Recado para o craque de bola
Cesar Vanucci
“O jogo brasileiro de
futebol é como se fosse uma dança.”
(Gilberto
Freire)
Copa
do Mundo à vista. As tevês esmeram-se na programação esportiva. Sabem muito bem
que várias centenas de milhões estarão fixados na telinha antes e durante as
competições, vivendo as eletrizantes emoções proporcionadas pelo esporte da
preferência das multidões. Reunindo experimentados comentaristas, atletas e
outros entendidos, os debates proliferam em torno do tema futebol. Indoutrodia,
acompanhei animada tertúlia sobre o chamado “futebol arte”. No bate-papo
marcado por controvérsias, alguém afirmou que o “futebol-arte” pode desembocar,
vez por outra, em resultados desfavoráveis. A afirmação inspirou o neto
predileto de vó Carlota a mandar recado para os craques de bola. Aqui está.
Entra nessa não, irmão.
Não esmoreça. Não ceda. Resista até o derradeiro alento. Que nem fez, noutro
contexto, o lendário Zumbi dos Palmares. Cada ser humano é ele mesmo mais suas
circunstâncias, lembra Ortega y Gasset. Você, craque de bola, trate de
trabalhar bem as suas. Seus dons naturais. Não abra mão de nada. Não se deixe
intimidar pela intolerância e preconceito alheios. Nem se contaminar pelas
reações turbulentas de companheiros de profissão, atletas e treinadores, de
apoucado engenho. A mediocridade não aguenta fitar a luminosidade ofuscante do
talento.
Fique na sua, craque de
bola! Rechace, sobretudo dentro das quatro linhas do gramado, toda manifestação
conspiratória contra a ideia de que o futebol não é uma modalidade de arte. É
arte, sim senhor. Arte de raiz. Generosa, exuberante e boa. Às vezes, simples
como uma ermida. Às vezes, imponente como uma catedral. Mas, arte autêntica,
com vínculos indestrutíveis em termos de paixão e arrebatamento – como nenhuma
outra forma de expressão criativa consegue estabelecer – com a genuína alma das
ruas.
Fique atento, craque de
bola. Diga não às pressões descabidas dos que acham que futebol é chutão pra
frente. É jogada ríspida, intervenção viril, tranco por vezes até sem
deslealdade. Compenetre-se de uma coisa. O que um atleta em estado de graça
realiza com a bola no pé não fica nada a dever, em termos de magia
coreográfica, ao que Fred Astaire, Gene Kelly e suas parceiras Leslie Caron e
Cid Charisse aprontavam, também com os pés, nos inesquecíveis espetáculos
musicais de Hollywood. E, ao que consta,
nunca se soube de alguém que os houvesse procurado pra dizer que parassem de
vez com aquelas extasiantes proezas, todas nascidas de puro talento, porque
elas representassem, aos olhares dos que não sabiam fazê-las, deboche ou
provocação.
Imagine só se um cidadão
qualquer resolvesse, de repente, interromper o dueto magistral de Ellis Regina
e Tom Jobim em “Águas de março”, alegando que a interpretação estava sendo
vista como um escárnio por outros cantores e compositores. Ou se, em plena
função, no “Scala” de Milão, a peruana Yma Summac fosse intimada, por alguém
incomodado com sua performance, a reduzir a simples murmúrio o agudo canoro
inigualável que lhe conferiu a condição de maior cantora lírica da história!
Ou, ainda, se ao brasileiríssimo Ary Barroso, o mais criativo compositor
popular de todos os tempos, fosse ditada ordem para parar de fazer música
maravilhosa pela mera razão de que isso estaria sendo recebido como achincalhe
aos colegas.
O exercício da arte não
comporta peias. Não se engaiola o talento. A criatividade não suporta mordaças.
Isso vale para todas as formas de manifestação do espírito. Faz parte da
essência do futebol.
Sem essa, pois, craque de
bola, de se sentir tolhido na livre expressão de sua arte diante das
imprecações raiventas dos que se confessem molestados com esse jeito, todo seu,
de conduzir a pelota com requinte e garbo nas pelejas. O “drible da foca” é
parente consanguíneo da “pedalada”. Do gol de letra. Do “rabo de vaca”. Do
passe de calcanhar. Do pique incontrolável em direção do gol. Da “embaixadinha”.
