E essa outra
baita encrenca?
Cesar Vanucci
“Conveniências espúrias costumam ocultar, neste nosso
mundo,
muita coisa aviltante à dignidade humana.”
(Antônio Luiz
da Costa, educador)
Ainda
recentemente, aqui neste minifúndio de papel onde se cultiva o hábito de alojar
singelas ideias e quimeras mil, andou-se falando de colossais encrencas que
adoecem o mundo e que são geradas pela insensatez dos homens. Chamou-se a
atenção do distinto público leitor para ocorrências, de manifesta crueldade,
propositalmente ocultadas ou (quando) divulgadas com indesculpável parcimônia
de manchetes pelos meios midiáticos internacionais, sabe-se lá porque cargas d’água!
Melhor dizendo, sabe-se lá por quais conveniências políticas, econômicas ou por
outra qualquer outra forma aviltante de agressão à dignidade!
Ao fazer de
conta que nada de muito sério, afinal, acontece com relação a certas histórias
impactantes, eclodidas aqui ou ali; ao minimizar a contundência de agravos cometidos
contra os direitos fundamentais e a cidadania, o grande complexo midiático confessa-se,
verdade verdadeira, complacente (se não conivente) com as forças retrógradas ininterruptamente
empenhadas em retardar o processo evolutivo civilizatório. Traindo sua natural
vocação construtiva, a mídia favorece a disseminação de ignomínias sem conta
que atrelam multidões a nauseantes esquemas de perpetuação das servidões
humanas.
Mesmo aqueles
indivíduos mais embrutecidos em matéria de percepção social, declaram-se hoje
aturdidos com certas cenas vindas a tona - mais intensamente nas redes sociais
do que em folhas impressas cerceadas pela autocensura - retratando o tratamento
desumano dispensado a inocentes crianças atingidas pelo vendaval de
intolerância racista que açoita alguns lugares deste nosso convulsionado
planeta. Enxergando vesgamente a “imigração sem visto” como crime abominável,
não como mera contravenção civil, merecedora antes de tudo de cuidados
humanitários, governantes arrogantes se valem de incontestado e implacável poderio
para separar famílias inteiras. Colocam pais e mães agoniados em celas infectas.
Arremessam crianças inocentes a campos de concentração eufemisticamente
batizados de “centros de readaptação”. A violência empregada em tais ações é
visível e consciente. Não há como não associá-las às lembranças apavorantes da
sinistra era nazista.
Dos
desdobramentos desse estarrecedor drama envolvendo os assim chamados “imigrantes
ilegais” jorram mais iniquidades. Ordens judiciais expedidas com o fito de
reintegrar os menores imigrantes no seio familiar são cumpridas com relutância,
excessiva lerdeza burocrática. Há caso comprovado de criança encontrada morta
antes da restituição aos legítimos pais. Menores cobertos de sarna, jamais
banhados ao longo do extenso tempo de cativeiro, representam outra nódoa inapagável
a mais nesse degradante e doloroso esquema de repressão. Responsáveis pela
“guarda” de milhares de vítimas não se pejam em oferecer resistência à entrega determinada
pela Justiça. Levantam barreira de empecilhos, do tipo “ausência de
documentação”, “necessidade de exames de DNA”, assim por diante... Organizações
de defesa dos direitos sociais anotam episódios em que as formalidades de
soltura não são de imediato cumpridas pela simples razão de que, “devidamente
intimados”, bebês de um ano não puderam, compreensivelmente, comparecer
sozinhos às audiências para as quais foram “convocados” na forma da lei
etecetera e tal, valha-nos Deus... Essas mesmas
organizações sustentam ponto de vista de que, no fundo, essa avalancha de
abusos e maldades esconde o perverso objetivo de ir acostumando as pessoas,
dentro da linha do preconceito, da intolerância e do racismo, a aceitarem sem maiores
questionamentos a desumanização no trato das questões ligadas aos “imigrantes
indesejáveis”, não importa se adultos ou menores.
É elucidativo ressaltar
que todas essas coisas horrendas têm como cenário não um território longínquo,
desguarnecido de estruturas políticas e jurídicas sólidas, mas, sim, um país
universalmente reconhecido como polo de irradiação cultural, econômico mais
influente deste nosso atormentado chão azul terrestre. Os Estados Unidos da era
Trump...
Por derradeiro,
fica aqui convite para um exerciciozinho de imaginação por parte dos que se
angustiam com os rumos trilhados neste mundo do bom Deus onde o tinhoso se
habituou a implantar enclaves. E se todos os absurdos relatados estivessem pipocando,
não no país mais poderoso, mas nalgum país periférico, de reduzida expressão
política e econômica? E se, ainda, espichando o raciocínio, os cidadãos alvejados
por maus tratos fossem, todos eles, patrícios do titular da Casa Branca, o que,
realmente, estaria acontecendo de avassalador em termos de reação internacional
às barbaridades perpetradas? Hein?
Descaso com o Brasil, mais um!
Cesar Vanucci
“Uma tragédia
anunciada!”
(Walter Neves, antropólogo)
Na roda do papo matinal na feira, a Almerinda do
sacolão traduz a sensação do desalento popular reinante: “Tá danado, gente boa.
Tá meio demais da conta, vocês não acham?” O Elesbão churrasqueiro é o primeiro
a concordar. Com seu vozeirão de inconfundível sotaque baiano aduz: “Tem toda
razão. É uma montoeira de coisa desagradável junta. Tudo pipocando
conjuntamente!”
