Crimes da mala
Cesar Vanucci
“O que não falta, hoje, na
vida pública, é mala sem alça...”
(Comentário de uma senhora na fila do banco)
A desnorteante
história do ex-deputado e ex-assessor especial da Presidência da República
indiciado por haver sido pilhado com a mão na cumbuca conduzindo mala, não se
sabe bem com ou sem alça, contendo bufunfa de origem identificada e de destino
sabido, levou este desajeitado escriba a vasculhar, outra vez, guardados do
baú, trazendo a furo versões antigas daquilo que era, então, conhecido no
jargão dos periódicos como “crime da mala”. O comentário reprisado na sequência
saiu publicado há um tempão, conservando – dá pra ver – frescor de atualidade.
Nos tempos em que o Dodô
jogava no Andaraí e o lendário Cafunga operava prodígios no gol do Atlético, as
ruas de nossas cidades não ofereciam, nem de leve, sinais da habitual
turbulência dos dias de agora. A despreocupação das pessoas, haurida na trivial
amenidade dos relacionamentos, chegava a tal ponto que as famílias
convencionavam largar a chave da porta da casa sob o tapete, ou no parapeito da
janela, ou em meio às folhagens do vaso do alpendre, de maneira a favorecer
notívagos retardatários. Acontecia, muitas vezes, até das portas da rua
“dormirem destrancadas”, como se costumava, então, dizer. E, via de regra, sem consequências
pessoais ou patrimoniais a deplorar.
Provêm de época assim os
primeiros registros, de que se guarda lembrança, dos célebres “crimes da mala”.
As características e conotações das transgressões penais catalogadas nessa
denominação eram outras. Bastante diferenciadas das ilicitudes praticadas hoje
sob o mesmo rótulo. Além do mais, conquanto impactantes, eram raras. Todas as
vezes que as páginas policiais, em tom sensacionalista, colocavam o distinto
público leitor a par da ocorrência de um “crime da mala”, tinha-se como certo
que uma tragédia com muito sangue derramado, de natureza passional ou motivada
por sórdida vingança, começara a ser investigada, ou acabara de ser desvendada.
Muitas dessas ocorrências, no geral envoltas em denso e intrigante mistério,
perpetradas com requintes de crueldade – já que as malas encerravam despojos de
vítimas esquartejadas – exigiam de experientes detetives trepidantes ações, no
melhor estilo sherloqueano. Repórteres argutos eram postos a acompanhar, pari
passu, os acontecimentos. Mantinham a opinião pública, como se faz nos
folhetins de novela, devidamente informada de todos os capítulos das
diligências policiais concentradas na elucidação da história. No final, os
impiedosos autores das cruéis matanças acabavam sendo sempre descobertos,
pagando no xilindró pelo “crime da mala”.
O “crime da mala” tomou configuração
nova nos tempos atuais. O conteúdo da mala não é mais aquele dos tempos de
antanho, partes anatômicas de inocentes, vítimas de violência originada de ódio
irracional ou mórbidas paixões. Mas, de qualquer maneira, face à contundência
das revelações nauseantes da crônica política recente, não deixa de
representar, simbolicamente, um registro de que, nalgum lugar, nalgum instante
fatídico, por conta de ações irresponsáveis, procedeu-se ao esquartejamento dos
melhores sonhos e das heroicas esperanças de muita gente. Gente, no caso, boa,
generosa, ordeira, crédula, que vive, por um lado, apostando confiante, o tempo
todo, na vocação de grandeza do país. Gente que, por outro lado, apoderada de
inconformismo e indignação, tem sido alvejada com constância, em seus direitos
de cidadania, por manobras desastrosas de uma minoria despreparada e inidônea,
alçada inadvertidamente, nas atividades públicas e privadas, a funções com
relevante poder de decisão.
