Está chegando a hora
Cesar Vanucci
“Eleição é um
teste cívico periódico para se manter a boa saúde democrática.”
(Antônio Luiz
da Costa, educador)
Em idos tempos, anteriores ao estrondoso advento da
era da comunicação digital, disputantes de cargos eletivos e próceres
partidários costumavam recorrer, nalguns instantes de efervescência política, a
uma frase declinada como uma espécie de refrão. A frase “em tempo de guerra,
mentira como terra...” sintetizava, com adequação, o duelo flamejante das
acusações e denúncias trazidas a público.
De meu isolado posto de observação, atento ao que leio
e ouço dos protagonistas das competições eleitorais e porta-vozes, dou-me conta
de que essa expressão parece haver caído em desuso. Está fora de moda.
Pergunto-me por quê? A resposta que me acode é simples. A tal frase - com
jeito, repita-se, de bordão, ou coisa equivalente - não consegue exprimir com
fragor apropriado a avassaladora torrente de informações dúbias ou inteiramente
falsas, os doestos, as sibilinas assacadilhas despejadas nas chamadas redes
sociais. Redes sociais estas reconhecidas como as fontes de consulta mais
incrementadas na atualidade. Muita gente vislumbra, nesse impactante esquema de
divulgação, instrumento de propaganda de impensável descarte nestes tempos
amalucados.
Admitamos, com pitadinha de condescendência, a
hipótese de que a orientação geral passada pelos comandos partidários aos
encarregados da marquetagem não contemple a avalancha de exageros detectada. Os
excessos cometidos correriam a débito do descontrole emocional ou fanatice de
apaixonados seguidores dos candidatos. Mesmo assim, sob mira crítica, não há
como desfazer, ou deletar, como se diz no linguajar internauta, a incômoda
sensação de que, na campanha em curso, os limites éticos vêm sendo extrapolados
pra valer. A propagação, às vezes com ímpeto de rastilho de pólvora, de
notícias desairosas, alvejando adversários, revela-se volumosa. Infinitamente
mais do que a própria e, aí sim, absolutamente necessária disseminação das
propostas de trabalho daqueles cidadãos que, na tentativa de sensibilizar o
eleitorado, proclamam-se dispostos a batalhar incansavelmente pela solução das
questões tormentosas enfrentadas no panorama brasileiro. E, pelo que se
percebe, esse indesejável estado de coisas está longe de arrefecer. Tende,
falar verdade, a agravar-se no breve pedaço de tempo que resta para a decisão
soberana e inapelável das urnas.
É oportuno enfatizar que o jogo democrático tem regras
claramente definidas. A livre expressão das ideias, as discordâncias, as
ruidosas manifestações populares fazem parte do enredo elaborado e garantido
pela Carta Magna. Levantar, a esta altura de nosso estágio democrático,
desconfiança e suspeição a respeito da legitimidade e seriedade de um sistema
de coleta e apuração dos votos mundialmente louvado pelo seu elevado grau de
eficiência, constitui expediente nada democrático, de baixo nível e deslavada
má-fé. De igual modo, há que ser visto como achincalhe aos nossos foros de
cidadania bravatices do estilo “vamos acabar tomando o poder, o que é diferente
de ganhar eleição...” É de se deplorar e de se estranhar também que, justamente
à véspera do pleito, fragmentos de depoimentos obtidos via delação premiada,
considerados juridicamente insuficientes como elemento probatório, sejam
extemporaneamente liberados para divulgação espalhafatosa. Coisa assim pode ser
interpretada como atentado à neutralidade que o Judiciário tem o dever de
sustentar diante de uma contenda política, sobretudo marcada por acesas
paixões.
Ao eleitor consciente impõe-se o discernimento de
saber distinguir, na frenética onda de impropriedades espalhadas, os propósitos
realmente positivos e edificantes, contidos nos projetos e propostas debatidos,
daquelas maquinações demagógicas e desconstrutivas que, desafortunadamente, enxameiam
a corrida atrás do voto. Por outro lado, o bom senso, os ditames éticos e
legais estatuídos pelo regime democrático reclamam dos candidatos, também nesta
mesma hora, que esmerem na apresentação de suas plataformas. Tratem de
convencer, pela argumentação, pelo conteúdo da pregação, as legiões de
votantes, tornando-os simpáticos à causa que abraçam.
