sexta-feira, 29 de junho de 2018


Crime de lesa-humanidade

Cesar Vanucci

“Tô com saudade de você mamãe!”
(Garoto salvadorenho de 9 anos, no primeiro contato com a mãe depois de um  mês da separação de ambos promovida pelo serviço de imigração estadunidense)

Para muita gente no juízo perfeito a dúvida que persiste, quanto a sanidade mental de Donald Trump, fica cifrada apenas numa averiguação meticulosa sobre se ele costuma arremessar pedra em avião com a mão solta, ou se vale de uma atiradeira mode quê fazê-lo. São a perder de vista as evidências de que a cachola do supracitado cidadão comporta insuficiência de parafusos.

Entre renomados especialistas nos ramos psiquiátrico e psicológico há quem não hesite, instante sequer, a propósito das reações do cara, em sustentar o diagnóstico de doido varrido. Já outros estudiosos do comportamento humano mostram-se menos contundentes na avaliação. Mas, mesmo evitando declinar expressamente o grau extremado da desordem psíquica do dito cujo, ainda assim recorrem, nas análises, a expressões e metáforas que acabam soando em ouvidos mais atentos como sinônimas da palavra maluquice.

Em decisões, declarações, rompantes públicos, registros nas redes sociais, o dirigente do mais poderoso país do planeta, detentor do “direito” de poder acionar dispositivos com capacidade para produzir o armagedom dos pavores universais, documenta exuberantemente, ao vivo, um inequívoco caso clínico que espalha desassossego à pamparra. Os traços de paranoia, narcisismo e arrogância, notórios em sua personalidade, o destempero verbal municiado por inocultável obtusidade intelectual geram perplexidade e inquietação crescentes. Levantam expectativas sombrias quanto ao que possa vir a acontecer, de inesperado e impactante, como resultado de suas delirantes elucubrações.

É, pois, correta a associação do nome do homem a uma ameaça à segurança da humanidade. Naquela cabeça, adornada por penacho dourado apreciado pelos chargistas, reside claramente um baita perigo. A sinalização abundante de sua egolátrica perturbação compreende agravos, indistintamente, a adversários e companheiros. Indoutrodia, vimos como ele contribuiu eficientemente para o fiasco da reunião do G-7. Depois de haver aposto o chamegão no documento, retirou sem mais essa ou aquela a assinatura do comunicado consensualmente elaborado pelos participantes do certame. Diante de seus aturdidos pares, acusou o Primeiro Ministro do Canadá, Justin Trudau, de “fraco, desonesto e indigno dos tempos de Trump”. Algo simplesmente inusitado na crônica do relacionamento diplomático de aliados tradicionais.

Sair, sem maiores explicações, de acordos importantes para a causa da paz, inventar sanções econômicas em negócios com parceiros viraram moda em suas oscilantes interpretações do jogo político internacional. Ameaçar os outros com o arsenal destrutivo avassalador dos Estados Unidos é parte do repertório apresentado à plateia mundial, em sua ânsia de protagonismo como líder imperial supremo. As tensões trazidas com suas atitudes deixam terríveis sequelas. E nem é o caso de estender muito a lista dos infindáveis eventos de consequências nocivas irrompidos por culpa dos destemperos de Trump.

Concentremo-nos, portanto, apenas, por agora, em seu gesto apavorante mais recente. Exatamente, aquele caso da crueldade praticada contra criaturas indefesas com a alardeada política de imigração na base da “tolerância zero”. Mesmo entre os mais embrutecidos em termos de sensibilidade, não houve quem não recordasse o holocausto promovido pelo nazismo ao contemplar as cenas, mostradas na tevê, dos milhares de pais e filhos virulentamente separados e encaminhados a centros de detenção diferenciados. E o horror não parou aí! O destino de uns e outros ainda permanece incerto e não sabido. Recolhidos a verdadeiras jaulas, pais e filhos não conseguem se comunicar. Às vezes, por meses inteiros.

As pessoas providas de lucidez de espírito, sensibilidade social, solidariedade humana encontram dificuldade em compreender como algo tão hediondo possa ser perpetrado, conscientemente, em flagrante escárnio aos direitos humanos fundamentais, num país que tanto se ufana de seu estágio civilizatório! O crime de lesa-humanidade está mais que configurado nessa ação do governo Trump.

Doidice sim, mas existe, por trás de tudo, um método perverso de teor racista. Há adeptos do hitlerismo soltos na praça.



