O tratamento dispensado
aos delatores
Cesar Vanucci
“Setores amplos da
sociedade veem como
“regalias” algumas cláusulas nos acordos.”
(Domingos Justino Pinto,
educador)
Objeto de intensas controvérsias nas esferas
jurídicas, a delação premiada acabou se transformando num eficiente instrumento
nas investigações da Lava Jato. Trouxe à tona, em meio a questionamentos
razoáveis levantados sobre os métodos de ação adotados pelos investigadores, um
volume expressivo de estarrecedoras revelações. Tais revelações deixaram a
descoberto colossal engrenagem de corrupção, envolvendo num conluio perverso
próceres políticos, agentes públicos e empresários inescrupulosos. As figuras
dos delatores, pelo seu exuberante protagonismo nas apurações, estão colocadas
neste momento sob a mira das atenções. Isso provoca naturalmente reações e
comentários os mais variados. Trazemos aqui singela contribuição para o debate
que se processa a respeito.
Nas considerações alinhadas levamos em conta,
estritamente, para não laborar em julgamentos precipitados, aquelas situações
que não mais comportem dúvidas no que concerne à identificação de responsáveis
pelo cometimento dos atos criminosos divulgados. Alongue-se a explicação: a
enxurrada de denúncias acerca de malfeitos supostamente praticados nos negócios
públicos é tão encorpada, implica, de princípio, tanta gente, que se afigura
prudente e razoável, nas análises dos fatos, reservar-se uma margem para registros
de eventuais equívocos que possam ocorrer nessa extensa citação de nomes vindos
a público. Isto posto, faz-se imprescindível reconhecer, alto e bom som, que os
assim chamados “delatores premiados”, “colaboradores beneficiados”, ou que
outras designações mais sejam atribuídas aos autores de denúncias acolhidas
pela Justiça, ocupam merecidamente, na galeria destinada aos elementos
flagrados em conduta criminosa, posições rigorosamente equivalentes às dos
personagens por eles enfaticamente denunciados.
Uns e outros, manda a verdade reconhecer, têm culpa no
cartório assemelhada. Não são nada flores que se cheirem. Como se diz na fala
das ruas, “tudo farinha do mesmo saco...”. Nas ocorrências delituosas em que se
emaranharam inexistem graus diferenciados de culpabilidade mode favorecê-los. Nada
há que os faça menos comprometidos nesse tentacular esquema de corrupção que tão
prestimosamente ajudaram a compor. Fazem jus, sim, por
conseguinte, da mesma forma que seus parceiros de trama mafiosa, à repulsa de
uma sociedade que se sente injuriada. Que se viu, de repente, impiedosamente
alvejada pela desfaçatez e ganância de falsas elites embriagadas por mórbida
autossuficiência no exercício do poder.
Nessa linha de raciocínio, adquire especial
ressonância, aprestando-se obviamente a discussões amplas, o tratamento até
certo ponto condescendente dispensado pela Justiça aos delatores em função dos
acordos firmados. Algumas cláusulas estão parecendo, ao olhar crítico da
opinião pública, exageradamente indulgentes. Muitos perguntam: o que sobrou pra
esses caras, como punição pelas malvadezes praticadas, foi apenas isso, uai? As
imagens e informações alusivas às “regalias” aparentemente desfrutadas pelos
ditos cujos vêm sendo recebidas com certa estranheza e sentimento de
frustração. Pegaria muito bem, no modo de entender das ruas, uma reavaliação de
procedimentos nesse capítulo de toda essa nauseante história.
A África não conta.
Ela apenas?
Cesar Vanucci
“O que as grandes potências aprontaram na África,
ao longo dos tempos, clama aos céus!”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
A África foi irremediavelmente condenada, nas estratégias geo-político-econômicas
traçadas pelos “donos do mundo”, bovinamente acatadas sem questionamentos pelos
demais protagonistas da esfuziante jornada humana, a ser palco permanente de dilacerantes
experiências. É lá, prioritariamente, que são testados armamentos sofisticados,
“última geração” pode-se dizer, com o povo intimado a servir de “bucha de
canhão”. É lá, mais do que em outras paragens, que as riquezas dadivosas do
subsolo são avaramente “guardadas e protegidas”, mode garantir substanciosa
reserva de matérias primas para a hora, lá na frente, em que estejam exauridos
os filões de produtos vitais hoje intensamente explorados noutras plagas.