A receita democrática é essencialmente esta: quem
conseguir aglutinar maior contingente de votos ficará, obviamente, investido da
sagrada missão de conduzir os destinos nacionais. A campanha finda no segundo
turno, se houver. Ao depois de anunciados oficialmente os resultados, de acordo
com o calendário estipulado, acontece a posse dos legitimamente escolhidos.
E se Deus assim permitir em resposta a justos anseios
da sociedade, estaremos inaugurando uma nova etapa em nossa história política.
Aguardada com expectativa, mais do que isso, com fervorosa esperança, essa nova
etapa, congregando as forças vivas e produtivas da Nação, haverá de favorecer a
retomada do desenvolvimento econômico e social. Haverá de garantir definitiva
ruptura com esse hiato de estagnação que tanto nos amargura.
A política,
segundo o
pensador Arduini
Cesar Vanucci
“(...) Política
é nobilitante e expressa sentido de cidadania.”
(Padre Juvenal
Arduini, sociólogo e professor)
Criatura admirável, provida de incomum sabedoria,
soube colocar os talentos do espírito a serviço do mundo, das causas sociais,
dos excluídos na partilha dos bens terrenos prodigalizados pela Natureza ou
produzidos pelo labor humano.
Chamava-se Juvenal Arduini. Padre, escritor, sociólogo, professor,
tribuno eletrizante. Desfrutei do privilégio de extensa convivência, muito
fecunda para mim em benefícios, com esse admirável mestre. Em certa ocasião, ao
homenageá-lo, disse-lhe que o considerava o padre Lebret brasileiro. Atualizo o
conceito. Nutro hoje convicção plena - repassando lances do seu trabalho
apostólico e revendo escritos brotados de sua pena refulgente e ensinamentos
transmitidos em sua fala civicamente desassombrada - que faz todo o sentido
proclamar também que o citado padre Lebret, festejado pensador, foi o Juvenal
Arduini francês.
Ao relembrar personagem de tão maiúscula presença na
cena intelectual, aquinhoado de dons humanísticos e espirituais invejáveis,
amigo muito querido, meu compadre, tomo a liberdade de substituir, com notória
vantagem para o leitor, meu comentário nesta véspera eleitoral por palavras
extraídas da vasta e valiosa obra deixada pelo mestre. São pensamentos
vigorosos, oportunos e atuais, como se verá adiante.
Vamos lá. Assim falou Juvenal: “Em tempo de eleições
(...) é oportuno refletir sobre a política. Política deriva de “poleteia”, no
grego. “Polis” significa cidade, região habitada. E “polites” é cidadão.
Verifica-se que, originalmente, política é nobilitante e expressa sentido de
cidadania.
Política é fenômeno eminentemente social e promove a
sociedade como todo. Política tem significado de associação, convivência e
aliança. A política existe para reunir pessoas, integrar grupos e povos para
responder aos desafios sociais. A verdadeira política suscita a socialização
substancial e elimina o dilaceramento feroz entre pessoas, organizações e
partidos.
A política está organicamente ligada ao povo. É
destinada a servir o povo e não a subordiná-lo a interesses mesquinhos. A
Constituição brasileira foi ousada e lúcida ao tratar da relação entre poder e
povo. No artigo primeiro, parágrafo 1, a Constituição declara: “Todo poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição”. Aí está proclamação constitucional lapidar que
dignifica Nação moderna. O poder emerge do povo. E também é exercido pelo povo
mediante os eleitores ou diretamente. O poder está no povo, permanece no povo.
O povo pode outorgar funções aos políticos, mas não lhes transfere o poder.
Estritamente, o poder é do povo e não dos governantes. Há políticos que agem
como se fossem donos do poder, que pertence ao povo. Isso é usurpação do poder
popular.
Há muitos tipos de política. A politica humanizada,
social, ética e comprometida com a população. A política prostituída, corrupta
e perversa. A política autoritária, tirânica e a política submissa, servil. Há
política séria que responde às necessidades da população e política corrompida
que se apodera dos recursos que pertencem aos pobres.” (...) “A realidade
política, em si, é valor humano, social, cultural e histórico. A política sadia
é necessária à sociedade. Não se trata de abolir a política, mas de limpá-la.
Há que resgatar o potencial político dos povos. É urgente instaurar (...) a
política da justiça e não da miséria. (...) A política da ética (...) A
política da vida e não da morte. A política deve estar comprometida com o
clamor da humanidade sofrida e com a responsabilidade histórica.”
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