quinta-feira, 1 de novembro de 2018


Posse na Amulmig

Cesar Vanucci

“Tu pisavas nos astros, distraída”.
(Manuel Bandeira considerava esses
versos de Orestes Barbosa  incomparáveis)

Em concorrida solenidade, prestigiada por figuras de projeção da cena intelectual, entre eles dirigentes de importantes entidades culturais mineiras, capital e interior, a Academia Municipalista de Letras de Minas empossou, no dia 16 de outubro, a diretoria que irá reger seus destinos no próximo biênio. Elizabeth Rennó, presidente da Academia Mineira de Letras e presidente honorária da Amulmig, empossou os eleitos, proferindo aplaudido discurso. Também discursaram Luiz Carlos Abritta, presidente da Academia de Letras do Ministério Público, Aluízio Quintão, presidente do Instituto Histórico e Geográfico, as acadêmicas Maria Armanda Capelão, Maria Inês Chaves de Andrade e Cândida Cortes Carvalho. O ritual da posse foi conduzido pela acadêmica Angela Togeiro. A programação musical esteve a cargo do tenor Marzo Sette Torres.
Investido pela segunda vez na presidência da Municipalista, fiz um pronunciamento que peço permissão para compartilhar com os distintos leitores. Depois das saudações de praxe, registrei os conceitos, revelações, observações a seguir reproduzidos.
“Amparado na inestimável colaboração dos companheiros cuidarei (...) de colocar todo empenho em favor da sustentação do brilhante trabalho levado a cabo nestes 55 anos de existência por nossa instituição, de modo tal possa ela continuar sendo enxergada (...) como um pujante centro de irradiação cultural, serena guardiã de saberes acumulados.

Passei a integrar os quadros da Municipalista em 2008. Mas já acompanhava seu belo trabalho desde a década de sessenta.  Eva Reis, festejada poeta, de lembrança saudosa, convidou-me para saudá-la na sessão em que se deu seu ingresso nesta Casa, ano de 1966 (...) Na saudação, sustentei que a música popular brasileira oferece extraordinário manancial poético. Recorri à fala de um certo Manuel Bandeira em que esse vate, craque nacional na manifestação poética, destaca o verso “tu pisavas nos astros distraída”, de Orestes Barbosa, da linda canção “Chão de estrelas” (...), como o mais belo da poesia brasileira. O que sobreveio estava fora do enredo. Ilustre membro da Amulmig, intelectual renomado, já não mais em nosso convívio, discordou de minhas singelas observações. Aparteou-me com veemência, introduzindo na cerimônia, pra surpresa geral, inusitada polêmica.

O inesperado lance ajudou-me a compreender aquilo que, anos depois, o estimado Murilo Badaró, saudoso presidente da Academia Mineira de Letras, andou explicando em sábio pronunciamento: as academias não comportam dissidências, mas em razão do acendrado respeito à liberdade de expressão, são palco permanente de naturais divergências.

As discordâncias não impedem o entendimento convergente quanto à missão institucional, constante do compromisso ético e dever cívico de zelar pela cultura e pelo idioma. Luiz Carlos Abritta define a Amulmig como “um oásis de confraternização, solidariedade e amizade”. Está coberto de razão.

A celebração da vida – proclamam humanistas e espiritualistas – é escorada nas diversidades. Diversidade no plano das ideias, das crenças, das atitudes comportamentais (...)

O todo assombroso do Cosmos (...), com suas inexplicabilidades, é composto de variedades e diversidades. Acatar a diversidade, respeitar as diferenças (...) são formas de resistir às impertinências dos radicalismos bolorentos que tantos malefícios provocam na convivência humana.    

Quem acompanha os pronunciamentos (...) deste desajeitado (...) escriba (...) sabe da insistência com que defendo o respeito aos valores da genuína cultura nacional. Monteiro Lobato é fonte em que bebo inspiração para a censura que faço, amiúde, à descabida utilização de estrangeirices de gosto duvidoso para classificar situações óbvias do cotidiano. “O idioma é a pátria”, proclamava o grande escritor.

Deploro, com constância (...), o emprego desabrido, como tanto se vê na televisão, na publicidade (...), de vocábulos extraídos de idiomas alheios. A macdonaldização em falares do dia a dia sinaliza claramente pauperismo intelectual, indigência cívica, subserviência cultural e babaquice ampla, geral e irrestrita.

Estabeleci em minha rotina (...) mecanismos de resistência a esse desagregador modismo. A quem me comunica estar trazendo um “book” pra avaliação, recomendo que retorne, noutra hora, com o currículo (...). A quem me promete um “feedback”, (...) indago se a expressão  não representa novo rótulo de uísque ou marca de presunto. Recuso-me a entrar em loja que anuncie queima de produtos na base do “sale” e “off”. Em meus tempos de televisão, recomendava (...) que os tais “breaks” fossem substituídos por intervalo, pausa, por aí. Um amigo, certa vez, conhecedor de minha postura, confessou não ousar mandar-me ir a um “fast food”. Com receio da resposta...”


