Cesar Vanucci
“A guerra que estamos declarando contra o banditismo
no Brasil será, sim, um fator determinante nas próximas eleições.”
(Ministro Carlos Marun, anunciando a candidatura Temer
à reeleição)
Já está visto que o Rio de Janeiro foi largado à
matroca por atordoante inépcia da administração pública. O (des)governo local
rendeu-se, de bom tempo a esta parte, a um tentacular esquema de banditismo
organizado. As operações mafiosas, processadas em múltiplos escalões, disseminaram-se
pelas mais diversificadas áreas, lesando implacavelmente o erário e o interesse
social. O descalabro chegou a tal ponto que a intervenção federal, decretada na
esfera da Segurança, acabou sendo aplaudida por parte expressiva da sociedade.
Sem embargo dessa reação, compreensível – como já dito
– à luz da indignação e canseira da comunidade face aos problemas e impasses
cruciais ocasionados pela avalancha dos desatinos, numerosas e respeitáveis
vozes se ergueram em contraposição à decisão do governo central. Não há duvidar
sejam, por força dos argumentos alinhavados, vozes realmente representativas de
lúcidas camadas do sentimento nacional.
De acordo com os questionamentos vindos a lume, a
intervenção na Segurança carioca foi estabanada. Destituída de planejamento
criterioso. Brotou do improviso, engendrada dentro de contexto com
indisfarçáveis sinais de vulgar populismo. Sua implicação com arrematado
oportunismo eleitoreiro é bastante pronunciada. Nem bem o anúncio da
intervenção conseguia alcançar integralmente o domínio público e já solícitos
porta-vozes do Jaburu se aprestavam a trombetear, triunfalmente, certos
objetivos penumbrosos da manobra articulada em Palácio. Deixaram explícito, sem
titubeios, nem tênue resquício de pudor, que após a intervenção, o ínclito
Presidente Michel Temer seria forçosamente compelido a dizer desprendidamente
ao povo brasileiro que, para o bem geral da Nação, “eu fico”... Noutras
palavras, a nos valermos de emblemáticas declarações do Ministro Carlos Marun,
titular da Secretaria de Governo, integrante destacado da chamada “tropa de
choque” do célebre deputado Eduardo Cunha, “depois do que aconteceu na Câmara
(aprovação do decreto de intervenção), faz-se necessária e indispensável a
candidatura do Presidente Michel Temer na próxima eleição.”
Em entrevista à “Veja”, o Ministro acentuou que “o
governo é medido pelo êxito de suas ações”. Com a boquirrotice que lhe é
peculiar, garantiu que o sucesso “dessa guerra que estamos declarando contra o
banditismo no Brasil será, sim, um fator determinante nas próximas eleições”. E
que, à conta de tão irrefutáveis elementos de convicção, se tornará imperioso o
lançamento do honrado nome do supremo mandatário à reeleição. Isso mesmo, gente
boa...
Esses propósitos inesperados, repentinos, nascidos de
cavilosas articulações e de manjado casuísmo, são de molde a convocar a atenção
da opinião pública para certas facetas frisantes do comportamento
governamental. Recordam, antes de mais nada, que o índice de popularidade de
Temer anda tropegamente ao rés do chão.
É, com flamejante certeza, o mais baixo de todo o período pós-redemocratização.
Por óbvias razões.
Ao assumir, após a queda de Dilma, entre outras
enfáticas promessas, Temer assegurou que acabaria com a corrupção, estancaria o
desemprego, retomaria o desenvolvimento econômico. A redução dos juros
extorsivos impostos à cadeia produtiva constituía ponto de honra. O País iria
contar, finalmente, com um “ministério só de notáveis”. O número de pastas
ministeriais seria reduzido. O jogo do “toma lá dá cá” no relacionamento
político partidário e com o Parlamento seria página virada na história. Os
brasileiros não mais se constrangeriam com as notas de classificação atribuídas
ao País pelas fajutas agências de risco. Deixo para o leitor a tarefa de
conferir o rosário de promessas alardeadas.
Temer enveredou-se, dado instante, pela seara das
“reformas”. Trancou-se, onipotente, num monólogo reformista que não produziu
nenhum resultado concreto. Escusou-se ao diálogo amplo, geral e irrestrito na
magna questão da Previdência Social. Deixou evidenciado, nesse capítulo tão
importante, o desinteresse oficial em torno da discussão dos verdadeiros
privilégios existentes na atualidade brasileira, representados pelos variados
sistemas de remuneração e aposentadoria reservados às castas do marajanato
tecnocrático e burocrático. Lançou tímidas ideias de alguma reforma, com o
intuito de não fazer reforma alguma. Silêncio de tumba etrusca baixou
subitamente sobre as “urgentes reformas”.
