que não se compreende e não escutar o que se
ouve (...): eis a política.”
(Beaumarchais
– 1732-1799)
Quer
dizer, então, gente boa, que existe um “caixa 2 do bem” e um “caixa 2 do mal”,
como judiciosamente asseveram conspícuos próceres partidários da cúpula
engajados em edificantes articulações com o sagrado objetivo de promover “a
salvação da política”? O “caixa do bem” voltado para nobilitantes causas
conduzidas por virtuosos companheiros da patota presentemente detentora dos
privilégios do poder, e o “caixa do mal” operado por desalmados adversários
dessa tão honrada grei? Desafetos esses, por sinal, mercê dos deuses, em bom
número já convenientemente defenestrados das esferas do comando político
administrativo.
Quer
dizer, então, gente bacana, que aquelas desconcertantes alegações de um punhado
de descarados militantes de grupos alijados da cena, vários deles com merecidas
condenações na cacunda, sustentando que a derrama de bufunfa nos redutos do
poder representava desinteressado apoio empresarial nas eleições e não
pagamento de mesadas a aliados, acabam de ganhar uma reinterpretação jurídica e
ética? Passaram, Deus louvado, a ser reconhecidas como procedimento legítimo,
tendo em vista a reconfortante circunstância de que os capilés atribuídos pelas
empreiteiras a agentes públicos contemplam, nos casos agora investigados,
cidadãos de postura diferenciada, de caráter sem jaça, realmente imbuídos de
espírito público?
Que
dizer, então, caríssimos, que aos íntegros caras favorecidos com propinas do
“caixa 2 virtuoso” deva ser dispensado tratamento reverente, diferenciado do que
é comumente reservado ao pessoal repulsivo do outro “caixa 2”? Ou seja, aquele bando
de corruptos que se valeu dos recursos repassados para enriquecimento ilícito e
não para utilização em nobres empreitadas? Quer dizer, então, que por esse convincente
motivo, a opinião pública precisa aprender, daqui pra frente, a separar
criteriosamente o joio do trigo, nessa questão tão delicada das investigações
sobre corrupção? Fazê-lo de modo consciencioso e competente, que permita às agremiações
políticas do bem protegerem suas atividades e, ipso facto, salvaguardar apreciável
contingente de políticos de angelical conduta? Quer dizer, então, que se impõe,
de pronto, a necessidade de identificar-se com exatidão quem é grego e quem é
troiano nessa história toda, aplicando-se punição exemplar aos “bandidos” e
exaltando-se os “destemidos mocinhos”, que souberam utilizar condignamente a
dinheirama depositada pelas empreiteiras em suas contas bancárias? Quando não
mais fosse, pela retilínea conduta desses últimos, ao revelarem às autoridades
e mídia, em momentos cruciais, com discernimento e desassombro cívico, os atos
malsãos das levas dos corruptos primeiramente acusados?
Quer
dizer, então, que no salutar afã de se fazer justiça, passam a ser lícitas as
extenuantes tratativas envolvendo íntegros políticos acusados e até intocáveis
figuras do Judiciário, mode definir, para o bem de todos em geral, um redentor
acordão? Um pacto criterioso e desprendido que elimine a possibilidade de
condenações a homens de bem e mostre, com absoluta nitidez, o que sejam os
alhos prazerosamente debulhados por figurões acima de qualquer suspeita – todos,
obviamente, do “lado de cá” - e os bugalhos acumulados pela “banda podre” do
“lado de lá”?
Quer
dizer, então, que aquelas denúncias vindas a lume com os delatores implicados nas
maracutaias referentes ao perverso conluio de agentes públicos desonestos e
inidôneos empreiteiros carecem ser analisadas com pesos e medidas
diversificados? E isso, pela forte razão de que esses delatores revelam-se irrepreensivelmente
sinceros e fidedignos nas citações feitas aos mau-caratistas dos “nossos
adversários”, mas, incompreensivelmente, faltam com a verdade quando incluem
“pessoal nosso”, de impecável comportamento na lida pública, nas inesgotáveis
listas dos responsáveis pelos repugnantes delitos cometidos?
Quer
dizer, então, por derradeiro, que as manchetes dos jornais traduzem sempre a
verdade factual quando as denúncias enredam “adversários desonestos”, mas,
estranhavelmente, são facciosas e destituídas de fundamento quando alvejam
impolutos integrantes de nosso “valoroso time”? É isso mesmo?
