Augusto Cesar e
a liberdade de crença
Cesar Vanucci
“Ele apresentava acentuada
preocupação por temática brasileira na programação.”
(Artur da Távola)
É provável que,
neste acolhedor espaço do vibrante DC, nestes longos anos de enriquecedor
contato, dia sim, dia não, religiosamente, com os leitores, já tenha surgido
referência à admiração suscitada, ao tempo de ginasiano no Liceu do Triângulo
Mineiro, Uberaba, pela erudição revelada na ação pedagógica do saudoso
professor de Ciências José Peres, por sinal, excelente pianista. Eu considerava
o máximo, sem intenção de trocadilho, as “máximas” com que ele enfeitava as
dissertações. Guardo ainda hoje várias delas na memória velha de guerra.
Revejo, saudosista, o momento em que ele - pronúncia enfática, sincronizada com
a gesticulação denunciando pendor teatral não demonstrado, ao que saiba, em
palco - proclama em sala de aula intrigante sentença: “Louvor em boca própria é
vitupério!” Lembro-me de haver indagado: “Na boca de parente próximo, também?”
Ele titubeou, mas acabou dizendo que sim.
Abuso à parte,
que segundo o dicionário é a expressão branda de sinonímia para vitupério,
animo-me com disposição a dar sequência aqui à louvação da obra executada, em
sua peregrinação na pátria terrena, pelo saudoso mano Augusto Cesar Vanucci.
Pelo que ele fez em vida não há como não classificar de justa a carinhosa
manifestação de saudade que amigos, ex-colegas de ação profissional lhe
prestaram no Teatro Vanucci, Rio de Janeiro, em ciclo de palestras seguidas de
encenações teatrais, no findo mês de novembro, focalizando sua vitoriosa
trajetória humana e profissional.
Ocupo-me agora
de um trabalho que ele realizou, como líder carismático e cidadão possuidor de
arraigadas convicções ecumênicas, em favor da liberdade de consciência e de
crença. Recorro a esplêndido testemunho dado a respeito por ninguém mais,
ninguém menos, do que Artur da Távola, influente jornalista e parlamentar já
não mais entre nós. Oportuno anotar, antes desse testemunho acerca da atuação
de Augusto Cesar em defesa dos valores humanísticos e espirituais sublinhados,
o retrato que ele, Artur, fazia de meu irmão como ser humano e como exponencial
figura na área da comunicação social e do entretenimento. “Um iluminado!” Assim
o descrevia. Completava: “Sente-se na palavra de Augusto Cesar Vanucci
comovente fé, vivida e exercida em tempos aparentemente impróprios, pois
materialistas; e numa atividade, a artística, marcada por inusitadas expansões
existenciais, busca de prazer e mergulho nas patologias contemporâneas como
corajosa forma de viver os impasses, dores e esperanças de tempos agônicos.”
(...) “Vanucci viveu realidades paralelas aparentemente estranhas entre si, mas
particuladas: intensa ação como homem de televisão (um dos mais importantes,
acrescento eu) e a atividade espiritual, marcada por contrição permanente, fé
inabalável, tendo que conciliar em seu interior, as exigências do meio externo
com recebimento de mensagens espirituais permanente.”
Artur da Távola
assevera ainda haver acompanhado, de perto e de dentro, em análises diárias na
televisão, o percurso de Augusto como diretor de programas, “completamente
diferente dos demais”. Augusto “possuía estilo (que a televisão insiste em não
permitir); apresentava acentuada preocupação por temática brasileira no
conteúdo; buscava um formato para um show brasileiro de televisão e sempre
encontrava alguma forma engenhosa de colocar matéria de natureza mística.”
Levava ao ar programas sobre a paranormalidade e a espiritualidade sem
sensacionalismo, acrescenta.
O papel
desempenhado por Augusto Cesar nas lutas pela liberdade de crença entra agora
no registro de Artur da Távola. Na Constituinte, magno momento da vida
brasileira, Augusto ocupa a tribuna da Câmara. “Falou bonito, forte e
comovente”, acusa o deputado Távola. Prossegue: “A Constituição não saiu
exatamente como queríamos, mas foi aprovado, graças a emenda de minha autoria e
por influência dele, Augusto, um texto que lá está, oxalá para sempre, o que
garante a liberdade da prática religiosa. Diz o seguinte: “Artigo 5, inciso VI
– É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e suas liturgias.” Távola relembra ainda que o texto sofreu
ameaça de uma restrição que entregava à polícia a possibilidade de impedir, em
avaliação inevitavelmente subjetiva, “práticas religiosas que viessem a ser
consideradas perigosas.” Explica: “A restrição abriria porta ao arbítrio.
Qualquer autoridade poderia (...) impedir a plena liberdade de culto.” E
arremata: “Derrubamos a restrição, graças a emenda minha em íntima articulação
com Vanucci e outros.”
Testemunhos e
episódios sugestivos
Cesar Vanucci
“Distribuiu
esperança apaixonadamente. Tudo com força e bondade.”
