Abolição das
armas nucleares
Cesar Vanucci
“As
pessoas que falam em proscrever a bomba atômica
estão enganadas: o que devia
ser proscrito é a guerra.”
(Enfatizando
mais uma vez a frase lapidar do
general americano Leslie Richard Groves)
O Nobel da Paz
deste ano da graça de 2017 foi conferido ao ICAN, organização sediada em
Genebra que aglutina 424 ONGs espalhadas por 95 países. A versão em português
da sigla explica sonoramente os altruísticos objetivos da instituição:
“Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares”.
Na percepção
deste desajeitado escriba, com suas sempre esvoaçantes quimeras, essa outorga
apresta-se magistralmente a descrever o fosso abissal que, tantas vezes,
distancia aquilo que a embriagante autossuficiência humana cataloga como
“politicamente correto”, daquilo que representa autenticamente ideal a ser
perseguido no processo evolutivo humanístico.
A láurea foi
atribuída debaixo de aclamações a uma valorosa entidade que se notabiliza por
perseverante esforço, desdobrado ao longo de uma década, voltado para a
perspectiva de livrar o mundo das armas nucleares. No anúncio, a presidente do
Comitê Norueguês do Nobel, Berit Reiss-Andersen, classificou de incansável o
trabalho de conscientização do grupo em prol do desarmamento atômico.
Assinalou: “Vivemos em um mundo onde o risco de uso das armas nucleares é o
mais alto que já existiu. Alguns países modernizam seus arsenais e é real o
temor de que outros países se valham desse tipo de armamento, como a Coreia do
Norte.”
Porta-voz da
organização agraciada, Beatrice Fihn, fez questão de criticar a atuação do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ressaltou: “O incômodo causado por
Trump decorre do fato de ele ser capaz de autorizar, por si só, o emprego de
armas nucleares.” Disse depois: “As armas nucleares não dão segurança nem
estabilidade", o que é o próprio óbvio ululante. A respeito ainda do ICAN
seja aduzido que a instituição inspirou recentemente um tratado de proibição
das armas nucleares, subscrito por 122 países. De cunho evidentemente
simbólico, o documento não contém assinaturas das potências nucleares.
Essas
informações inspiram singelas observações. Agarremo-nos à cândida hipótese de
que os países detentores de arsenais nucleares – Estados Unidos, Rússia,
França, Grã-Bretanha, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte –
resolvam, de repente, numa espantosa demonstração de boa vontade, desfazer-se
de seus artefatos. Será que isso implicaria, concomitantemente, numa declaração
peremptória em favor da abolição ampla, geral e irrestrita do terror das
guerras e das guerras do terror? Eles e os restantes países com propensão
guerreira iriam se dispor, paralelamente, a eliminar pra todo o sempre seu
formidando estoque de armas bacteriológicas, de armas ditas convencionais,
zelosamente conservadas em pontos fixos e móveis estratégicos para uso em
situações de máxima tensão; armas essas, todas, como sabido, concebidas com o
objetivo de aniquilar avassaladoramente vidas inocentes e patrimônios valiosos?
Fica claro que
ninguém, em consciência, ousa negar o mérito das ações desencadeadas pelos
militantes do ICAN. É certo que se trata de grupo ativista fervoroso, apoderado
de nobreza de intenções e de saudáveis preocupações com referência a uma
questão que impacta de pavor a sociedade. Mas, volvendo a atenção para outra
face do assunto, é preciso considerar que o armamento nuclear representa um dos
itens – talvez o mais assustador – entre os elementos a comporem as engrenagens
dessa suprema manifestação da estupidez humana denominada guerra.
Temos assim, pois,
firmado o seguinte: diante da ordem de conceitos comportamentais vigentes no
mundo de nossos dias, a campanha para proscrição das armas nucleares é,
“politicamente correta”. Mas o “politicamente correto” revela-se insuficiente
no caso. Cria uma sensação de incompletude, sensação de que está faltando algo
essencial a ser feito. A ardente esperança que habita a alma humana concebe, na
verdade, não apenas um pacto capaz de abolir um tipo de instrumento de
extermínio. Mas um acordo – mesmo que reconhecidamente inalcançável nesse atual
estágio da convivência planetária – capaz de abolir a própria guerra. Ou seja,
eliminar das desventuras humanas essa calamidade geradora de todo um cortejo
interminável de calamidades, imagináveis e inimagináveis, como diria Padre
Vieira.