Os pacotes de cédulas encontrados
nas malas ou pendurados em cuecas, a nos valermos das constatações vindas a
lume, foram montados com doações generosas de fontes estatais e privadas, como
“corretagem” de operações clandestinas, ou ainda como fruto de
superfaturamentos. Destinam-se a engordar contas particulares, ou a financiar o
caixa dois eleitoral, abominado por todo mundo, mas praticado intensamente,
como todos estão carecas de saber, por um pessoal que jura abominá-lo. Esses
pacotes remetem a mazelas que a opinião pública almeja ver extirpadas pra
sempre da vida nacional. Essas mazelas atendem pelos nomes de corrupção,
suborno, chantagem, extorsão, hipocrisia e rótulos outros, de odor fétido
equivalente.
Machucam pacas!
Falemos, agora,
do turismo doméstico
Cesar Vanucci
“Turista – Pessoa que viaja por diversão
ou recreio dentro ou fora do
país.”
(Dicionário do Aurélio)
Retomamos a temática
turística, reproduzindo outro texto, de muitos anos atrás, que conserva ainda, como
se verá, frescor de atualidade.
A decantada paisagem
brasileira, incomparável sob variados aspectos na avaliação de gente do ramo
turístico, permanece ausente dos roteiros mais frequentados pelos interessados
no desfrute das emoções que as viagens a recantos especiais do globo têm o
condão de proporcionar. Para que se tenha uma ideia do que ocorre é bom anotar
esta revelação, não sei se agregada aos relatos insólitos do saudoso Jack
Palance no “Acredite se quiser”: o volume de turistas estrangeiros que, todos
os anos, toma o rumo do Uruguai é superior ao que demanda o território
brasileiro. O registro se aplica a outras dezenas de países. Haverá quem consiga
compreender coisa assim?
Mas os problemas
relacionados com o inadequado aproveitamento das nossas potencialidades não
ficam circunscritos a esse inacreditável desvio de rota do turismo
internacional, fruto de desconhecimento de causa dos estrangeiros e de confessa
incompetência brasileira na colocação lá fora dos esplêndidos produtos que o país
oferece nesse particular. Nossa incapacidade para produzir resultados
satisfatórios está exuberantemente evidenciada no insuficiente fluxo do turismo
doméstico.
O brasileiro não sabe
aproveitar quase nada das dádivas da Natureza que lhe são próximas. É mais
receptivo a um apelo pra visitar Aruba do que a um convite para percorrer as
miríades de praias, cheias de encantos, que se espicham pelas nossas franjas
litorâneas. É capaz de atravessar meio mundo, pagando antecipadamente pelo
passeio, para visitar o litoral escandinavo, e descobrir, atônito, que as
nesgas de areia e os penhascos acinzentados onde a lourice dinamarquesa ou
sueca se bronzeia não resistem a qualquer confronto nem mesmo com as praias das
bordas do São Francisco.
Estão faltando ações
inteligentes, criativas, que saibam mostrar o Brasil, sobretudo, aos
brasileiros. Nossa população representa clientela colossal. Equiparável, em
número, aos habitantes reunidos do México, Canadá e países da América Central.
Criar condições para que ela possa se deslocar, em programas de lazer, dentro
das próprias fronteiras, é tão ou mais importante até do que incluir os
atrativos turísticos existentes nas rotas regulares das operadoras mundiais de
turismo.
E é seguramente mais fácil.
Pena que não seja mais barato. Aí, justamente, é que a porca torce o rabo, como
se dizia em tempos antigos. Os preços praticados no Brasil para se fazer
turismo doméstico são de arrepiar. Não adianta nosso céu ter mais estrelas,
nossas praias mais dunas e mais ondas, nossas grutas mais imponência, nosso
verão mais luminosidade, nossas matas mais verdor e cascatas, nossas águas
termais mais poderes medicinais, nada disso adianta se os custos de dormida,
alimentação e deslocamentos aéreos se colocam acima dos padrões internacionais.