Calma,
calma, gente boa, perguntar não ofende. E, como se costuma dizer também por aí,
precisa não explicar. Nós só queremos entender...
Impropérios em papos triviais
Cesar Vanucci
“Perto de
casa, deparei-me com uma loja chamada “Macabiras Center”. Achei aquilo um
absurdo.
Um insulto à
linguagem.”
(Ariano Suassuna)
Um tiquinho de alumbramento com uma
pitadazinha de ingenuidade. Indigência intelectual e cívica. Ação sorrateira de
solapamento cultural. Frescuragem ampla, geral e irrestrita. Não há como deixar
de enquadrar numa dessas classificações, ou numa outra derivada da mistura pura
e simples de todas ou de várias delas, essa desconcertante inclinação de alguns
pela aplicação indiscriminada, a três por quatro, de vocábulos estrangeiros em
papos triviais, classificações e descrições de coisas e situações óbvias.
Contando com o prestimoso incentivo até de
organismos oficiais, essa onda nauseante de macdonaldização do idioma que nos
acossa e tanto agride nossa história, nossa cultura, nossas tradições e o nosso
estilo de vida, já ultrapassou longe as barreiras da tolerância e do bom senso.
O cidadão brasileiro vem sendo alvo de clara provocação. Está sendo colocado em
permanente estado de desconforto e mal-estar, ferido em sentimentos e emoções
preciosos, tal o excesso das sandices praticadas. Isso vem ocorrendo ao nos
depararmos, por exemplo, com bancos e outras organizações financeiras, do
comércio, da indústria, da atividade agropastoril convocando a fiel clientela a
participar de seus planos de aplicações ou vendas por meio de impressos que
exibem títulos e notas explicativas em idioma que não é o nosso. As empresas aéreas empregam um insolente
“mister” em bilhetes de viagem, no lugar de “senhor”, sem falar noutras
alienantes rotulagens usadas para os demais e óbvios registros. O mesmo se faz,
despudoradamente, na área de atuação de empresas de telecomunicação, com seus
impertinentes roamings.
Os cidadãos também se assustam quando ficam
sabendo que algumas repartições incumbidas de botarem pra funcionar o sistema
de transporte coletivo optam, muitas vezes, pela expressão “bus” ao designarem
o veículo utilizado. Sentem calafrio a percorrer-lhes a espinha dorsal quando
se dão conta de que o futebol de praia, inventado no Brasil e dominado pelo
talento de atletas brasileiros, recebe em alguns lugares a alcunha de beach soccer. E é certo que o impropério linguístico não
resulta apenasmente do fato de uma que outra disputa realizada na acolhedora
“Lagoa dos Ingleses”...
Os cidadãos reagem, ainda, indignados, quando
se defrontam com placas indicativas de man e lady afixadas nas portas dos gabinetes de higiene
íntima. Enfezam-se na hora em que avistam, nas ruas e nas vitrinas, painéis e
cartazes retumbantes anunciando on sale, com percentuais
variáveis em off. Sentem uma vontade danada de torcer pescoços
quando se lhes chega a informação de que algum babaca, travestido de consultor,
conclama condescendentes discípulos a se manifestarem, em coro, com sonoro yes ao final das exposições, como sinal de
concordância em relação ao conteúdo das explicações, seguramente recheadas de
termos extravagantes extraídos de almanaques alienígenas.
São impertinências linguísticas, na linha do
chamado inglês
moroless, que nada têm a ver com
o conhecimento, essencial a todas as atividades, de um idioma de reconhecida
abrangência universal como o inglês. As reações contra tais extravagâncias,
gesto de legítima defesa putativa da dignidade e honra comunitárias, ganham,
também, registros salpicados de humor e sarcasmo, banhados na saborosa
irreverência popular. É o caso das “traduções especiais” que circulam por aí,
acerca do emprego pedante dessas expressões. Vejamos: a hot day -
arrotei; he is my son
- ele é maçom; ice cream – crime no gelo; everybody - todos os bodes.
Intolerável invasão cultural
Cesar Vanucci
“A pátria é o idioma”.
(Monteiro Lobato)
Focalizando indoutrodia
a questão dos “impropérios linguísticos”, acudiu-me à lembrança um episódio
incrível, narrado tempos atrás neste acolhedor espaço frequentado por
indulgentes leitores.
Contando
assim, parece até história inventada. Não é. Antes sesse, como
diria, em sua saborosa maneira de expressar, algum matuto dos chapadões sem fim
lá das bandas do Triângulo. Uma agressão, outra a mais, à cultura brasileira
estaria deixando de ser, assim, cometida. Mas o fato, verdadeiro e contundente,
ocorreu à época em que estive diretor da TV Minas. Recebi convite para
participar de um evento no Riocentro. O convite, todo ele, da primeira a última
linha, face e verso, veio redigido em inglês. Achei, à primeira vista, que
estaria havendo, por parte deste desajeitado escriba com suas quiméricas
interpretações dos lances cotidianos, algum erro de percepção. Não estava. Li e
reli várias vezes o convite. Vasculhei o interior do envelope à cata de
possível informação adicional, apegando-me ansioso à hipótese de descobrir qualquer
registro no idioma falado em meu país capaz de fornecer explicação razoável
para a inusitada comunicação.
Nada
encontrei. Não havia motivo pra dúvidas. O convite endereçado ao cidadão
brasileiro, profissional de comunicação no Brasil, para debater as atividades
do setor, envolvendo a participação, seguramente em maioria, de colegas também
brasileiros num evento previsto para um
centro de convenções brasileiro, em cidade brasileira, o convite, repito,
estava formulado em língua estrangeira. Algo de um surrealismo arrepiante. O
cúmulo dos absurdos. O fim da picada, como se costuma dizer. Um sinal alarmante
a ser acrescido à onda abobalhada de estrangeirices que nos assola. Onda hiper ativada
na panaquice, na indigência cívica e intelectual. Em frescurice ampla, geral e
irrestrita.
Outro dado
constrangedor na historinha insólita é que as respeitáveis organizações
brasileiras que assinavam o convite mantiveram-se indiferentes aos impropérios
perpetrados contra nosso idioma e nossa cultura. O que me estimula a repetir,
com toda ênfase, que o emprego de vocábulos estrangeiros na palavra falada e
escrita, para classificar coisas óbvias do cotidiano, recende a tremenda
babaquice. Desqualifica intelectualmente os deslumbrados da silva que, junto
com pessoas desavisadas, fazem coro com prováveis inimigos clandestinos,
interessados na corrosão, por dentro e por fora, das instituições e dos valores
mais sagrados da autêntica cultura brasileira. Não há como deixar de suspeitar
faça isso parte de um trabalho manhoso, sorrateiro, com o qual se busque
inocular no espírito popular a ideia perversa e falsa de que seríamos, os
brasileiros, cidadãos de segunda classe. Criaturas sem capacitação para gerir o
próprio destino. É aquele registro cretino, propagado por vezes em rodas onde
se joga conversa fora, rechaçado obviamente pela consciência cívica da Nação, referente
a um país que teria sido agraciado por Deus com dádivas e dons sem par, mas
povoado por uma “gentinha”, vou te contar...
Recapitulemos
o que vem pintando no pedaço. Convites em idioma alheio. Painéis de rua,
cartazes de loja, reclames, tudo com emprego de vocábulos estrangeiros.
Propaganda volumosa na mesma linha pedante. São facetas da intolerável invasão
cultural, que atinge, também, de forma estrepitosa, a programação radiofônica e
televisiva. Numerosas emissoras se entregam, inadvertidamente ou levianamente,
ao capricho de substituir, em boa parte do tempo, os sons incomparáveis da
música mais linda e criativa do mundo, a brasileira, pelo barulho insuportável,
lembrando nalguns instantes utensílios de cozinha despencando da prateleira, do
lixo musical internacional. Muito sugestivo, a propósito do assunto, o teor de
uma carta enviada a amigos, por um brasileiro que foi fazer curso de
especialização nos Estados Unidos. Ele sublinhou, com ironia, que em instante
algum, ao sintonizar de manhã cedinho as rádios da cidade em que se radicou,
sentiu-se distanciado da terra natal. “As emissoras daqui, como as daí, só
tocam música americana. Sinto-me em casa”, disparou.
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