Eleição
sinaliza esperança
Cesar Vanucci
“Tirar luz da fumaça”.
(Horácio (65-8, a.C.)
Parodiando
personagem marcante de uma novela de grande sucesso, exibida anos atrás em
horário nobre, o tempo “ruge” e a Sapucaí eleitoral está logo ali... Mesmo sabedores
(recorrendo a outra fala televisiva famosa) que a situação “está
abracadabrante”, é preciso saber conservar inabalável a fé na democracia, até
em momentos em que a descrença esteja grassando solta. Eleição é o instrumento
que o regime democrático – um regime reconhecidamente imperfeito, mas ainda
assim, dentre as invenções do ser humano, o único em condições de salvaguardar
a dignidade na convivência comunitária – coloca nas mãos dos cidadãos probos
para que consigam fazer prosperar bem intencionadas tentativas de se libertarem
de enrascadas com potencial de estragos considerável.
Agindo
com bom senso e serenidade, esforçando-se por “contaminar” do mesmo salutar
propósito as pessoas ao redor – seguros de que a serenidade de Deus mostra-se
sempre presente nas coisas positivas que construímos juntos – haveremos, como
não? de “tirar luz da fumaça”, como na proposta poética milenar de Horácio.
Identificando no sentimento nacional uma poderosa egrégora, esperançosos de que
a manifestação majoritária das urnas venha a apontar o caminho correto para
saída da crise, expressamos convicção de que os anseios da sociedade brasileira
colocam-se em sintonia com os valores humanísticos que conferem grandeza à
vida. Esses anseios gravitam em torno da exigência de postura ética na
atividade pública, de combate sem tréguas a todas as modalidades de corrupção, da
preservação do patrimônio das riquezas nacionais. Cabe-nos assim aguardar,
confiantes, que os resultados do próximo pleito, refletindo a soberana vontade
popular, possam vir a sinalizar, se não um ambicionável jato luminoso, um
candeeiro com suficiente claridade para descortinar rumos, abrir clareiras,
desfazendo essa nuvem enfumaçada que tolda os horizontes e tolhe os movimentos
do país em direção ao futuro.
É óbvio
que os desafios e obstáculos a serem enfrentados pelos autênticos democratas
perturbam em muito. Comentando o artigo “Democracia apunhalada”, de dias atrás,
distintos leitores lembram que a crônica política brasileira recente acusa o
registro de deploráveis atos de violência, além do chocante incidente ocorrido
em Juiz de Fora. O mais impactante desses episódios de feroz e odienta
exaltação diz respeito aos assassinatos, no Rio de Janeiro, da vereadora
Marielle Franco e de seu motorista Anderson. Um outro, afortunadamente sem
vítimas, envolveu aquela agressão a tiros a ônibus que transportava no Paraná
militantes de uma agremiação partidária. Casos ainda sem solução a vista, com
forte propensão a jamais serem deslindados, ambos os dois documentam, igualmente,
as situações de paranoia que acabam resultando da pregação sistemática da
intolerância, do ódio e da violência numa campanha política, como consequência
do desvario de minorias radicais de matizes variados. Todos que temos olhos pra
ver e ouvidos para escutar, como no aconselhamento evangélico, damo-nos conta,
estarrecidos, da ininterrupta ofensiva de ataques desabridos promovida,
notadamente nas redes sociais, por grupelhos intoxicados de preconceito,
intolerância, racismo, fanatice ideológica. Minoria ruidosa, oportunista e
fisiológica a serviço da beligerância, esse pessoal lança mão de expedientes os
mais torpes e escusos para alvejar pessoas e situações não alinhadas com seu
modo obscurantista de pensar e de ver as coisas do mundo.
Relacionamos
abaixo alguns poucos lances das muitas absurdidades rotineiramente cometidas.
Não é verdade de que hajam sido recolhidos indícios de participação de
adversários políticos no revoltante atentado de Juiz de Fora contra um
candidato à presidência. Não é verdade que o tresloucado indivíduo que cometeu
o atentado, fundamentalista religioso ao que se apurou, seja assessor de
adversários da vítima. Nem, tampouco, corresponde à realidade dos fatos que o
candidato alvo do atentado haja simulado tudo para ganhar popularidade. Também
é falsa a divulgação copiosa que se faz sobre o apoio do padre Marcelo e do
jornalista Arnaldo Jabor a um dos disputantes da Presidência. De outra parte,
é completamente fora de propósito a informação, amplamente propalada, de que, lá
do outro plano existencial, Chico Xavier, uma unanimidade no apreço popular,
haja transmitido mensagem, via psicografia captada por sensitivos daqui deste
nosso mundo, declarando apoio a algum nome como “salvador da pátria”, “defensor
da moral e dos bons costumes”, e criticando a ação de adversários que teriam “parte
com o demo”... Outra falsidade, espalhada com o objetivo de alarmar e
confundir, coloca sob suspeição a apuração, pelo TSE, das urnas eletrônicas,
sob a pérfida alegação de que existe um “plano B” para fraudar os resultados.
Essas
sugestivas amostras postas a circular derivam de um caldo de cultura mórbido e
rançoso, de inequívocas conotações antidemocráticas. Aos democratas autênticos
impõe-se o indeclinável dever de separar muito bem o trigo do joio. Repelir,
nas informações veiculadas, a caudal de sandices. E fixar o máximo de atenção –
aí, sim – nas propostas, nas ideias, nos programas, nos gestos, no
comportamento dos concorrentes aos postos eletivos da disputa eleitoral. Esta a
maneira adequada de favorecer a chegada ao poder dos verdadeiramente
capacitados, intelectualmente, tecnicamente, moralmente, a exercê-lo.
