Simplesmente
medonho
Cesar Vanucci
“As ações
terroristas dos atiradores solitários
são estimuladas, em muito, pela indústria
armamentista.”
(Antônio Luiz
da Costa, Educador)
Foi assim.
Simples assim. O indivíduo de mal com a vida, periculosidade estampada no
semblante, agindo com a mesma desenvoltura de uma dona de casa que ajeita no
carrinho do supermercado a couve-flor, o alface e o tomate para refeição
doméstica, passa ao solícito vendedor da loja especializada em armamento
sofisticado a lista dos produtos que lhe interessa levar. Metralhadoras, rifles
de alta precisão, granadas, farta munição. Material suficiente para equipar aguerrido
pelotão de infantaria. Fecha a operação, pagando com cartão de crédito, apanha
a nota fiscal, metendo os artigos adquiridos num veículo de transporte. Manda-se,
em seguida, para casa. Nada diz, nem lhe é perguntado a respeito da destinação
dos itens comprados. Afinal de contas, qualquer pergunta poderia soar como
imperdoável abelhudice, assim vista pela Associação Nacional Americana de
Armas, intransigente defensora dos “sagrados direitos constitucionais” dos
consumidores de seus produtos.
Simples assim.
O indivíduo, ao depois, hospeda-se num hotel de luxo, em suíte de andar
superior com vista panorâmica para imensa praça. Na praça irá acontecer, mais
adiante, um mega espetáculo artístico, plateia estimada em milhares de pessoas.
Simples assim.
O individuo, presumivelmente adepto de uma dessas seitas sinistras (tipo Klan,
Supremacistas Brancos, por aí) engajadas em conspiração contra a dignidade
humana, transforma o aposento num “posto avançado” para deflagração de
verdadeira “operação de guerra”. Não se sabe bem como fez para transportar até
o topo do edifício, sem despertar incompreensivelmente a mais leve suspeita, o
arsenal adquirido nos conformes legais. Sozinho, ou com ajuda, sabe-se lá, sem
ter os passos interceptados por quem quer que seja, transporta o pesado
material para a suíte transmutada em reduto fortificado. A pequena multidão que
cruza seu caminho, agentes da lei, porteiros, vigias, ascensoristas,
camareiros, carregadores, motoristas, demais funcionários do hotel, hóspedes do
hotel, não percebe nada de estranho na frenética movimentação, que implica
ainda na instalação, por conta própria, novamente desapercebida por parte de
terceiros, de um requintado sistema clandestino de monitoramento, provido de
câmeras, em corredores do hotel, para
acompanhamento das coisas que venham a suceder nas imediações da suíte.
Foi assim.
Simples assim. Todas essas ações, estrategicamente orquestradas, transcorreram
numa das cidades com maior poder de atração turística no mundo inteiro. Um
centro populoso, vigiadíssimo, situado em país que estruturou a mais complexa
engrenagem jamais concebida para se defender de atos terroristas contra gente
inocente, a ponto até de estimular alguns agentes, extravasando os cuidados
preventivos, a cometerem deslizes nas abordagens públicas (sobretudo em
aeroportos) de pessoas de outras nacionalidades.
Foi assim.
Medonho assim. Das janelas da suíte, mirando como alvo milhares de espectadores
do show de música sertaneja que se acotovelavam lá embaixo na praça, o
terrorista acionou o gatilho dos mortíferos apetrechos espantosamente armazenados
na dependência de um hotel de intensa circulação. Antes que o pessoal da
segurança pudesse identificar a origem dos disparos, de modo a por termo à terrificante
empreitada, 69 vidas inocentes se foram, mais de quinhentas pessoas alvejadas deram
entrada em hospitais e clínicas. E assim se escreveu um novo capítulo da encorpada
e tenebrosa história dos tresloucados atiradores solitários que apavoram as
ruas americanas.
Medonho assim.
O noticiário sobre a tragédia de Las Vegas diz que as armas legalmente estocadas
nos lares do país é superior ao número de seus habitantes, mais de 320 milhões.
Em algumas regiões estadunidenses assegura-se às pessoas o “direito” de desfilarem
ostensivamente com armas, no consagrado estilo faroeste. Em reportagem mostrada
na televisão um cara, com o qual a gente se antipatiza à primeira vista,
exibe-se varonil e triunfante, expelindo babaquice por todos os poros, como
recordista mundial em coleção de armas. Seus guardados contabilizam quatro mil
artefatos. Até carros de assalto. Todo o aparato em condições de uso imediato.
“Lindo”... de morrer.
Tudo muito
medonho. É o caso de se pedir: Deus salve a América!
Desfile de
horrores
Cesar Vanucci
“... a Terra
não é o inferno dos demais planetas?