O acadêmico JK

Cesar Vanucci

“Alegre como uma janela aberta”.
(Paulo Pinheiro Chagas, referindo-se a Juscelino)


“Quero reafirmar, nesta singela fala, minha inabalável crença nos valores da brasilidade. Mesmo em instantes pontuados por adversidades, frustrações e perplexidades, é preciso cultivar na inteireza o sentimento nacional. O Brasil é maior, infinitamente maior, do que os problemas (...) suscitados pelos desatinos políticos e incompetência administrativa, que tanta indignação descarregam nas ruas. Não há como desacreditar das virtualidades da (...) gente brasileira, nem desconhecer das potencialidade incomparáveis deste país continente.


No fundo, bem no fundo do coração, cada brasileiro transporta a esperança ardente de que as nuvens espessas de momentos conturbados possam ser dissipadas. Poderosa egrégora energética, nascida dos corações fervorosos de brasileiros e brasileiras de boa vontade, haverá de inundar de luminosidade intensa os horizontes, sinalizando a invasão do futuro. O Brasil é que nem o mar. Não se pode descrever o mar utilizando palavras referentes aos enjoos das travessias de curta duração.

Estas palavras e estes anseios remetem-me à lembrança de uma magnífica figura. Um cidadão que marcou, como nenhum outro, na vida pública contemporânea, a história deste país. Membro de maior projeção nos quadros de associados desta nossa confraria acadêmica. Está claro que estou falando do acadêmico Juscelino Kubitschek de Oliveira. O prédio que nos acolhe pertenceu-lhe. Seu ingresso neste sodalício ocorreu em circunstâncias singulares, cabendo realçar o desassombro cívico do então presidente e fundador da Amulmig, Alfredo Marques Vianna de Góes. Porta-vozes dos donatários do poder naquela fase da ditadura fizeram chegar à Amulmig seu veto formal à presença de JK. A reação de Alfredo enalteceu nossos foros de cidadania. Ignorou a ameaça, encarou os riscos e empossou o carismático Nonô de Diamantina.

Recordar a saga de JK, mencionar sua passagem por esta Academia, é um ato que serve para exaltar o espírito humano (...). Relembrar o Brasil (...) dos tempos de JK, de sua aventura vital extraordinária, é algo de importância colossal, numa hora em que o cenário nacional, o cenário mundial, revelam-se, ambos os dois, escassos de lideranças cintilantes, empobrecidos de ideias e de projetos capazes de reconectarem o mundo com sua humanidade.

Bastaria Brasília para imortalizá-lo. Brasília representou o mais arrojado feito arquitetônico, com conotações políticas e administrativas, da história mundial na época da implantação.


Mas a magnífica obra de Juscelino foi muito além. Suas utopias contemplaram insuspeitadas latitudes na geografia demarcada pela atuação convencional de governo. Impulsionado por fervor dir-se-á místico e muita ousadia criadora, JK foi um redescobridor do Brasil. “Alegre como uma janela aberta”, apoderado da paixão “de servir e de ser útil”, exprimindo virtudes e defeitos de sua gente, como anotou meu saudoso padrinho de casamento Paulo Pinheiro Chagas, excepcional tribuno e escritor, num magistral ensaio (...). Ele, Juscelino, encarnou, como nenhum outro personagem de grande relevo na cena política (...), o verdadeiro sentimento nacional. “De todos nós, é o nome dele que vai durar mil anos”. A frase pertence a Afonso Arinos. Outros adversários, em retratação histórica (...), viram-se obrigados, nalgum momento, a reconhecer seus méritos de estadista.


Combatido implacavelmente por minoria raivosa, escorada nas ações de uma mídia (...) predominantemente hostil, alvejado pesadamente na dignidade pessoal, cassado, preso, banido da pátria a que soube servir com incomum denodo, destemor cívico e espírito democrático, o Nonô de Diamantina legou aos compatriotas um patrimônio imensurável de realizações e ideias fecundas.

Sua vida e obra asseguram-nos uma fonte inesgotável de inspiração nas lutas empreendidas pela sociedade na tentativa de conquistar o futuro e galgar patamares mais elevados em matéria de bem-estar social e econômico para todos nós.

Considero tempestivo citar Juscelino pelo fato de ele ter sido alguém que soube encarnar admiravelmente o sentimento nacional; alguém que acreditou arrebatadoramente na vocação de grandeza deste País; projetou de forma exuberante, sem equivalência entre seus pares, um estilo de liderança do qual nos achamos terrivelmente carentes nesta hora de decepções e aturdimentos. (...) Nosso confrade da Amulmig é símbolo de um Brasil autenticamente brasileiro (...).

As utopias são parte indissociável da peregrinação do ser humano pela pátria terrena. “Sonho, logo existo”, comentou alguém, algum dia, em algum lugar.

Desajeitado propagador de ideias que costumam roçar as fimbrias da quimera, não abdico, jeito maneira, apesar de tudo quanto possa rolar de adverso por aí, de minhas crenças humanísticas e espirituais. É o meu jeito de ser, na tentativa de compreender e propalar o sentido da vida.”

Posse de JK na Amulmig 

Esta foto histórica, registrando a posse de JK na Amulmig, foi recentemente resgatada dos arquivos da entidade pela Acadêmica Angela Togeiro.







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