A beleza feminina
e as passarelas
Cesar Vanucci
“O seu balançado é mais que um poema...”
(Vinicius de Moraes e Tom Jobim, em “Garota de Ipanema”)
Nada como o modismo
inconsequente para gerar reações descontroladas, até mesmo mórbidas. Os caras
que inventaram, soberanamente, um padrão estético específico, imutável, para as
passarelas, além de produzirem, como é sabido, estragos consideráveis com sua
aprontação, deixaram à mostra, de modo irretorquível, não estarem com nada num
tema que, esbanjando embriagadora autossuficiência, supõem dominar. Entendem
bulhufas de beleza. Bulhufas de mulher. De gosto masculino.
Ao apontarem, mal
comparando, a tábua de passar roupa como símbolo a ser obstinadamente
perseguido no aperfeiçoamento das graciosas formas femininas, concorreram para
que despontassem em numerosos desfiles de moda frisantes exemplos de
contrafação da beleza. Réplicas caricaturais da beleza autêntica, cultuada na
preferência universal das ruas. Incutiram, inadvertidamente, no espírito
desavisado de algumas moçoilas incautas, ávidas pela fama instantânea,
concepções distorcidas, grotescas mesmo às vezes, do que seja a formosura
feminina.
E de que tipo de beleza se
está mesmo a falar aqui? Ofereço como resposta uma referência estética extraída
do “Livro dos Cantares”. Em forma de louvação à mulher, o texto abre um leque
de opções na busca da versão que melhor se ajuste aos conceitos de beleza
aceitos pelas pessoas. “A mulher bonita é uma graça. Espanta melancolias e
consola mágoas de amor”. A gente ouve a lírica definição e sabe precisamente do
que se trata.
Igualzinho acontece, aliás,
quando retiramos dos versos de Vinicius, imortalizados na melodia em parceria
com Tom Jobim, que conquistou as plateias do mundo, essa outra primorosa
definição: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela a menina, que
vem e que passa, em seu doce balanço, a caminho do mar.”
Confrontemos a imagem
projetada na arrebatadora criação musical – onde se fala de um gingado de corpo
“que é mais que um poema” e que deixa um rastro de encantamento - com aqueles
desfiles desengonçados, mostrados com certa constância na telinha em
lançamentos de modas de vestuário. Roubando a espontaneidade e faceirice das
moças, despojando-as de sua graciosidade natural, transformando-as de quando em
quando em versões robôs, para que possam cumprir satisfatoriamente burocrática
missão profissional, em muitas passarelas costuma-se vender ao respeitável ao
público, junto com trajes bolados por figurinistas famosos, uma noção falsa, enganosa,
de beleza feminina. Os traços faciais harmoniosos de várias modelos são
substituídos por toques crispados nos semblantes à hora da caminhada pela
passarela. Uma caminhada que, em não poucos momentos, se converte num trote
feioso, de musculaturas enrijecidas, ao gosto duvidoso das “recomendações
técnicas” provindas dos bastidores. Por trás de toda uma encenação burlesca,
fora de compasso, existem ainda, trazendo notórios riscos à saúde das
desprevenidas jovens, os aconselhamentos imprudentes em favor do culto
desvairado à magreza exacerbada. Quanto menos peso, melhor. Quanto menor a
massa corporal, tanto maior a chance de se chegar ao almejado estrelato.
Esse modismo amalucado, de
enaltecimento à magrelice, pode provocar danos irreparáveis. Aqui e alhures.
Tanto isso é verdade que, de forma pra meu gosto tímida, nalguns círculos da
moda sofisticada há quem já esboce reações contra os abusos praticados. Abusos
esses estimulados ou, quando pouco, tolerados por setores, como dito
anteriormente, totalmente desinformados do conceito que se tem, nas ruas, da
autêntica beleza feminina. O padrão de beleza verdadeiro não dispensa, na
configuração corporal da mulher, aqui e ali, uma ou duas polegadas a mais, um
certo arredondamento generoso de formas, um manejo de corpo que desabroche num
requebrado de alegrar a vista. Em suma, uma forma garbosa de movimento que
deixa pendurada no ar a sensação deleitosa de que quando ela, mulher bonita, em
seu meigo gingado, se põe a caminhar, ela mais parece, na verdade, executar
mavioso passo de dança.