(Aldoux Huxley)
É de Aldous
Huxley a fulminante indagação: “Como sabes que a terra não é o inferno dos
demais planetas?” A frase guarda certa conotação com ditos de outros autores
célebres. Sartre: “O inferno são os outros.” Guimarães Rosa: “O inferno está
dentro de nós.” Marquês de Sade: “Não há outro inferno para o homem afora da
estupidez ou da maldade de seus semelhantes.”
Avaliando com
aprofundada atenção, alma em desassossego e olhar repleto de angústia, o que
vem rolando por aí afora, lá longe e cá perto, no atacado e no varejo, a gente
acaba, em não poucos momentos – como não? –, se rendendo à tentação de
compartir com o grande pensador citado no introito a inquietadora dúvida por
ele verbalizada. O desfile de horrores é incessante. Produzido por distúrbios
comportamentais variados – ódio, insanidade, intolerância, preconceito,
injustiça -, as situações calamitosas acumulam rotineiras manchetes.
Ainda agora,
quando datilografávamos estas linhas, fanáticos religiosos-políticos
arremessavam seus carros-bomba contra vítimas inocentes na Somália, provocando um
inimaginável morticínio. Outro mais.
Deixando de
lado, nestas específicas considerações, incidentes aterrorizantes registrados
noutras plagas, concentrando-nos apenasmente em episódios deprimentes mais
próximos de nós, começamos por perguntar, apoderados de perplexidade: essa
horrenda tragédia de Janaúba, como explicá-la? A ferocidade criminosa que a
concebeu, a crueldade inaudita que tantas vidas inocentes ceifou – em sua
maioria, criancinhas, Santo Deus! -, as marcas doloridas indeléveis deixadas na
história das famílias e da comunidade brutalmente alvejadas, como entender tudo
isso?
Este surto
infernal de estupidez e maldade, esta desagradável sensação de banalização da
violência, será que vamos conseguir refreá-los? Na pergunta formulada só se
encaixa uma resposta. O mundo carece reconectar-se urgentemente com sua
humanidade. Trata-se de uma tarefa árdua, extenuante. Quem pode assumi-la, de
verdade, são homens e mulheres de boa-vontade, parcela majoritária da
sociedade, compromissados com valores éticos, morais, espirituais capazes de
garantir dignidade à jornada existencial. Isso pede reflexão e ação.
Deixemos Janaúba.
A cidade, mergulhada em sua infinita dor, busca na solidariedade popular e na
anunciada disposição dos poderes públicos em provê-la de recursos que possam
melhorar as condições de seus equipamentos sociais alento para a retomada das
atividades normais. A vocação progressista da comunidade, o espírito de
cidadania de seus moradores representam suportes poderosos na caminhada a
empreender.
Volvamos, agora, o olhar amargurado para outro
recanto brasileiro. Local permanentemente acossado por virulência fora de
controle. Como não nos sentirmos traumatizados emocionalmente - os habitantes
de todos os cantos deste país continente - com o que vem ocorrendo no cenário emoldurado
pela mais exuberante beleza tropical dentre todos os grandes centros urbanos do
planeta? O que a inoperância governamental, a incompetência de próceres
políticos, a serviço de uma oligarquia debochadamente corrupta, andam
aprontando com a mui’ heroica e leal São Sebastião do Rio de Janeiro é algo
arrasador. Faixas territoriais extensas da metrópole de mil encantos naturais
que, até recentemente, no sonho dos brasileiros, era vista como destino
predileto para curtição de aposentadoria tranquila, transformaram-se em zonas
de conflito armado. Nelas atuam desembaraçadamente falanges criminosas,
traficantes de drogas, milicianos achacadores. O aparato de segurança do Estado
revela-se ineficaz no combate a essas forças antissociais. Isso se explica, em
parte, deploravelmente, pelo enredamento da chamada “banda podre da polícia”
com o crime articulado. O descalabro implantado traz consequências funestas. A
fuzilaria virou rotina nos morros cariocas mal assistidos, com extensão à
famosa “baixada fluminense”. Haja rabecão para transportar vítimas ao necrotério!
Haja bala perdida a surpreender transeuntes e outros viventes indefesos no
interior dos lares e das escolas!
No rol das
cotidianas desventuras geradas pela estupidez e insanidade cabem ser arrolados
também mais esses outros dramas pessoais chocantes. No Piauí, levado pelos
próprios pais, garoto de onze anos faz companhia na cela de uma penitenciária, a
detento trancafiado por crime de estupro e pedofilia. Tudo sob os olhares
coniventes dos encarregados da vigilância do lugar. No interior de São Paulo,
uma mãe é acusada de encomendar o assassinato do próprio filho, um adolescente,
por “horripilante delito”. Ele confessou-se... homossexual. Valha-nos Deus,
Nossa Senhora!
Estupidez e
insensatez
de mãos dadas
Cesar Vanucci
“A estupidez é
o maior dos pecados.”
(Oscar Wilde, escritor, poeta e dramaturgo britânico)
Em tudo quanto
é canto do mundo despontam inequívocas demonstrações de estupidez e insensatez
levadas a extremos. Algumas delas vêm alinhadas abaixo.
l Um grupo de 62
pessoas, que se identificam como teólogos, vinculadas ao rançoso movimento
fundamentalista do dissidente Bispo Lefebvre, cismou de aplicar – ora, veja,
pois! – um “puxão de orelhas” no meigo e desassombrado Francisco. Acusou-o de
práticas heréticas. São caras que se acreditam mais católicos do que o próprio
Papa. Por essa “razão”, sentem-se à inteira vontade para arremessar suas lanças
medievais contra as regras canônicas, das quais se arvoram ser zelosos
guardiães e intérpretes, desrespeitando o conceito que estipula a
infalibilidade papal em questões de fé e moral. Com ferocidade dir-se-á
talebanista condenam a exortação apostólica “Amoris Laetitia”, vinda a lume no
ano passado. Discordam histericamente da orientação ali contida, inspirada em
apostólica sabedoria, sobre candentes questões da vida moderna. Repugna-lhes as
abordagens feitas sobre sexualidade, casamento, família e divórcio. Integristas
de meia pataca, fazem coro em suas farisaicas vociferações com outras correntes
retrógradas, de mórbida religiosidade ou de religiosidade alguma. Estamos nos
reportando naturalmente a agrupamentos fanáticos que se mostram incomodados com
a fala vanguardeira, evangelizadora, diga-se também tomista de Francisco, a
respeito da realidade social e econômica destes convulsionados tempos. Com
certeira convicção, outros “brados retumbantes”, nessa mesma toada, oriundos
dessas mesmíssimas fontes radicais, clamarão por escuta mais adiante. As seitas
fundamentalistas não esmorecem no afã de refrear o heroico impulso evolutivo do
espírito humano. Voltarão a investir contra outros atos e palavras procedentes da
serena e destemida disposição do Bispo que chegou ao Vaticano vindo dos confins
do mundo. Um estadista que encanta o planeta com sua pregação e que sabe
utilizar a Cátedra de Pedro em favor da santificadora causa de ajudar o mundo a
se reconectar com sua humanidade.
l Não há como
não sentir um calafrio percorrendo a espinha, sendo ou não alemão, diante dos
números conquistados pela ultradireita - de inocultável coloração nazista -,
nas eleições que acabam de ser realizadas na Alemanha. Conseguindo emplacar 94
representantes no Congresso, atraindo 12,6% do eleitorado, a “Alternativa para
a Alemanha” transformou-se na terceira força política e parlamentar do país. Situou-se
abaixo apenas dos sociais-democratas (20,5% dos votantes) e da aliança
conservadora – CDU-CSU, de Angela Merkel (32,9%). Praticamente, triplicou a votação
com relação aos sufrágios alcançados no pleito anterior. Aviso aos navegantes:
não convém subestimar o que rola na Alemanha. (Abra-se e feche-se rápido
parêntese para recordar que, em 1930, o partido de Adolf Hitler chegou também
em 3º lugar nas eleições). Observadores qualificados chamam a atenção para os
riscos que espreitam a democracia com essa súbita ascensão das falanges de
extrema direita. No curso da campanha eleitoral, dirigentes e adeptos da tal
“Alternativa” conduziram orgulhosamente, nalguns momentos até ensaiando “passos
de ganso”, estandartes com reluzentes suásticas. Soltaram o verbo, exprimindo
ódio racial naquele mesmo apavorante estilo de um tenebroso passado. Apontaram
o dedo acusatório para minorias selecionadas para desempenhar no enredo
político o papel de “bodes expiatórios” no tocante à crise econômica, de modo a
sensibilizar setores desinformados da população que se sentem amargurados com
as consequências negativas das ações de governo.
Alexander
Gauland e Alice Weidel, os nomes dos líderes do movimento extremista, não
escondem suas idiossincrasias contra negros, judeus, refugiados. Cantam loas ao
heroísmo das tropas hitleristas na 2ª Guerra Mundial. Ficar de olho na
incendiária dupla. Eles podem aprontar.
Um comentário:
PARABÉNS, César Vanucci. Sempre atual e instigante o seu Blog! Abraços poéticos. Dodora Galinari - Presidente da UBT/BH, União Brasileira de Trovadores - seção de Belo Horizonte.
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