Umas e outras
Cesar Vanucci
“MDB, uma Arca de Noé”.
(Jânio Quadros)
Mais um. O
recolhimento recente ao xilindró de um bando numeroso de doleiros implicados em
ruidosas ações mafiosas vem gerando compreensível expectativa. No ver de
abalizados analistas da conjuntura política e financeira, os desdobramentos da
operação investigatória deflagrada contém potencial explosivo capaz de fazer
estremecer novamente a vida nacional. Indoutrodia, em sua apreciada coluna,
Élio Gáspari informava que as revelações prestes a virem à tona – desta feita,
segundo ele, sem a patota do PT por perto, envolvendo, todavia, elementos das
cúpulas do PSDB e, de novo, do MDB – são de deixar a Lava Jato no chinelo,
minha Nossa Senhora da Abadia da Água Suja!
A rede de
doleiros encarcerados, ao que se divulgou, compõe ousado sistema paralelo de
lavagem de dinheiro de origem delituosa, beneficiando figurões de tudo quanto é
naipe. Controlado eletronicamente do Uruguai, o sistema de fraudes de
diferentes matizes, anos a fio executado, teria girado, só entre 2010 e 2016, a
astronômica soma de 5,6 bilhões de reais, mais ou menos 1 milhão de reais/dia.
O senador Roberto Requião, ex-governador do Paraná, deixando enunciado certo
ceticismo quanto ao rumo das investigações, recorda que o caso objeto de
apurações no momento guarda similitude com o célebre “escândalo do Banestado
(Banco do Estado do Paraná)”. A maracutaia em questão envolveu, anos atrás, um
mundão de personagens. Celebridades “acima de qualquer suspeita”, providas de
capacidade suficiente para, em atendimento a conveniências espúrias, conseguiram
estabelecer a duradoura cortina de fumaça que recobre o caso.
MDB. Dia desses, no
aeroporto, à espera de voo, dileto amigo com muitos anos de frutífera
militância nas hostes emedebistas relembrou, em animada roda onde se comentava
a imprevisibilidade dos acontecimentos na esfera política, uma curiosa fala de
Jânio Quadros. Reportando-se ao “balaio de gato” em que se transformou o MDB do
saudoso Ulysses Guimarães, de bom pedaço de tempo pra cá, o controvertido e
temperamental ex-Presidente da República assim classificou essa sigla: “Uma
Arca de Noé, com todos os animais conhecidos de Noé e outros animais que Noé
jamais conheceu, com uma diferença: sem Noé na arca”.
Veredictos sinistros. A CIA acaba de liberar outras estarrecedoras
informações sobre o trevoso período do autoritarismo militar no Brasil. Segundo
o que veio a lume, no governo Geisel, a cúpula dirigente tomou a si, por
razoável período de tempo, o “sagrado direito” de definir quem, entre
prisioneiros políticos sob a custódia do Estado, “merecia” ser eliminado,
considerado seu “grau de periculosidade”. Os “solenes veredictos” dos
todo-poderosos reinantes tiraram de circulação, “para o bem geral da Nação”, um
bocado de gente. Mais de uma centena, com toda certeza. Isso aí!
Aplicativos. Papeando com
motoristas de aplicativos durante corridas praticamente diárias, acumulamos
informações que nos levam a poder traçar o perfil básico dessa categoria de
profissionais. São, em boa parte, cidadãos de formação universitária, que se
viram, hora para outra, escorraçados do mercado de trabalho, sem chance
imediata de reabsorção devido à queda no índice de aproveitamento de mão de
obra. Algo que todo mundo tá careca de saber, exceção feita aos porta-vozes do
desacreditado governo central. Foram dispensados dos empregos ou ficaram sem
trabalho em razão do fechamento das empresas em que atuavam. As circunstâncias
apontadas remetem à inarredável conclusão de que os serviços de transporte
implantados, de pouco tempo para cá, via aplicativos, severamente criticados
por alguns e acolhidos com entusiasmo pela maioria da população, cumprem – como
não? – relevante função social.
Ia ser diferente, ia...
Cesar Vanucci
“Recordar é viver...”
(Provérbio
popular)
Foi assim. Num certo
momento, tradicionais aliados de Dilma Rousseff, umbilicalmente ligados a ela e
seu partido num punhado de vitoriosas campanhas eleitorais, e adversários
viscerais da mesma personagem entenderam de se dar as mãos, compondo poderosa
aliança com o objetivo de afasta-la do poder. Acusaram-na, entre outras coisas,
de arrogante no relacionamento político; de despreparada na condução dos
negócios públicos; de complacente, se não conivente, com atos de corrupção de
atuantes correligionários; de useira e vezeira na prática das assim chamadas
“pedaladas fiscais”. As tais “pedaladas”, por sinal, representaram o gatilho
jurídico que decretou sua saída da Presidência.