O dever de alertar

Cesar Vanucci

“Uma pessoa mentalmente instável, como o senhor Trump, 
não deve exercer competências presidenciais com poder de vida ou morte”.
(Judith Lewis Herman, de Harvard, e Bandy Lee, de Yale)

Confessando-se leitora assídua dos artigos deste desajeitado escriba, Maria Magdalena Fagundes Amaral, professora, manifesta plena concordância quanto aos conceitos expendidos no comentário passado, referente à cruel decisão do presidente Donald Trump segregando pais e filhos a pretexto de combater a imigração ilegal. Coloca-nos, ao mesmo tempo, a par do lançamento, ainda recentemente, nas livrarias dos Estados Unidos, do livro “O Perigoso Caso de Donald Trump” (“The Dangerous Case of Donald Trump”, título original). Adiciona a explicação de que a publicação já entrou no circuito das redes sociais.

Os autores, médicos psiquiatras, psicólogos, advogados, pensadores, terapeutas, analisam sob diversas facetas o perfil do atual mandatário de seu país. Chegam à conclusão, sem discrepância, de que o personagem em foco tem mesmo o “miolo mole”, como é de costume dizer-se na saborosa linguagem das ruas. “Coletivamente com nossos coautores, afirmamos peremptoriamente que uma pessoa mentalmente instável, como o senhor Trump, não deve exercer competências presidenciais com poder de vida ou morte”, pontuam no prefácio os especialistas em comportamento humano Judith Lewis Herman, da Universidade de Harvard, e Bandy Lee, da Universidade Yale. Lance Dods, também de Harvard, expressa que Trump revela traços sociopáticos, com perda persistente da realidade. Sua saúde mental constitui ameaça para os Estados Unidos e para o mundo. Esta, por sinal, a dedução a extrair dos ensaios e análises dos 27 autores da obra. Eles convergem no diagnóstico de que o cidadão mencionado ostenta sinais iniludíveis de doença mental.

Philip Zimbardo, psicólogo, sustenta com convicção, no trabalho que assina, ser Trump “a pessoa mais perigosa do mundo” (...), “líder poderoso de um país poderoso, que pode ordenar o lançamento de mísseis contra outro país por causa da aflição individual, ou aflição de membros de sua própria família”. O famoso escritor Noam Chomsky, a jornalista Gail Sheehy e o psiquiatra James Gilligan, da Universidade de Nova York, figuram entre os autores da obra. Compartilham com os demais a tese de que Trump projeta comportamento antissocial, narcisismo e tendência chauvinista mais que suficientes como recomendação a que seja removido do cargo ocupado. O citado Gilligan sustenta, em seu depoimento, que muitos colegas na área da psiquiatria revelam-se “tímidos” ao emitir impressões sobre a atuação do presidente norte-americano, por conta de uma regra profissional que considera falta de ética opinar sobre a saúde mental de figuras públicas. Acha, no entanto, que no caso reportado, os especialistas em comportamento humano que se dispuseram a vir a público estão se valendo daquilo que pode ser apropriadamente classificado como “o dever de avisar”. Ou seja, a responsabilidade afeta a uma pessoa, um médico, por exemplo, de precisar alertar, em determinadas circunstâncias, possíveis vítimas se alguém próximo representar perigo para todas elas.

Paralelamente ao lançamento do livro, grupo de 25 psiquiatras, vários deles autores dos ensaios e artigos da coletânea, promoveu na Universidade de Yale uma discussão aberta sobre a saúde mental de Donald Trump. Apontando uma combinação de diagnósticos, que deixam configurados os riscos que ele representa para o país e para o mundo, elaboraram documento indicando a conveniência de sua remoção da cadeira presidencial. Milhares de assinaturas já foram agregadas à petição em causa.

Tudo isto posto, tenho outra observação a fazer concernente ao tema. À hora em que compunha estes dizeres, na já sexagenária “remington” portátil da tenda de trabalho, intrigante interrogação perpassou-me pela cuca. Entrego-a aos leitores para reflexão. Que tipo mesmo de ação o governo dos Estados Unidos estaria desenvolvendo, nesta hora, na terra, ares e mares, na hipótese de que pais, mães e filhos de nacionalidade estadunidense se vissem, de repente, afastados uns dos outros em condições aviltantes, em plagas pertencentes aos chamados “países periféricos” (assim considerados nas estratégias geopolíticas da Casa Branca e do Pentágono), por determinação abrupta de um (outro) tresloucado governante qualquer, movido por chauvinismo, racismo ou algum impulso identicamente repulsivo?


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