Do “folha seca”, de mestre Didi. Da “bicicleta” com que Leônidas, pés
descalços, maravilhou a Europa. Daqueles chutes de efeito do Nelinho, cheios de
picardia e com estrondo certeiro de míssil.
Dá pra entender que, no
supremo ardor de uma partida, a jogada de arte possa ser bruscamente contida. O
que não dá pra entender é que se queira, com intervenção faltosa e alegações
ridículas, chutar pra fora de campo a arte e o talento. Aceitar tal
despropósito, interpretação dos acontecimentos regida por tão assustador
primarismo, equivale a negar a genialidade eterna de Pelé, a legendária
trajetória, puro êxtase e virtuosismo, de Garrincha.
Por esses motivos todos,
você que é craque, não se apoquente. Não queime a mufa. Com bola ou sem bola,
use a cabeça. Continue a desarmar, com lances desconcertantes, de deleite e
encantamento, os adversários desleais. Ensine-lhes a proverbial lição de que os
incomodados com o “futebol arte” é que devem se retirar. Deles, sim, a
prerrogativa de tirar o time de campo.
Cá estão as perguntas.
E as respostas?
Cesar Vanucci
“Juros de 300 por cento?
Uma palavra basta pra definir
isto: indecência.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)
Ocupamo-nos, novamente, nestas maltraçadas, de
questões indesejáveis que tornam mais atribulada a vida da gente do povo.
Levantamos mais uma lista de perguntas que traduzem a apoquentação que tira do
sério o cidadão comum diante de atos comportamentais destituídos de bom senso.
Frustrados com a sonegação de respostas, ou com a insuficiência de argumentos
dados nas tentativas de respostas, vemo-nos impelidos, volta e meia, a lançar
perguntas no ar, visando esclarecer os porquês de tanta coisa perturbadora.
Aqui vão as indagações de agora.
Tempos estranhos, sem dúvida. Como explicar que, em
Minas, aqui e agora, numa Capital que tão bem simboliza o sentimento
democrático brasileiro, uma manifestação reivindicatória pacífica de
professores de unidades educacionais voltadas à assistência de garotinhos venha
a ser enfrentada, não com o diálogo, mas com sufocantes jatos de água, em cenas
que remetem a desditosas lembranças de um passado autoritário que ninguém
deseja de volta? Por quê isso aconteceu?
A chamada taxa Selic chegou, recentemente, ao índice mais
reduzido (6.5%). Nada obstante, pra estupefação geral, o sistema bancário
brasileiro, usufrutuário há décadas da prática de juros mais rendosa vigorante
na Via Láctea, não se toca nadica de nada com relação ao assunto. Faz de conta,
marotamente, que a taxa básica de juros nada tem a ver com as taxas cobradas em
negócios de empréstimos e financiamentos. Dá sequência, assim, inabalável, possuído
de embriagadora autossuficiência, ao seu ousado projeto de acumulação de lucros
descomedidos, sem paralelo na história dos países de economia emergente,
afetando contundentemente a cadeia produtiva responsável pelo crescimento
econômico, através do “oferecimento” de crédito à desprotegida clientela na
base de indecentes taxas. Em certas operações passam dos 300 por cento ao ano,
minha Nossa Senhora da Abadia! Por quê? Por quê?
A opinião pública toma conhecimento, perplexa, da
notícia de que os emolumentos cobrados nos cartórios da praça acabam de ser
majorados em mais de 1.000 por cento. Quem permitiu tamanho despropósito? Como pode ocorrer algo desse gênero sem uma
reação enérgica, firme, decidida dos poderes encarregados de zelar pelos
sagrados interesses da coletividade?
Os pontos de estacionamento que enxameiam a zona
urbana da Capital exploram, a bel prazer, ávidos por ganhos fáceis, os
indefesos motoristas que recorrem a essa modalidade de prestação de serviços.
Abusam, a mais não poder, das circunstâncias penosas impostas por congestionamentos
caóticos. Na administração despoliciada do rendoso negócio não poupam nem mesmo
– pasmo dos pasmos! – clientes de hospitais que, desavisadamente, em situações
de emergência, conduzem os veículos às garagens dos citados estabelecimentos,
arcando, por conta disso, com extorsivos ônus. As autoridades, a seu turno, optam
por guardar distância considerável do assunto, como se não lhes competisse o
dever de regulamentar e fiscalizar essa atividade. Mas por quê mesmo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário