O que aconteceu
era de fácil previsão
Cesar Vanucci
“A Justiça é a
verdade em ação.”
(Joseph
Joubert, pensador francês)
Tempos
estranhos, deveras estranhos. A confusão é geral, comentaria Machado de Assis.
Ilustres Ministros do Supremo embaralham ainda mais, no capricho, o
entendimento das coisas. Confessam-se “perplexos” diante de recente decisão da
enxovalhada Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Cabe
recapitulação dos fatos. Os parlamentares cariocas, contaminados pelo
fisiologismo dominante na praça, resolveram, numa ação fulminante, de intensa
repercussão, revogar o ato judicial que ordenou a prisão preventiva, bem como o
afastamento do mandato do presidente da Casa e de outros dois deputados
acusados de beneficiários num esquema de “propinas milionárias”. Manda a
verdade reconhecer a forte inconsistência desse alardeado espanto. Uai! Pois
não foi o próprio STF, em histórica deliberação tomada na sessão plenária de 11
de outubro passado, que andou criando a oportunosa ensancha – ardentemente
almejada por expressiva parcela da comunidade política – permitindo a
detentores de mandatos eletivos, comprometidos em maracutaias estrondosas,
livrarem a cara em casos de indiciamento, hein? O que simplesmente pintou no
pedaço estava claramente previsto. Trata-se do óbvio ululante, diria Nelson
Rodrigues.
A decisão em
causa produziu, como todo mundo sabia que iria acabar acontecendo, vertiginoso
“efeito cascata”, que não vai parar por aí. A “jurisprudência firmada” renderá
ainda outros episódios danados de desconcertantes, não há descrer.
A Alta Corte,
relembremos, definiu que caberia ao Senado Federal dar uma palavra final a
respeito das medidas punitivas impostas pelo Ministro Edson Fachini ao Senador
mineiro Aécio Neves. Os pares do Senador, valendo-se da prerrogativa que se
lhes foi atribuída, optaram então por tornar sem efeito as sanções determinadas
pelo relator da “Lava Jato”. Emergiu assim o “fundamento jurídico”, por sinal
já suscitado em mais de uma ocasião, que o corporativismo político tanto
esperava mode que poder blindar-se em eventuais casos de diligências
coercitivas ordenadas pela Justiça no curso de investigações que tenham
parlamentares de todas as esferas como alvo.
Tudo quanto
exposto leva a uma conclusão. Parece chegada, a esta altura do campeonato, a
hora de o Supremo Tribunal Federal promover no âmbito doméstico uma aprofundada
reflexão sobre a verdadeira natureza e sentido de seu papel na atual conjuntura
brasileira. A sociedade reconhece que o órgão é integrado por luminares do saber
jurídico. Conserva acesa a esperança em sua atuação. Os sagrados ditames da
missão de que se acham investidos recomendam aos dignos togados permaneçam
distanciados das refregas políticas. Aconselham procurem se resguardar quanto
as circunstâncias suscetíveis de gerar paixões com toque partidário. A opinião
pública não esconde desaponto e desconforto quando percebe que algum magistrado
de alta preeminência se deixa seduzir pelas efêmeras cintilações da notoriedade
instantânea, proporcionada pelos holofotes midiáticos, e se aventura, falando
às vezes pelos cotovelos, a opinar sobre tudo quanto se lhe é perguntado. Às
vezes, até mesmo, antecipando posicionamentos alusivos a questões que possa vir
a julgar. A majestade da função é aí inclementemente alvejada e receios
naturalmente afloram às preocupações gerais quanto à condição isenta necessária
para garantir do magistrado que faça cumprir com fidelidade a justiça.
Justiça essa
que, na essência, outro valor não representa senão a verdade em ação, como
propunha, já em seu tempo, o pensador francês Joseph Joubert.
ALTM, ano 55
Cesar Vanucci
“Contista, jornalista,
conferencista, crítico literário,
Edson Gonçalves Prata é um autêntico homem de
letras.”
(José Mendonça, primeiro
presidente da
Academia de Letras do Triângulo Mineiro)
Meu fraternal
amigo João Eurípedes Sabino, presidente da Academia de Letras do Triângulo
Mineiro (ALTM), pede-me uma palavra sobre os 55 anos da valorosa instituição.
No afã de atendê-lo, ligo o vídeo cassete da memória, fixando-me em imagens em
que apareço como protagonista e testemunha ocular relativas ao começo da
história.
O nome do sempre lembrado
Edson Gonçalves Prata, é o primeiro a aflorar nas ternas recordações. Ele foi o
principal artífice na construção da grande obra cultural da ALTM na fase prefacial
a que me reporto.
Naquele tempo, o diário
“Correio Católico” (12 mil assinantes, recorde na atividade jornalística no
interior) circulava com um suplemento literário aos sábados em formato
tabloide. Eu era o editor geral do jornal. Entre os ilustres colaboradores do
suplemento lá estava o Edson, advogado e professor conceituado, alto funcionário
do Banco do Brasil, estudioso da obra de Machado de Assis. Seus artigos sobre o
autor de Dom Casmurro eram apreciadíssimos. Muita gente os colecionava. Ressalte-se
que o caderno literário nº 2, fevereiro de 1964, lançado pela Academia, enfeixa
alguns desses trabalhos.
Numa das visitas frequentes
que fazia ao jornal, Edson participou-me, solicitando colaboração e sugestões,
que estava a se ocupar, já algum tempo, da coleta de dados e informações
necessários para a elaboração da proposta de constituição de uma Academia
literária com abrangência regional. Engajei-me, de pronto, na empreitada. Numerosas
reuniões preparatórias foram feitas, a partir dessa troca de ideias, na redação
do “Correio Católico” e no escritório de Edson, instalado ao lado de sua
residência, a poucos metros de distância da sede atual da Academia, imediações
da Casa da Criança. Quando a proposta ganhou formato nas linhas gerais, contatos
foram feitos com os grandes personagens que vieram compor e engrandecer o
quadro dos sócios fundadores. O notável pensador Juvenal Arduini foi o primeiro
consultado. Padre Antônio Thomaz Fialho, doutor Augusto Afonso Neto, Padre
Tomaz de Aquino Prata foram, na sequência, os intelectuais de projeção procurados.
Todos aderiram com entusiasmo à ideia. Por sugestão do Edson, infatigável no
afã de tornar realidade palpitante seu ardente sonho, o nome de José Mendonça
foi apontado como ideal, pelos incontáveis méritos de inteligência, cultura,
liderança, para comandar o processo de estruturação da Academia. A sugestão foi
levada ao conhecimento do inesquecível Arcebispo Alexandre Gonçalves Amaral.
Ele considerou a escolha excelente. O grande romancista Mário Palmério também
ofereceu decisivo apoio à iniciativa.
Para a residência de José
Mendonça, onde também funcionava seu escritório de advocacia, foram então
deslocadas as reuniões preparatórias com vistas ao lançamento oficial da
Academia. O quadro de fundadores, o estatuto, a forma de atuação, a formação da
primeira diretoria, os convites a escritores, poetas e jornalistas de Uberaba,
de Uberlândia e de outros lugares para que viessem a integrar os quadros
acadêmicos, tudo isso foi sendo laboriosamente delineado numa sucessão de
proveitosos encontros até o momento decisivo da implantação solene da Academia.
Apraz-me registrar, nessa
sequência de lembranças, que o título da futura revista oficial da ALTM,
“Convergência”, foi por mim sugerido numa das primeiras reuniões. O modelo dos
cadernos literários da Academia, editados nos primeiros anos da instituição,
foram também concebidos também nessas reuniões preliminares.
Esse esforço preparatório
germinou, floresceu, rendeu frutos compensadores. Marcou o ponto de partida do
avultado trabalho, de singular fecundidade, que ao longo de décadas,
desencadeado na gestão de José Mendonça, desdobrou-se nas gestões de Augusto
Afonso Neto, Edson Gonçalves Prata, Guido Bilharinho, Maurílio Cunha Campos de
Moraes e Castro, Jacy de Assis, José Soares Bilharinho, Mário Salvador,
Terezinha Hueb Menezes, José Humberto Henriques, Jorge Nabut, Ilcéa Borba, de
modo a que pudesse vir a ser entregue, na administração João Eurípedes Sabino, inaugurada
sob os melhores auspícios, uma obra consolidada, repositório precioso e perene
de saberes acumulados, de riquíssimas experiências, verdadeiramente
representativa, como se preconizou bem lá atrás, da inteligência e da cultura
da gente do Triângulo Mineiro. Uma obra com positiva ressonância no cenário
cultural mineiro e brasileiro. E, por derradeiro: caçula, entre os fundadores
da Academia, faço parte hoje da dupla remanescente do quadro de intelectuais
que a compuseram em seus primórdios. O outro sócio fundador, de cujo convívio
todos os Acadêmicos prazerosamente participamos, é o grande sacerdote e
pensador Thomaz de Aquino Prata.
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