Na espichada da conversa, componentes do grupo,
feirantes e fregueses, vão botando pra fora referências desconcertantes, mais
do que isso, desagradáveis, das vivências do povão no dia a dia. Jorram
manifestações. Os inesgotáveis escândalos com a grana pública. O notório,
azucrinante, despreparo de boa parte dos aspirantes a cargos importantes nas
eleições que se avizinham. A estagnação econômica, despropositada, insuportável,
quando se tem sob mira as prodigiosas potencialidades oferecidas pelo país mais
bem aquinhoado deste planeta azul na partilha de recursos naturais em condições
de produzir riqueza social em proveito de toda a humanidade. A impactante
inoperância do governo mais impopular da história republicana. A multidão
incalculável de desempregados e as legiões de patrícios forçados a fazer “bicos”
para sobreviver. Além disso, a acumulação assustadora, em tudo quanto é canto,
de obras inacabadas importantes, de projetos fundamentais nos setores da
infraestrutura que não saem do papel. Tudo isso conspirando estrondosamente
contra a necessária, urgente e inadiável retomada do desenvolvimento. Os
desestímulos e desencorajamentos às ações de empreendedores capacitados, gente
ansiosa pelo ingresso na cena política de uma liderança nacional dotada de
carisma, popularidade e poder de iniciativa para galvanizar as atenções da
Nação inteira no sentido da invasão do futuro. A progressiva e delituosa
desnacionalização de ativos valiosos do patrimônio nacional.
Mais ainda: a violência urbana solta e as diligências
oficiais, de inocultável incompetência, volta e meia trombeteadas para se
“combater” as organizações criminosas; a exorbitância nos gastos públicos, a
começar pelos altíssimos salários e respectivos penduricalhos que compõem os
holerites do exército de agentes públicos remunerados acima do teto fixado pela
Constituição; as incongruências detectadas com constância, em deliberações
legislativas e judiciais.
No desfile das situações cotidianas tormentosas
despejadas na conversa solta de rua encaixou-se, também, a recente e estranha manipulação
das redes sociais, com a propagação aos quatro ventos de uma “nova greve dos
caminhoneiros”. O anúncio, de suspeitosa procedência, provocou mais uma alucinante
corrida aos postos. E, na sequência, desprotegidos consumidores viram-se “agraciados”
com novas e significativas majorações nos preços da gasolina, do álcool
etecetera e tal...
Dona Almerinda do sacolão tem razão. “Tá danado, meio
demais da conta”. Já não transbordassem motivos para as aflições da sociedade,
com essa avalancha de episódios geradores de assombro e indignação em doses
mastodônticas, eis que o horizonte se vê, inesperadamente toldado por essa
estocada brutal do destino, reduzindo fatalisticamente a cinzas um pedaço
precioso de nossa história É oportuno anotar o que diz o arqueólogo e
antropólogo Walter Neves, considerado o “pai de Luzia” – o fóssil humano mais
antigo já encontrado em escavações pré-históricas das Américas, localizado em
Lagoa Santa, Minas Gerais, com idade provável de 12 mil anos, uma das relíquias
perdidas no incêndio do Museu Nacional localizado na Quinta da Boa Vista, Rio
de Janeiro. Sua reação é de molde a deixar estarrecidas – “juntas,
conjuntamente” como diria o Elesbão do churrasco - todas as estátuas de pedra-sabão
esculpidas por Aleijadinho existentes no museu ao ar livre em Congonhas do
Campo: “Uma tragédia anunciada. O poder público abandonou completamente o Museu
há décadas.”
A constatação, aliás, é de que não se trata apenas de uma
tragédia para o Brasil. No entender dos especialistas, o desaparecimento do
Museu representa uma tragédia para a humanidade. A inconcebível ausência de água
da meia dúzia de hidrantes no local do sinistro para o combate às chamas como
denunciado pelo Corpo de Bombeiros, as labaredas fatídicas do descaso governamental
criminoso com relação ao patrimônio de riquezas guardado no Museu reduziram a
cinzas 20 milhões de peças e 200 anos de referências históricas de incalculável
significado para a cultura.
Em sua apreciada coluna, Élio Gáspari reporta-se ao desastre
do Museu Nacional e a outras ocorrências de passado recente em instituições
culturais igualmente desguarnecidas de salvaguardas mínimas para enfrentamento
de incêndios. “Quem viu as primeiras reações dos hierarcas da burocracia
culturais diante da tragédia da Quinta da Boa Vista – assinala - teve o
sofrimento adicional de ser tratado como cretino. O incêndio foi um acidente
previsível, mas ainda assim, foi um acidente. A estupidificação oferecida pelos
hierarcas foi entulhação deliberada.”
A entulhação, pelo que se extrai das informações a
respeito do assunto, veiculadas por fontes qualificadas, foi ampla, geral,
irrestrita. E, também, bastante
irresponsável. Os órgãos encarregados da preservação dos bens culturais
brasileiros viram-se pilhados em flagrante. Não mais conseguem esconder da
coletividade a precariedade dos meios disponíveis à execução das tarefas elementares
que lhes tocam institucionalmente promover. É o caso até de admitir, como, por
sinal faz outro participante da roda de conversa na feira: “Tamos n’água!”
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