Sinto muito, muito mesmo!
Cesar Vanucci
“As criaturas estão no caminho entre o Nada e o Tudo.
Encontram o que
está acima de todos (...) pela via da oração.”
(Alceu Amoroso Lima)
Ouvi a oração, um bocado de
tempo atrás, numa representação teatral. Anotei na memória velha de guerra as
ideias básicas contidas no sugestivo recitativo. Resolvi aqui reproduzi-lo. Não
tenho dúvida quanto à fidelidade aos conceitos. Mas, não consigo garantir o mesmo
quanto à qualidade da reprodução. Peço a todos, por isso, que levem em conta a
(boa) intenção.
Estou falando de uma
mensagem havaiana de cunho religioso. Lembra a arrebatante Oração de Francisco
de Assis, na parte em que exorta as pessoas ao exercício do perdão. Perdão
concebido, numa e noutra prece – claro está - dentro da perspectiva da
humildade, “base e fundamento de todas as virtudes”, sem a qual “não há nenhuma
virtude que o seja”, como atesta Cervantes.
Por atravessarmos época pra
lá de conturbada, carregada de tensões oriundas do ódio, intolerância,
injustiça social, propicias por tudo
isso a reflexões acerca do sentido da aventura humana, considerei de
oportunidade compartilhar essa oração com os amáveis leitores.
O texto que dei conta de rememorar
diz (mais ou menos) o que vem alinhado na sequência. Sinto muito, muito mesmo,
por tudo aquilo que, partindo de mim, haja provocado, em qualquer época e
qualquer lugar, sofrimento, decepção, frustração, ira, desalento, perturbação,
contrariedade em pessoas de meu ambiente familiar; em pessoas de meu círculo
afetivo; em pessoas de minhas ligações profissionais; em homens e mulheres,
adultos e jovens, conhecidos ou desconhecidos, que cruzaram meus caminhos no
curso desta caminhada pela pátria terrena. Sinto muito, sinceramente, por tudo
aquilo que, em decorrência de atos ou palavras de minha autoria, possa ter dado
causa a reações de pessoas de minha roda familiar, de minha esfera afetiva, nas
minhas vinculações profissionais e comunitárias, que despertassem em mim
rancor, tristeza, inconformismo, irritação, desejos de vingança. Rogo da
Suprema Divindade que transmute todas essas emoções negativas em energias
positivas. Energias que tenham o mérito de comunicar sensações de bem-estar e
conforto a todos e que possam contribuir para a construção de relacionamentos
humanos harmoniosos, fraternais e duradouros.
Eu sinto muito por tudo
isso. Peço, humildemente, perdão por todas as reações desagradáveis que,
consciente ou inconscientemente, ajudei a fomentar na convivência com os
semelhantes.
Escancaro o coração à
prática do amor, da fraternidade, da solidariedade e agradeço, reverentemente,
por esta chance de poder lamentar, pedir perdão e exprimir o avassalador
sentimento de mundo que me invade a alma.
Não resisto, por último, à
tentação de pedir a atenção dos leitores para algo que, certamente, não lhes
passa desapercebido todas as vezes em que tomam conhecimento, como agora no
caso desta oração do Havaí, de uma forma de diálogo com o Absoluto nascida de
concepção cultural da vida diferenciada da nossa. No fundo, independentemente
de tempo e lugar, o que dá pra perceber é que a linguagem é sempre igual. Os
cânticos de louvor ao Altíssimo alcançam sempre o entendimento universal.
Brotam dos mais generosos impulsos da alma humana. Revelam que os homens, não
importam a etnia, o idioma, o lugar em que vivem, os hábitos, são na essência
tremendamente parecidos.
Um comentário:
César Vanucci, beleza de sentimentos e texto aprazível, dotado de grandiosidade de alma e de coração. Instrui, educa, informa, com a sabedoria que falta a nossos políticos do planalto. Vanucci deveria estar lá, talvez, como Presidente do País. Homem atual, concessor e conhecedor das várias nuanças da comunicação falada, escrita e televisada - e para arrematar, é um gentleman. Rogério Zola Santiago
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