Encurtando razões. Todo mundo, em sã consciência,
aprecie ou não o jeito de atuar de Michel Temer, almeja a esta altura do
campeonato que a empreitada programada para as plagas guanabarinas logre êxito
total. Mas não há como descartar de todo a indesejável hipótese de que ela, a
controvertida intervenção, levando-se em conta os cumulativos fatores adversos
amiúde detectados na gestão dos negócios afetos ao alto comando governamental,
possa produzir dorida frustração na expectativa popular.
Eis aqui um cara sortudo
Cesar Vanucci
"Todos os participantes foram selecionados pelo sistema de
computador."
(Mensagem relativa a "premiações" anunciadas via Internet)
Eu estaria feito na vida
se, nas inocentes apostas que arrisco em dias de mega sena acumulada, fosse
"favorecido" pela mesma "estrondosa sorte" com que tenho
sido, insistentemente, "cumulado", via Internet, nas horas em que me
animo a ligar o computador para recolhimento de mensagens. Almas generosas,
compadecidas seguramente do hercúleo esforço cotidiano exigido deste pobre
escriba na luta pela sobrevivência, entendem de "aquinhoar-me", volta
e meia - só nos últimos tempos somaram uma dezena -, com "premiações
espontâneas", de valores variáveis. Manjem só: de 750 mil dólares a 50
milhões de euros.
Segundo os prestativos
porta-vozes das "beneméritas" organizações alienígenas, todas de
denominação pomposa, que invadem o meu refúgio eletrônico com "tentadoras
ofertas", o neto predileto de vó Carlota é alguém, entre 50 afortunados
viventes do orbe terráqueo inteiro, "selecionado" para por a mão em
substanciosa bufunfa instituída como "prêmio" de incentivo a
"usuários da Internet e para promover mercadorias utilizadas no
processamento de informações eletrônicas." Dá até pra assimilar a sedutora
ideia de que eis aqui um cara verdadeiramente sortudo...
Essa inesperada avalancha
de "acertos lotéricos", que levou em conta, como se faz ver nos
recados eletrônicos, merecimentos do "beneficiário" que a modéstia
prudentemente aconselha sejam por ora silenciados, irrompe de procedência a
mais variada. As "boas novas" chegam dos "States",
Escandinávia e Espanha. Ao deparar-me com a primeira delas senti percorrer-me o
corpo um inebriante frêmito. Uma sensação, por certo, bastante parecida com a
euforia que se apoderou da cândida alma daquele parlamentar – lembram-se do
episódio de anos atrás? - integrante do luzidio time dos “anões do orçamento”,
ao acertar na mosca, em sucessivos sorteios lotéricos, dezenas de prêmios
vultosos com os quais conseguiu construir, honradamente, sólido patrimônio
pessoal...
Meu "entusiasmo"
diante da "premiação" é de tal monta que não consigo, jeito maneira,
segurar comigo, contrariando desastradamente recomendação expressa das
mensagens, compartilhando-a aqui com meus apoucados leitores, "sugestiva
revelação". Ei-la: “o resultado da Euro Millions Lottery Winners
Internacional" nasceu da "auspiciosa" circunstância de meu
endereço eletrônico, sabe-se lá por que cargas d'água, ter sido "anexado
ao ticket de número 653-908-321-675, da série principal de número
345-790-241-671", o que – alvíssaras! – "coincidiu com os números
34-32-90-43-32", seja lá o que essa algaravia de algarismos possa
representar...
Numa das correspondências
alusivas às "premiações espontâneas" aportadas em meu endereço
virtual é "esclarecido" que "os participantes foram selecionados
pelo sistema de computador a partir de mais de cem mil companhias e 50 milhões
de e-mails individuais e nomes em todo o mundo." Nisso aí, como em tudo na
vida, existem certas pessoas mais felizardas que outras. Um amigo faz questão
de ressaltar o fato. Individuo temente a dogmas religiosos, confessa-se em
desconforto por ter sido acometido de “santa inveja” – ora, veja, pois! - com
relação a minha humilde figura. Enquanto o degas aqui, tímido navegante nos
imperscrutáveis domínios da mídia eletrônica, dá provas, segundo diz ele, de
ter aquela parte do corpo totalmente virada pra lua, já que "premiado"
uma dezena de vezes, ele, pobre coitado, desoladoramente, não consegue ainda
sequer um “premiozinho de consolação”. E isso a despeito de sua frenética
movimentação por tudo quanto é vereda aberta aos irrecuperáveis viciados em
internautica.