A confusa hora política
Cesar Vanucci
“... fingir
ignorar o que se sabe e saber o que se ignora...”
(Beaumarchais,
dramaturgo anotando um preceito político)
Como a temática política galvaniza no momento as
atenções, achamos por bem reproduzir, linhas abaixo, as intrigantes definições
sobre “política” de célebre dramaturgo francês. Pierre Augustin Caron de
Beaumarchais, considerado por biógrafos figura emblemática do “Século das
Luzes” (XVIII), foi, aliás, muito mais que um brilhante dramaturgo. Escritor,
músico, poeta, instrumentista, professor, inventor, homem de negócios que
amealhou fortuna, exerceu também, vivenciando ascensão social fulminante, a
carreira diplomática.
Participou de missões secretas a serviço do governo
francês, garantindo apoio relevante à causa da insurreição das colônias
inglesas plantadas na América. Insurreição que acabou resultando, como sabido,
na constituição dos Estados Unidos. Duas obras de sua autoria ofereceram base
para libretos de óperas de Rossini e Mozart: “O barbeiro de Sevilha” e “Bodas
do fígaro”.
Seus ditos sobre política soam atuais, apesar da longa
distância de tempo percorrida desde que proferidos. Imaginamos que o leitor
venha a concordar com tal observação. Cuidemos, agora, de ouvir, com atenção,
Beaumarchais: “... fingir ignorar o que se sabe e saber o que se ignora;
entender o que não se compreende e não escutar o que se ouve; sobretudo, poder
acima de suas forças; ter frequentemente como grande segredo ou esconder que
não se tem segredos”; (...) “parecer profundo quando se é apenas, como se diz,
oco e vazio; desempenhar bem ou mal um papel”; (...) “procurar enobrecer a
pobreza dos meios pela importância dos objetivos: eis toda a política (...)”
Finda a leitura da fala de Beaumarchais, indagamo-nos sobre
se não daria pra enquadrar nos conceitos alinhados certas situações, pra lá de
desconcertantes, observadas na campanha eleitoral em curso no pedaço brasileiro.
Como, por exemplo, as que são na sequência narradas.
Provido de forte carisma e desfrutando de indiscutível
popularidade, Lula é uma referência maiúscula no processo, ainda que encarcerado.
Idolatrado por um lado, execrado por outro, terá sem sombra de dúvida
participação decisiva nos resultados da pugna eleitoral. Adeptos e
simpatizantes embalam a expectativa de que sua interferência possa ser
altamente benéfica. A ponto até de concederem mais realce, na propaganda divulgada
à sua figura, do que aos programas e propostas apresentados. Em campos opostos,
ocorre fenômeno bem diferenciado. A turma lança mão de malabarismos retóricos,
desvencilhando-se da mais tênue associação dos candidatos com os dirigentes das
correntes partidárias a que se filiam. Pessoas caídas em desgraça, mas
indoutrodia ainda na crista da onda. Casos de Temer e de Aécio, celebrados em
verso e prosa, bem recentemente, vistos por muitos como condutores de nova e
promissora era no processo de evolução política e administrativa.
O MDB, partido que pratrazmente foi do doutor Ulysses,
com magistral atuação no processo de restauração democrática, dá provas de se
debater com um inesgotável conflito de identidade. Transformou-se, como já
anotou alguém, numa “Arca de Noé”. Só que sem Noé por perto. Dividido,
subdividido, entregue ao jogo de sibilinas conveniências, coloca-se numa hora a
favor, noutra hora contra, noutras, ainda, num surto psicodélico, nem contra,
nem a favor. Em seus controversos posicionamentos, deparamo-nos com a
inacreditável vinculação de candidatos seus, inclusive ao cargo de Presidente, à
imagem de um adversário até pouco tempo atrás virulentamente criticado. E, de
outra parte, com a manifesta omissão, igualmente inesperada, da ligação
umbilical dos candidatos com os governantes partidários. Nomes de proa da
agremiação que exerceram postos ministeriais na segunda metade do mandato
presidencial, ou seja, após o impedimento da antiga titular, fazem, também,
questão fechada, nas campanhas eletivas para postos no Executivo ou Legislativo,
de se dissociarem do correligionário ou aliado declarado, que presentemente
comanda os destinos administrativos do país.
As singularidades detectadas nessa campanha carregada
de confusão remetem-nos, agora, à série de entrevistas que comunicadores
globais famosos promoveram com disputantes ao cargo de Presidente. Na verdade,
o que se viu foi muito mais um severo interrogatório, do que propriamente uma
entrevista. Os formuladores das perguntas açambarcaram, com autossuficiência
inquisitorial, tempo precioso das respostas. Não deram nenhuma chance aos
interlocutores convidados de exporem seus projetos. Nalguns momentos, sobretudo
quando ouviram Bolsonaro e Haddad, sentiram-se um tanto quanto embaraçados
diante de réplicas inesperadas.
Seja enfatizado, nesta linha de raciocínio, a
disseminação, em proporções inimagináveis, de falsidades com aparência de
verdade. São lançadas nas redes e mesmo em depoimentos públicos por alguns candidatos
e por seus porta-vozes. Não há como não classificar negativamente esse
protagonismo. Elementos comprometidos com a demência das palavras, com
fanatice, com discriminações e pregação do ódio, deixam claramente evidenciadas
suas inclinações antidemocráticas.
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