Os rios correm para o mar
Cesar Vanucci
"A boa política global não requer um mundo uninacional. Tudo o que
necessita é de cooperação informal para um objetivo comum de expansão"
(Paul Samuelson, Nobel de
Economia)
O culto aos valores da nacionalidade está para o sentimento universal
como as águas do rio estão para as águas do mar. Uma questão de convergência.
Chega-se assim ao que é chamado de sentimento de mundo. As presumíveis
contradições se desfazem diante do reconhecimento de que o sentimento nacional
e o sentimento de mundo não são realidades divergentes e estanques, mas
componentes indispensáveis de uma mesma e vital realidade.
Não se chega ao sentimento de mundo com a adoção de estereótipos
culturais, de clones culturais. As pessoas, nos diferentes lugares, não
vivenciam esse sentimento de forma rigorosamente idêntica. A universalização
cultural passa forçosamente pelas diferenciações culturais básicas, intrínsecas
ao espírito nacional dominante nas diferentes regiões. Essas diferenciações dão
colorido, identidade e substância ao conjunto. Asseguram sentido ecumênico às
manifestações da alma humana. Nas diversidades de procedimentos, ou na forma
peculiar de cada agrupamento humano exprimir suas vivências, projeta-se a imensurável
riqueza do humanismo universal.
Há quem pense, laborando num tremendo dum equívoco, que exprimir apreço
pelos valores universais significa desdenhar os valores nacionais. E
vice-versa. Nada disso. A cultura universal, visão planetária do mundo, pessoas
e coisas, é o somatório do que de melhor existe nas culturas regionais. A
multiplicidade de idiomas e de costumes não agride a consciência universal. Ao
contrário, a fortalece.
Na liturgia religiosa temos amostra significativa de como pode a unidade
de culto universal, sem desfiguração de sua substância e conteúdo, absorver
valores típicos das culturas religiosas regionais. A liturgia é uma só. Mas
incorpora, aqui e ali, nas manifestações exteriores, símbolos sonoros e visuais
tradicionais e peculiares a cada região.
Falamos dessas coisas para explicar que a defesa intransigente dos
valores culturais da nacionalidade é expressão humanística vigorosa. Nada tem a
ver com xenofobia, que significa atraso espiritual. Exemplificando: reagir à
invasão de vocábulos estrangeiros no papo coloquial, invasão essa nascida
reconhecidamente de modismos que bebem inspirações na babaquice e
pernosticismo, é uma saudável postura nacionalista. Algo muito diferente,
visceralmente antagônico, daqueles procedimentos próprios da fanatice
tribal, chamemo-la assim, que domina, para apontar outro exemplo, certas
regiões do mundo onde a sucessão de selvagerias, praticadas em nome de
“valores” étnicos, envergonha o genuíno nacionalismo e avilta a condição
humana.
O sentimento de mundo não é alvejado quando o espírito nacional convoca
as pessoas a refletirem sobre as propostas de globalização econômica. Essas
propostas vêm sendo embutidas em pseudo fórmulas liberais. Apregoadas pelos
interessados de sempre na manipulação dos cordéis econômicos, nada mais
representam que receitas sutis, conquanto perversas, de sujeição das economias
regionais vulneráveis às economias dotadas de maior poder de fogo. Ou seja, uma
versão renovada e cruel de milenares hegemonias política e econômica.
Na base do “faça o que eu digo e não o que eu faço”, os países
dominadores traçam para os demais os rumos da abertura escancarada dos portos,
da retirada sem compensações e sem reciprocidades do protecionismo
alfandegário, por aí. Há quem se disponha, desprevenidamente, a embarcar no
“titanic” da sedutora proposta marqueteira de globalização. Podem se
surpreender, em meio à viagem, em mar alto, sem boias e sem escaleres. Estarão
assistindo, então, impotentes, ao desmantelamento de suas estruturas produtivas,
e colhendo os frutos amargos dessa situação: o desemprego, a concentração ainda
maior da riqueza e o empobrecimento coletivo. O tema rende reflexões a perder
de vista.
E
por falar em
“feedback” e “brunch”
Cesar Vanucci
“É
preciso reaprender a lição: Brasil se escreve com “S”.”