Na epígrafe,
recorri a lapidar frase de um general americano. Sirvo-me no epílogo de outra,
igualmente de americano ilustre, George Washington: “Meu maior desejo é ver
essa praga da humanidade, a guerra, extinta da face da Terra.”
A tragédia do Reitor
Cesar Vanucci
“Que autoridades são essas que (...) causam medo e
terror?”
(Nelson Wedekin, jurista)
Na isenta avaliação de categorizados setores da
opinião pública catarinense configurou-se irretorquível violação dos Direitos
Humanos no rumoroso caso da morte, em dolorosas circunstâncias, do antigo
reitor da Universidade Federal daquele Estado. Juristas, educadores,
jornalistas, membros do Ministério Público não se furtaram ao dever de
reconhecer publicamente que o gesto desesperado do professor Luiz Carlos
Cancellier, que pôs termo à vida atirando-se no vão de um shopping center em
Florianópolis, foi fortemente influenciado pelo claro abuso de autoridade,
somado a inconsequente denuncismo com alarde midiático irresponsável, do qual o
mesmo foi alvo.
O lastimável episódio pode ser assim narrado. Uma
investigação policial iniciada em 2014 concluiu que houve desvio de recursos em
um programa de ensino à distância executado na instituição universitária
mencionada. A ocorrência delituosa foi detectada em período –importante
ressaltar – anterior à gestão do reitor. Mesmo assim, equivocadamente, por
força de brutais circunstâncias, ao inteiro arrepio das provas coligidas,
Cancellier viu-se subitamente alçado à condição de personagem central numa
trama kafkiana. As autoridades encarregadas das diligências, com respaldo
judicial, deduziram que vinha acontecendo obstrução na apuração dos fatos.
Baseadas em informações que se comprovaram incorretas, resolveram
imprudentemente, prepotentemente, responsabilizar pelo fato, entre outras
figuras do corpo universitário, também o reitor. De nada valeram as evidências, consoante
abonados testemunhos, de que o cidadão em questão nenhuma participação negativa
tivera no enredo.
Detido em sua residência, diante dos olhares
assustados dos familiares e vizinhos, numa operação espalhafatosa, com filmagem
instantaneamente projetada pela televisão, cobertura ampla da imprensa e rádio,
o reitor foi “exemplarmente” apontado como “perigoso marginal”. Sem que se lhe oferecessem chance alguma de
defesa com relação às injustificáveis acusações levantadas, foi conduzido de
forma humilhante ao cárcere. A soltura do preso foi determinada, sensatamente,
noutra instância, horas depois. Tarde demais, no desabafo do jornalista Carlos
Damião, a quem Cancellier confessou ter sido tratado de forma degradante pelos
integrantes da escolta e na dependência policial a que compareceu sob coação. O
reitor confessou ao mesmo jornalista sentir-se esmagado pela dor e
perplexidade.
Em que pese o posicionamento assumido pela comunidade
acadêmica catarinense, saindo imediatamente em defesa do reitor ferozmente
atingido em sua dignidade, o impacto das coisas deixou Luiz Carlos Cancellier
arrasado psicologicamente. Ele chegou a confessar a amigos que jamais iria
conseguir recuperar-se do golpe. Deu no que deu.
A história gerou compreensível clima de revolta e indignação.
O reitor era um homem culto, afável, inteligente, conciliador e de vida
irrepreensível. Machucou-se muito com manchetes que o chamaram de ladrão e
corrupto, sem que tivesse qualquer culpa no cartório. O próprio Procurador
Geral do Estado, João dos Passos Martins, admitiu que o educador padeceu sob
uma prepotência inocultável. “Por isso, respeitado o devido processo legal, é
indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e
administrativas das autoridades policiais e judiciais envolvidas”. Foi o que
sustentou em nota. O advogado Nelson Wedekin, ex-senador da República,
classificou a ação conjunta da policia e judiciário de ignóbil. Indagou, na
cerimônia fúnebre: “Que autoridades são essas que, ao invés de nos proteger,
causam medo e terror?” (...) “É preciso agir assim com a mão pesada, com tal
crueldade, com tal virulência e tal desumanidade? Definitivamente, não se passa
o país a limpo assim!”
O drama do reitor injustamente alvejado comoveu Santa
Catarina e demonstrou, da parte dos setores responsáveis pela condução das
diligências relatadas, total despreparo no cumprimento de sua respeitável
missão institucional no combate ao crime.
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