O espírito irreverente das ruas captou toda a incongruência da situação quando
pôs pra circular aquela piada de que o turista brasileiro de menores recursos
costuma visitar Miami, o de classe média viaja pra Europa e o de classe
abastada sai de férias para o nordeste. Os números dos pacotes de viagem
conferem visos de verdade a essa historieta. Folheando edições de jornais
estrangeiros e brasileiros deparamo-nos com realidades surpreendentes. Um final
de semana de três dias num hotel de nível superior em Nova Iorque, Roma ou
Londres, compreendendo voo, traslados, pernoites, é ofertado por menos de
quinhentos dólares. Será que com o mesmo dinheiro no bolso alguém conseguirá
passar o fim de semana, nos conformes turísticos, no Rio de Janeiro? Os preços
dos hotéis, da alimentação, das companhias aéreas, deixam longe os valores
cobrados em países que aprenderam a fazer do turismo um bom negócio na obtenção
de divisas.
Recentemente, um conhecido
resolveu alterar a rota prevista em seu bilhete aéreo, de Helsinque a São
Paulo, acrescentando paradas em Estocolmo e Oslo. Pagou pela mudança exatamente
21 (vinte e um) dólares. Duas semanas depois, precisou ir ao Triângulo Mineiro.
Preço da passagem: quase quinhentos dólares.
Não é mole dormir com um
ronco de motor desses.
MARIELLE
FRANCO EMUDECEU...? NÃO !
Prezado
jornalista Cesar Vanucci, Sentirei imensas saudades dessa coluna quando não puder
vê-la mais. Verdades verdadeiras são narradas com saber e com extrema
fidelidade e qualidade literata, os acontecimentos do dia a dia. Lembrei-me do
grande Vanucci, seu irmão, caso estivesse, aliás, como ainda está pairando
no fascinante Rio de Janeiro a observar, lamentando, as mazelas locais, tanto
na política quanto na violência. Em sua homenagem, a ele a você, transmito a
minha indignação contra a violenta e recente morte de dois cariocas.
Num carro, Marielle Franco emudeceu, / Junto
com ela seu motorista, Logo após, dar uma entrevista ! / Naquele triste
dia, senti um tranco, / Que abalou meu coração! / abala, / abala, / abala, / abala
/ abala / abala / abala / abala / abala / Abalaram os corações de
todos nós, / Será mesmo que Marielle ficou sem voz ? / Não ! / Milhões
de balas não fariam Marielle calar! / O corpo, sim, desaparece, mas, a
voz fica a ecoar /
Porque o espírito ninguém pode matar! / Mas, afinal
o que representava ela? / s fracos e os oprimidos da favela! / Só? / Não!
/ No Rio, representava seus eleitores / E seus incontáveis admiradores; / Defensora
Incansável e destemida / Daqueles de menos sorte na vida, / Da LGBT, do
afro-brasileiros, artistas, / Só não defendia bandidos e terroristas! /
Indaga o povo, - quem matou a ativista? / Milicianos,
corruptos e os violentos? Xi... cuidado tiroteio, mais tiroteio! / Virgem
santa, bala perdida, de onde veio? / Alerta geral! / Passou raspando, mais
um caiu no chão. / Tiro certeiro bem no coração. / Mais uma bala
perdida / E tomba no solo mais uma inocente vida! / Ninguém sabe de onde
veio! / Ninguém sabe, de onde o tiro partiu / Ninguém viu. / Nem o Governo
Federal! / Apelaremos, então, para quem, neste Brasil! / Para um ente
sobrenatural? / Não! / Para o nosso Deus Celestial! / AMÉM.
De Nova Lima, para BH, / Para o Vanucci advogado.
/ Do Wenceslau, indignado. / Contra a hipocrisia nacional.//
P.S.:
Coincidência ou não, abri o jornal, que recebi neste instante, o Diário do
Comércio abrindo imediatamente na segunda página, como sempre faço, e li
atentamente a “Que versos mais lindos!” Li rapidamente e admirei essa maravilhosa
crônica. Gervásio Horta, grande compositor destas Minas Gerais havia me falado
e não prestei a devida atenção, que a melhor poesia e composição, para ele, era de
Orestes Barbosa e Silvio Caldas. Ficava em dúvidas mas, agora, lendo sua
crônica tenho convicção de que é a melhor, mesmo. É claro, sem desmerecer as
outras.”
* wenceslau@sachacalmon.com.br
* wenceslau@sachacalmon.com.br
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