(Antônio
Luiz da Costa, professor).
Os indulgentes leitores destas maltraçadas sempre
receberam com simpatia, compreensão e reconfortante apoio, as manifestações de
nosso inconformismo face à despudorada ofensiva, patrocinada pela babaquice
reinante, dos indigestos vocábulos estrangeiros que infestam a cena cotidiana
brasileira. Boa parte dos casos aportados na série de comentários sobre a
epidemia de estrangeirice abobalhada que nos assola nascem de contribuição por
eles trazida. É o caso dos relatos vindos a seguir.
Naquela cidade interiorana, festejou-se com invulgar
entusiasmo a contratação, pelo clube local, de experiente técnico de futebol,
cujo currículo anotava passagens por agremiações no exterior. O clima de
euforia na recepção ao treineiro foi demais: rojões, faixas, banda de música,
comes e bebes. Mais bebes do que comes. Na hora dos discursos, a badalação, por
essa óbvia razão, ficou fora de controle. O recém-chegado foi comparado ao
padroeiro do lugar. O presidente, o cronista, até o pároco, revirando pelo
avesso a paixão clubística, crivaram o técnico de todas as louvações
disponíveis no estoque.
Abra-se parêntese (para lembrar que toda essa
empolgação não impediu, poucos meses depois, acumulados três insucessos
sucessivos do clube nos gramados, no cumprimento da inapelável sina da
categoria, fosse o mesmo convidado, sem cerimônia nenhuma, a tirar o time). Voltemos
à recepção. Embargado pela forte emoção, como registrou o técnico deitou
falação caprichada. Tascou frases em portunhol, deixou cair outras num inglês
“moroless”, escandindo as sílabas a cada vez que pronunciava coisas do tipo
‘full time’, “feeling”, “inside”, “feedback”. Esta última expressão, por sinal,
foi por ele utilizada dezenove vezes. Na ovação que se seguiu, pipocou na plateia
o comentário de um personagem especial, coronelão respeitado, conselheiro e
benemérito do clube: “- Tou pondo fé nesse caboclo. É douto. Diz uns troços
bacana. Só discordo num ponto. Lançar o Fio de beque não é uma boa
ainda. Fio é menino que promete, mas ainda num tem a tarimba recomendada
...”.
Outra historieta. O deputado mandou convite ao cabo
eleitoral do interior. Um coronel detentor de votos decisivos em território
conservado, anos a fio, sob férreo comando. Um homem de impulsos fortes,
amizades e inimizades definitivas. O convite, para uma série de eventos
festivos na capital, tocou fundo a emoção do convidado. Junto com o impresso -
“cheio de nove horas”, na classificação do coronel -, chegou uma carta de
próprio punho do deputado. “Isso num é coisa para deixar de comparecer.
Só se for pra mandar no lugar atestado de óbito”, comentou o ilustre convidado.
Uma coisa, no entanto, deixou o coronel intrigado, espalhando caraminholas pela
sua cuca. “O convite tá bem ajeitado. O que não tá dando pra entender direito é
o tal de “brunch”, pensou, sem dizer nada a ninguém. Jamais lera ou ouvira
antes a expressão. Mas não se deu por achado em sua cortante curiosidade. Quem
comanda gente - o coronel é dos que acreditam piamente nisso - tem que aprender
a só fazer perguntas medidas e pesadas e a dar respostas certas para os outros.
Ficou aguardando com paciência a hora de descobrir o que era esse tal negócio
de “brunch”. Danou a acumular besteira na cachola. Em telefonema ao deputado,
rodeou o toco o quanto pôde, com colocações de somenos, até poder sapecar a
pergunta: “- E o tal brunche, tá nos conformes?”. O interlocutor, sem
morar, obviamente, na aflição do coronel, garantiu: “- Está tudo muito bem
estruturado. Vai ser um “brunch” e tanto!”. O coronel, não suportando o sufoco,
retomou: “- Me explica aí, compadre. Vosmicê arranjou o tanto suficiente de muié-dama
para o brunche, ou carece d’eu ter que arranjá umas raparigas daqui?
...”.
Ora, veja, pois!...
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