sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Freud explica

Cesar Vanucci

“A homossexualidade não pode ser classificada como doença.”
(Sigmund Freud, num texto de 1935)

Este nosso minifúndio de papel - dia sim, dia não, ocupado por singelas ruminações e esfuziantes quimeras a respeito das coisas da vida - é hoje cedido a ninguém mais, ninguém menos do que Sigmund Freud. Isso ocorre por conta de incandescente polêmica nos domínios da assistência psicológica, derivada de recente decisão judicial.

Ao liberar profissionais da Psicologia para aplicarem “terapia de reversão sexual”, também conhecida pejorativamente por “processo de cura gay”, um magistrado do Distrito Federal desencadeou torrente de críticas resvalando questões de preconceito e direitos humanos, com repercussão até na ONU. A denominada “cura gay” é prática defendida por grupos religiosos fundamentalistas. Profissionais vinculados a tais correntes de pensamento postularam na Justiça o reconhecimento de “técnicas terapêuticas” que veem a homossexualidade como um “desvio da natureza”, um ato pecaminoso, demoníaco. A técnica contempla às vezes até exorcismo.

O Conselho Federal de Psicologia proíbe taxativamente o emprego daquilo que denomina de pseudoterapia. A “homossexualidade não pode ser considerada uma doença. Nós a consideramos uma variante da função sexual”. Foi o que disse Freud em correspondência encaminhada a uma mãe que lhe pediu ajuda para o filho. Na mensagem, o “pai da psicanálise” anota que a terapia psicanalítica pode beneficiar alguém, mas não curá-lo, já que não se trata de uma doença. Sustenta ser “uma grande injustiça e crueldade perseguir a homossexualidade com se fosse um crime”. Tal postura é defendida pela Organização Mundial da Saúde, quando acentua que a sexualidade das pessoas pode abarcar variadas opções. “Não posso curá-lo porque você não está doente, nem fisicamente nem mentalmente: é o que se espera seja dito no consultório de psicologia a quem ali compareça em função de sua opção sexual”, acentua este organismo.

Na ONU, a sentença que liberou psicólogos para oferecer terapias de “reversão sexual”, foi apontada por Charles Radclif, chefe de “Igualdade e Não Discriminação do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos”, como um passo atrás. “É decepcionante ver o que aconteceu no Brasil. Trata-se de uma prática que a ONU condena”, afirmou, deplorando que alguns terapeutas, políticos e dirigentes religiosos continuem a explorar o emprego de certas terapias como se fossem “métodos de cura”, utilizando instrumentos de tortura, inclusive choques elétricos. O representante da ONU confessou-se “confiante de que, no longo prazo, vamos ver progresso. O Brasil não vai de uma hora pra outra sair de uma clara posição de liderança nessa temática para ir em outra direção.”

Já é tempo, a esta altura, de travar conhecimento com a integra do texto de Sigmund Freud, aludido no preâmbulo: 19 de abril de 1935. Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem. No entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis. Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranqüilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”


Tratado de desarmamento nuclear

Cesar Vanucci

“As pessoas que falam em proscrever a bomba atômica estão enganadas: o que devia ser proscrito é a guerra.”
(Leslie Richard Groves, general americano, membro do “Projeto Mahattan”, que desenvolveu a primeira bomba atômica)


À hora em que se datilografa este texto, 42 países representados na ONU já apuseram assinaturas no “Tratado sobre a proibição de armas nucleares”. Para que possa entrar em vigor o documento carece ser referendado por, pelo menos, mais outros 8 países.

A proposta relativa à palpitante questão é de inspiração verde-amarela. Ponto para o Brasil. África do Sul, Áustria, México, Nigéria e Irlanda são os outros Estados que decidiram de pronto figurar, ao nosso lado, entre os signatários da medida. O texto final, elaborado há dois meses, proíbe os países membros da ONU desenvolverem, testar, produzir, adquirir, estocar armas nucleares, ou manter sob guarda qualquer outro dispositivo atômico com capacidade destrutiva.

Durante a 72ª Assembleia Geral da ONU, recém-realizada em Nova Iorque, ocorreu ato solene, presidido pelo Secretário Geral Antônio Guterres, para coleta de assinaturas do documento. A primeira assinatura foi a do presidente Michel Temer. Nos pronunciamentos feitos na ocasião foi lembrada e condenada a existência, espalhados por todos os continentes, de aproximadamente 15 mil artefatos atômicos. Ressaltou-se que essas armas apocalípticas colocam em risco permanente a paz mundial, ameaçando a própria sobrevivência do ser humano sobre a face deste planeta.

O distinto leitor está absolutamente certo ao imaginar que a Coréia do Norte, do “supremo líder” Kim Jong-un, não quer nem ouvir falar do tratado. Não está sozinha na enfurecida discordância. São muitos os estados membros da ONU que se recusam a admitir qualquer debate em torno do desarmamento nuclear. Eles, todos eles, são detentores de arsenais em condições de arrastar o mundo para o avassalador armagedom das profecias. Os Estados Unidos já declararam não ter intenção de assinar, ratificar ou jamais se tornar parte do acordo celebrado. Declaração recebida sem nenhum espanto.  O presidente Trump, personagem de gestos e linguagem destemperados, sente-se inteiramente à vontade no papel de clonar George Bush como “xerife mundial”. Indoutrodia, na tribuna da ONU, proferiu discurso considerado mundo afora de uma arrogância e agressividade incomuns. Sustentou, para estupefação geral, que os diálogos visando soluções multilaterais violam os interesses das nações.

O Reino Unido e a França, em comunicado conjunto, deixaram claro a disposição de fazer o mesmo. Da China e Rússia não se espera ajam diferentemente. E que ninguém se iluda, supondo não seja este também o posicionamento dos demais integrantes do “clube atômico”, Israel, Índia e Paquistão. A conferir, as posições da Alemanha, Canadá e do Japão, entre outros.

O Tratado alcançará, com certeza, o quórum exigido para promulgação pela ONU. Não deixa de traduzir, mesmo que apenas parcialmente, como bela e inalcançável utopia, anseio majoritário da sociedade humana. O que no sentimento mundial verdadeiramente se almeja, entretanto, é a proscrição, não apenas das armas nucleares, mas de todas as armas, de todas as guerras. As guerras, no dizer de Horácio, abominadas pelas mães.


Mas, nada de ilusões. O documento – fácil adivinhar – não passará de uma manifestação de razoável efeito moral, mas de duvidosa eficácia prática. A história acumula decisões e resoluções sem conta, no âmbito da ONU, solenemente desrespeitadas por muita gente. Os palestinos, proscritos em sua própria terra, na tormentosa expectativa, de várias décadas, da configuração definitiva de sua pátria, conhecem a fundo esse nó górdio difícil de ser desatado.

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