(Borjalo)
Eva Tudor, a
grande atriz que recentemente, quase centenária, passou a não mais ser vista,
por já haver transposto a curva da estrada - indesviável para todos os mortais
-, como descrito num poema de Fernando Pessoa, no começo de sua refulgente
carreira, anos 40, encenou uma peça no Cine Teatro Royal, Uberaba. A produção
do espetáculo viu-se compelida a convocar às pressas, por imposição do enredo,
como ator improvisado, para rápida passagem no palco, um garoto com menos de 10
anos. Mano Augusto Cesar o escolhido. Essa participação na trama protagonizada
por artistas de renome vindos da capital, a “Cidade Maravilhosa, de encantos
mil, coração do meu Brasil”, rendeu-lhe o primeiro cachê artístico.
Ninguém
envolvido na improvisada cena, engendrada pelo caprichoso destino, seria capaz
de imaginar, naquele instante, que a atriz e o guri, muitas décadas
transcorridas na marcha da vida, figuras já consagradas no mundo fascinante do
entretenimento cultural, se reencontrariam em atividades cotidianas como
fraternais amigos. Não sei dizer ao certo se o episódio ora narrado chegou a
aflorar algum dia nos bate-papos de Eva e Augusto, no extenso período de uma
convivência profissional pontilhada por admiração e simpatia recíprocas. O que
sei muito bem é que Eva Tudor fez questão de anotar um depoimento extremamente
carinhoso a respeito do colega, quando de sua partida em 30 de novembro de
1992. Suas as palavras seguintes: “Pela fama, o nome Vanucci já inspirava fé.
Foi uma dádiva de Deus conhecê-lo. Tenho certeza de que, onde estiver, ele
estará brilhando com sua luz própria. E olhando por nós.” O que sei também
dizer, valendo-me de guardados familiares, é que são bastante numerosos os
testemunhos de episódios sugestivos, guardando a mesma tonalidade afetuosa e
terna, transmitidos em diferentes ocasiões por alguns personagens exponenciais
do cenário artístico brasileiro a respeito da trajetória pessoal e profissional
de Augusto Cesar.
Como prometido
a amigos e colegas do mesmo, responsáveis pela promoção, no Rio de Janeiro, no
ciclo de palestras mencionado em meus mais recentes artigos, sirvo-me agora
deste acolhedor espaço para, prazerosamente, anotar algumas dessas
manifestações. É Bibi Ferreira, primeira dama do teatro (ouvi certa feita, numa
entrevista na tevê, a magnífica Fernanda Montenegro admitir isso), quem conta:
“Um dia, o Vanucci esteve aqui em casa. Levei-o ao meu quarto para ver um
quadro, ele levou um susto e perguntou, por quê? Disse-lhe: porque você é um
grande amigo, porque está e estará sempre no meu coração e na minha lembrança.
A surpresa de Vanucci foi porque no meu quarto eu tinha mandado emoldurar uma
foto colorida dele, arrancada de uma revista, colocando-a sobre minha
escrivaninha. Nós éramos dois grandes amigos. É só isso.”
Para J.B. de
Oliveira Sobrinho, o Boni, “Augusto Cesar Vanucci foi realmente especial. Foi a
pessoa mais carinhosa com quem já trabalhei. Um ser humano iluminado, pleno de
amor e paz, pronto para distribuir afeto e ajudar material e especialmente a
todos, sem distinção (...) jamais será esquecido.” Segundo Borjalo, “Augusto
era chuva, cachoeira, fogo, terra, água, vento. Tinha o vento forte que varre,
tinha a brisa que beija, o fogo que queima e purifica, o fogo que aquece (...)
Distribuiu esperança apaixonadamente. Fazia tudo com força e bondade.”
A palavra está
agora com a apreciada atriz Beth Faria: “Em horas difíceis da minha vida, foi
um amigo maravilhoso que me deu a mão. (...) Em 1978, fizemos juntos, na TV
Globo, o musical “Brasil Pandeiro”, um programa mensal lindo.” (...) “Por causa
desse programa fizemos algumas viagens com o corpo de baile da TV onde tivemos
oportunidade de firmar nossa amizade.” (...) “Para mim, Augusto virou um anjo,
uma estrela.”
“Augusto Cesar
foi um pedaço de céu que caiu na terra. No meio artístico poucos souberam (ou
conseguiram) ter sua grandeza e bondade. Sua competência e humildade, seu
talento e seu coração magnânimo.” Este trecho é de um texto de Chico Anísio. Na
palavra de Agildo Ribeiro, “a figura extra notável” do amigo de dezenas de anos
gerou um pensamento que sempre acompanha o aplaudido comediante: “Eu convivia
com um santo e não sabia”. Dercy Gonçalves, considerava “fácil trabalhar com o
querido Vanucci, um cara iluminado e cheio de talento.” Por ela amado,
“principalmente por entender minhas broncas”.
Se o espaço
comportasse, poderia alongar ainda mais os registros trazidos sobre Augusto
Cesar, dentro desta mesma linha de apreço e reconhecimento profissional, por
outras personalidades de relevo nas áreas cultural e espiritual da vida
brasileira. Entre outros, Roberto Carlos, Roberto Marinho, João Jorge Saad,
Aloyzio Legey, Guio Moraes, Paulo Figueiredo, Mário Lúcio Vaz, Chico Xavier,
Divaldo Franco.
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