Consumado o
impedimento pelo Congresso, a coalizão de forças triunfante comunicou
solenemente que, dali pra frente, tudo seria diferente. Uma nova e redentora
era estava sendo implantada. Róseos cenários se descortinavam no horizonte. Jactando-se
de possuírem ilibada reputação, os novos detentores das decisões
político-administrativas comprometeram-se, com pompa e alarde, a estancar, pra
todo sempre, amém, a abominável corrupção. A sociedade – asseveraram – não mais
encontraria razões pra se constranger com indecentes arranjos e barganhas
parlamentares. Registros desse tipo seriam, felizmente, largados pra trás. Nada
de casuísmos e fisiologismos com vistas a aprovações, a toque de caixa, de
medidas ajustáveis a conveniências espúrias. Não mais seriam vistas, com
certeza, nas telas televisivas, aquelas deprimentes imagens de achaques explícitos,
tipo dinheiro transportado em malas, grana de origem estranha depositada em
cofres, ou amontoada em caixas de papelão. Não, nada disso voltaria a ocorrer
envolvendo figuras conspícuas das esferas mandatárias.
De outra parte,
a deflagração de arrojado projeto, o “da volta dos 20 anos em 2”, asseguraria –
como não! - a acalentada retomada, em ritmo acelerado, do crescimento econômico.
Deixou-se claro também que os extorsivos juros onzenários, melhor dizendo, bancários,
até que enfim, desabariam. Não mais constituiriam entrave, nó de
estrangulamento na trilha empreendedorista das criativas forças de produção da
riqueza nacional. E – Deus louvado! - as chocantes taxas de desemprego também seriam
reduzidas. Sobraria mais dindim na algibeira de todos. A um só tempo que os
preços dos alimentos e serviços básicos manter-se-iam estáveis. Os gastos
estrondosos com mordomias e privilégios de milhares de marajás (fontes confiáveis
estimam que somem perto de 50 mil, consideradas todas as faixas de servidores
dos diferentes Poderes) seriam exemplarmente contidos. E o que não dizer do
notável incremento a ser introduzido nos atendimentos sociais, prioritariamente
nas áreas da saúde, educação e moradia?
Quanto ao
exagero das pastas ministeriais, alvo de críticas na mídia, tribunas e
palanques, a solução estava engatilhada. Previa-se pra já a eliminação e fusão
de alguns ministérios. Mais: a titularidade de todos eles seria confiada
exclusivamente a “notáveis”. Cortando, enfim, as amarras de um passado “de podridão
moral e falta de ética”, conforme enfatizado, o emergente comando da Nação optou,
“no momento da saneadora ruptura”, pela adoção de uma política administrativa
diferente, moderna na concepção e eficaz nos resultados. Prometeu zelar
intransigentemente, com denodo e escrúpulo, até o final da missão, pelos
sagrados interesses da soberania nacional.
Tudo quanto anotado
remete-nos a uma inquestionável conclusão. As vozes mais lúcidas do pensamento
nacional, conectadas com as autênticas causas brasileiras, e a arguta opinião das
ruas mostram-se definitivamente convencidas – e até mesmo a crédula “velhinha
de Taubaté”, emblemática personagem das esplêndidas crônicas do Veríssimo, já anda
“meio desconfiada” - do naufrágio da embarcação fretada para conduzir ao
decantado porto seguro a carga dos compromissos mudancistas trombeteados. O
barco foi posto a pique no sorvedouro dos jatos d’água diluvianos da demagogia
desvairada, das contradições contundentes entre o dito e o feito, da reconhecida
ausência de vocação para o nobre exercício da vida pública dos elementos que
compõem o núcleo central do poder.
Dentro
de cada mulher
há uma Madalena
Este
sugestivo trabalho de reportagem, assinado pela jornalista Déa Januzzi,
foi estampado
na revista “Ecológico”, edição de nº 107, de abril de 2018.
O
filme empodera uma personagem até então obscura da bíblia. Foi o que confirmaram 39 mulheres do interior de
Minas após assistirem ao polêmico filme “Maria Madalena”, de Garth Davis.
Com
direito a pipoca, caixa de chocolate língua de gato, a companhia e os
comentários de Magdala Ferreira Guedes (você verá que o nome dela não é mera
coincidência), assisti ao filme “Maria Madalena”, de Garth Davis, que vem
balançando as estruturas do catolicismo tradicional. No caminho para ver o
longa-metragem no cinema, pensava nas aulas de religião dos colégios católicos
da minha infância, onde Madalena, considerada prostituta, só não foi apedrejada
porque Jesus Cristo interferiu e disse: “Aquele que não tiver pecado, atire a
primeira pedra”.
Mais
do que a história de violência contra uma mulher tida como pecadora, jamais me
esqueci desta frase que me seguiu na infância, adolescência, passando pela vida
adulta e até hoje, no crepúsculo da existência. A Maria Madalena de antigamente
era pecadora, mas sempre corri para resgatar, em mim e nas mulheres em geral, a
outra imagem. Uma Madalena revolucionária, companheira de Cristo, uma mulher
simples e gentil, mas forte, que não seguia as ordens estabelecidas da época.
Aquela que também levou a mensagem de Cristo pelo mundo, foi testemunha da sua
crucificação e ressurreição.