A África esfaimada, a África maltrapilha, a África de pés descalços ameaçada
pela Aids, alcançada em cheio pelos efeitos perversos de equivocada e
distorcida política globalizante, essa África da pobreza ao rés do chão não
conta. Permanece esquecida dos homens e, também, dos próprios deuses venerados
nas crenças das muitas etnias que a povoam.
A ONU cataloga meia centena de nações, habitadas por centenas de milhões
de criaturas que, na iníqua distribuição “per capita” de renda, não dispõem de
mais do que dois reais diários para sobrevivência. São países localizados, na
quase totalidade, adivinhem onde? Exatamente, terras d’África. Compõem a ampla
base da ultrajante pirâmide social dos tormentos humanos nestes conturbados
tempos.
É preciso, em nome da dignidade humana, conservar ao alcance dos olhos,
mentes e corações, os dados arrolados. Fica claro que uma situação dessas reclama
das pessoas de boa vontade, com certeza parcelas majoritárias nos contingentes
populacionais, reflexão aprofundada, acompanhada naturalmente de ações, que se
inspirem nas lições humanísticas e espirituais que a nossa civilização tanto
alardeia professar. Tais lições, forçoso reconhecer, vêm sendo solapadas pela
insânia, egoísmo e insensibilidade social. Amontoam-se à nossa volta registros
reveladores dos descaminhos sociais e econômicos trilhados. Eles são de molde a
gerar perplexidade, indignação e clamor. Não há como conter desassossego e
inquietação diante de revelações como as que são abaixo transmitidas por respeitáveis
instituições especializadas na interpretação dos acontecimentos sociológicos e
antropológicos.
Alguma coisa anda funcionando muito mal, por certo, neste mundo do bom
Deus onde o tinhoso costuma plantar seus encraves, quando a gente toma
conhecimento de que um único e solitário vivente do planeta consegue acumular,
naturalmente por força de talento, competência e vocação negocial, fortuna
pessoal superior ao conjunto dos PIBs (produtos internos brutos) de dezenas de países
da África negra. Alguma coisa, repita-se, funciona mal, fazendo água no projeto
original da Criação, quando se sabe, de outra parte, que os 80 cidadãos
melhormente posicionados na lista dos ricaços do mundo somam, com os haveres
adquiridos, recursos equivalentes à renda acumulada de um terço da população (quase
9 bilhões) deste planeta azul. Não deixa também de causar impacto a informação
de que a minúscula Cingapura, cidade artificial - regida por rançoso
autoritarismo, onde a goma de mascar (o tradicional chiclete) é considerada
droga ilícita, punida com chibatadas -,situada num território desprovido de
riquezas naturais, erigida em meca econômica por força dos insondáveis
interesses da megaespeculação financeira, recebe sozinha mais investimentos do
que o continente africano inteiro.
Falar verdade, essa história toda, com suas incoerências sociais expostas,
deixa-nos à mercê de uma ordem econômica e social contundente. Suscita reflexões
que conduzem inapelavelmente à conclusão de que uma reformulação de critérios
na condução da trajetória humana se faz extremamente necessária. Tal reformulação,
para que possa alcançar os resultados almejados, terá que ser calcada em
valores humanísticos, no igualitarismo democrático, nas crenças espirituais que
todos reconhecemos, no plano ideal, como a essência da presença humana na
pátria terrena. O propósito de se promover as transformações desejadas pelo
sentimento universal há que ser introduzido como item prioritário na agenda das
preocupações, diálogos, discussões, estudos e debates da sociedade. Sem o que tudo
ficará relegado a simples e oca retórica.
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