Sobre as mensagens cabe
mais registro: deu pra ver estarem redigidas num inglês razoável. Pelo menos,
de melhor nível do que o habitual e impropriamente utilizado, nestas nossas
bandas, numa mescla de boiolice e panaquice, por lojas grã-finas que resolvem
utilizar vocábulos estrangeiros pra anúncio de liquidações de araque.
Por último, tomo a
liberdade de, singelamente, sugerir a quem esteja lendo estas maltraçadas e
seja fissurado em numerologia anotar os algarismos reunidos linhas atrás.
Talvez é uma boa convertê-los em palpite pra fezinha numa dessas
centenas de modalidades de apostas, institucionalizadas ou não, que pululam por
aí afora, neste nosso país. Um país onde, como sabido, o jogo é atividade
severamente proibida, de acordo com versão oficial referendada pela hipocrisia
social.
CÂNIONização
Maria Inês Chaves de Andrade * |
CÂNIONização
O olhar se
precipita sobre o nada e se abisma com tudo o que vê. Pálpebras de pedra
maquiadas de luz nem piscam para que um homem veja o que um homem viu pela
greta do tempo e gruta. A íris é a do arco, menino dos olhos de Deus e flecha
focada no deslumbramento. Pupila dos olhos é aprendiz do belo. O olhar se
extasia e estático guarda o instante no instantâneo. A inércia faz pose para
que se revele, entre um mar havido e um deserto ávido, o escândalo do
movimento. Sentimento de sedimento é isto, consciência do pó de quem veio para
onde outro ao pó retornará.
Ainda há
cúmulos do absurdo e acúmulos do ridículo que bradam mais graves do que o
firmamento, tão aguda seja a dor que raia no horizonte e lanceta a face do
tempo. Arroxeia o espaço com a luxação da fé sob luxo e luxúria, enquanto
enruga o semblante do dia. Os pensamentos estão nebulosos. Mas, a bênção está
mesmo ali. Um homem que captura do tempo o segundo e o relâmpago sabe,
sensivelmente, como a existência é tempestuosa. Tudo o mais é só foto, não fosse
possível aqui escutar o mesmo trovão que nos redemoinha os ouvidos, labirintos
sob orelhas do que me livro.
Bem ali, o
cogumelo atômico que mereceu do tempo a erosão constrange nosso esquecimento: a
escultura cônica no cânion deserto a nos lembrar do que tanto desertificamos
como desertamos em nós. Então, todas as lágrimas vêm empoçar-se para escancarar
o sofrimento humano, senão represado, movediço, em torno desta pedra no meio de
nenhum caminho nesse vasto mundo. Escoa do que ecoa e me calará sempre fundo
para que possa dizer. Deus bordeja de céu, tudo, em moldura azul de arte, esta
de artista e arteiro, sensivelmente levado a acreditar na humanidade dos
homens. Imagem e semelhança divinizam-se para que a essência humana rescenda no
areal laranja, sumo pontificante da sensibilidade que explode num diapositivo
enquanto num dia positivo um marchand de obras do tempo se dá, simplesmente, a
fotografar.
Um lagarto
cinzento, às sombras incidentais, acidentalmente, encontra o escorpião que
caminha as cinzas da fênix renascente, enquanto esgueira-se um cacto pelo vigor
do atrevimento. A aridez tem sua suculência sob espinhos e abutres. Este é o
caso de todo ocaso. A noite vai caindo, assim, simplesmente complexa sobre
complexos, aproximando Freud e Froid para, numa psicanálise rapper, concluir,
astronômica e astrologicamente, pelo absurdo das constelações. A orientação
desorientada mapeia, no céu, bússolas, tanta lógica há no desconhecido, o que
digo com meu próprio astrolábio de batom.
Doutro lado
mesmo, esnoba a estrela polar sua têmpera, tanta temperatura nunca experimente.
O fato é
que, no deserto, toda estrela é bipolar.
E apesar do
que há a pesar, remanesce o cânion ali para que o universo declame-se,
divinizando o soneto da eternidade, onde a rima arrima no infinito a História
que tanto rui como se soergue sob escombros. Cânion é poesia concreta em pura
abstração, densidade efêmera sedimentada à ampulheta de Deus. Pois, que tudo
lhe seja fiel enquanto dure, agora e para sempre, amém.
* Escritora, membro da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais - Amulmig
Um comentário:
Não só no deserto, decerto...
Surpreendido e rendido pelo texto, tão bem tecido.
bj
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