Antes
de ver o filme que liberta Maria Madalena das feridas ancestrais, do pecado, da
culpa e da tirania do mundo masculino, conheci Magui – como Magdala Guedes é
chamada – e desde 2005 reúne mulheres em busca da cura dessas feridas históricas,
desses preconceitos e dos grilhões da religião. Isso acontece em meio à
natureza preservada do Sítio Sertãozinho, em Moeda (MG), a 45 km de Belo
Horizonte. É onde elas dançam, cantam, conversam e se restauram.
Magui
sabia que Maria Madalena, assim como todas as mulheres, carregava o peso da
cruz sozinha, banida da bíblia e de sua verdadeira história, que era preciso
resgatar a imagem de Maria Madalena e buscar o sagrado que há no feminino. E,
claro, também no masculino até então inflexível.
Enquanto
seguia para o cinema, lembrei-me de um tempo em que fazia acupuntura com a
terapeuta Josefina, indicada por Magui. Após meses de sessões e de cura, ela me
perguntou por que eu, como mulher, não era tão gentil e poética como os meus
textos. Paralisei com o questionamento e descobri que, na época, para entrar no
mundo do trabalho, tive que simbolicamente me transformar em um soldado,
com botas e coturnos, para me impor, para lutar por um lugar igualitário
com os homens.
Na
minha infância sequer poderia mastigar a hóstia na hora da comunhão. Tinha medo
que ela sangrasse. Era um horror. Parei de ir à missa.
Encontrei-me
com Magui na porta do cinema. Ela ia assistir ao filme pela terceira vez. Era
como se fosse coautora da película, como se dirigisse a própria vida.
Estudiosa
de ervas medicinais, Magui vive em comunhão com a sua natureza de mulher,
esposa e mãe, no seu refúgio rural e terapêutico. É conhecida também pelo
Ritual do Pão, que ela realiza há mais de 20 anos, colocando intenções na
massa. Mas a jornada “De volta para casa” com as Madalenas começou no seu
aniversário de 60 anos, em Israel, onde foi visitar o filho mais velho que
então morava lá. Hoje, aos 67, ela conta que, ao entrar numa loja para comprar
um livro chamou sua atenção um de capa vermelha, escrito em letras douradas “A
vida de Maria Madalena”.
Em
quatro dias, ela leu o livro de 700 páginas, onde estava escrito “Dentro de
cada mulher vive uma Madalena”. A partir daí, Magui começou a convidar as
mulheres que conhecia para uma jornada de cura do feminino marginalizado. Foram
70 mulheres que viveram na pele de Madalena por quase 12 anos, e hoje estão em
paz consigo mesmas, unidas por uma nova aliança.
Magui
me chama a atenção antes para uma passagem do filme: “A gentileza, a
cumplicidade, a comunicação de Maria Madalena com Jesus por meio de olhares. A
coragem sustentada pela fé”. A cena de Maria, mãe de Jesus, que se encontra com
Madalena, também é de arrepiar: “Você ama meu filho? O que Deus te pediu? Ele
deve ter pedido muito. Se você ama meu filho deve estar preparada para perdê-lo
como eu”.
Uma
cena real nos chama a atenção. Uma senhora de cabelos brancos se retira do
cinema no meio da sessão. Não aguentou a nova imagem mostrada de Maria
Madalena. Acostumou-se com a Madalena endemoniada da Bíblia. Magui se
entristece com a retirada da senhora. Sabe que até o Papa Francisco a redimiu e
a colocou num lugar de honra, chamando-a de “a apóstola dos apóstolos”. E foi
em homenagem ao Papa Francisco que 39 mulheres – e um homem, o economista
Sérgio da Luz Moreira – resolveram bordar um panô, que será entregue a
Francisco e cuja mensageira será uma freira. Ela entregará o pano decorativo,
com 2,20 metros de largura por 1,30 de comprimento nas mãos do Papa, no
Vaticano. Junto vai uma carta que foi traduzida para o espanhol, língua de
origem de Francisco.
Quem
coordenou o panô foi Cláudia Martins, de 53 anos, uma das 70 Madalenas que fez
a jornada “De volta para Casa”. Ela é do primeiro grupo de Magui, de 2005, e
exímia bordadeira. Por mais de um ano, ela conduziu os bordados com capricho e
devoção. Antes, selecionou as várias faces e nomes de Nossa Senhora para o
sorteio entre os participantes. E cada um bordou a sua santa.
Cláudia
tirou Nossa Senhora Aparecida. “O bordado mudou a minha vida. Tenho que falar
em antes e depois dele. Ao alinhavar o bordado, ia conversando com Nossa
Senhora Aparecida. Era uma oração e a paz ia fluindo dentro de mim.” Ela esteve
presente também na estreia do filme de Maria Madalena, numa sessão especial
junto com as outras “madalenas”. Conforme combinado, compareceram em peso, com
seus mantos e capuzes. E também com direito a flores de cor rosa, símbolo do
cuidado essencial e de cura.
O
filme termina e pressinto que sempre levei Madalena na alma. Uma frase me sopra
aos ouvidos: “Por mais Madalenas no mundo”.
A “Carta das Madalenas de Minas para
Francisco”, citada na reportagem aqui reproduzida será publicada na edição
vindoura do “Blog do Vanucci”.
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