sexta-feira, 11 de janeiro de 2019


Um homem adiante do seu tempo


Cesar Vanucci

“Cabe ao padre Landell toda a glória da invenção.”
(Registro de jornal sobre a transmissão pioneira de som num aparelho sem fio)

A trajetória percorrida pelo padre Landell Moura em sua peregrinação pela pátria terrena é recheada de referências cintilantes. Há um acervo muito precioso de feitos científicos e de manifestações de exaltação do espírito humano, provindos de seu talento criativo e capacidade empreendedora, com mira na evolução civilizatória. Esse brasileiro genial, já revelamos aqui, foi a primeira pessoa a fotografar a aura humana. Mas a sua participação foi muito além. Suas marcas digitais acham-se impressas na ciência, tecnologia, psicologia, pesquisas de fenômenos transcendentes inexplicáveis à luz do conhecimento consolidado na época em que viveu. É o que mostra farta documentação coletada pelo Núcleo de Pesquisas e Estudos Landell de Moura, pelo Movimento e Memorial batizados com o seu nome, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Numerosos trabalhos desenvolvidos por pesquisadores e historiadores, notadamente gaúchos, reforçam a tese. Mesmo assim, à falta de alarde maior de suas portentosas realizações, como seria justo almejar, a história desse notável personagem permanece ainda, para a maioria de seus compatriotas, envolta nas brumas do esquecimento. E um tanto quanto ignorada pelo resto do mundo.

Landell Moura é apontado, por figuras de alta qualificação na área da telecomunicação, como pioneiro nos experimentos que abriram caminho para a transmissão de sons e sinais telegráficos sem fio por meio de ondas eletromagnéticas. Há quem admita ter sido ele o primeiro, entre os inventores, a acenar com o surgimento do telefone e do rádio. De seus registros biográficos consta que ele realizou testes muito bem sucedidos em ambas as modalidades de transmissão a partir de 1893. Enfrentando dificuldades técnicas e financeiras para movimentar as pesquisas, confrontando tenaz resistência e cáustica incredulidade por parte das autoridades, opinião pública e superiores eclesiásticos, o padre-inventor conseguiu mesmo assim conceber aparelhos emissores de sons e sinais. Elaborou também inúmeros projetos classificados por gente do ramo como inéditos na projeção de imagens. O fato remete à admissão do caráter precursor de suas intervenções nos fascinantes domínios da televisão e fibras óticas.

A “Wikipédia” fornece a propósito da vida e obra de Landell Moura informações interessantíssimas. Alinhamos abaixo, condensadas, algumas delas. Ele previa a possibilidade da comunicação com inteligências de outros mundos. Defendia a quebra do celibato sacerdotal. Promovia estudos sobre as chamadas manifestações mediúnicas. Valia-se dos instrumentais da psicologia para aprofundar-se na avaliação das reações comportamentais humana. Sustentava a eficácia da homeopatia. Por conta de suas ideias e realizações levantou, em diversos momentos, vociferações iradas de fanáticos fundamentalistas. A intolerância com relação ao seu trabalho chegou a tal ponto que, em certa oportunidade, vândalos destruíram o laboratório em que promovia experimentos em Campinas. Em 1892, antes mesmo de Marconi anunciar êxito nos testes que o consagraram mundialmente, o inventor brasileiro construiu o primeiro transmissor sem fios de mensagens. De acordo com Fornari, seu contemporâneo, autor da primeira biografia do padre, Landell conduziu, entre 1893 e 1894, a primeira transmissão pública de som por meio de ondas hertzianas. O evento aconteceu entre pontos identificados como o Alto da atual avenida Paulista e o Alto do Santana, na capital paulistana, cobrindo distância de 8 quilômetros. Na mesma ocasião, ele ainda testou um transmissor de ondas, um equipamento de telégrafo sem fio e um aparelho telefônico sem fio. Depoimentos atribuídos a um sem número de personalidades da época, estampados no “Correio do Povo”, resgatados por Hamilton Almeida, colocam suas primeiras demonstrações trazidas a público no período que medeia os anos 1890 e 1896. Os registros das bem sucedidas ações foram se acumulando. Por volta de 1899 o “Jornal do Commércio” divulgou façanha mundial pioneira de Landell no tocante à transmissão do som sem fio. O texto vindo a seguir é extraído do referido órgão: “Nas diversas experiências executadas recentemente notou o inteligente inventor, que a zona que à mercê das vibrações do éter percorrem o som articulado, se vai alargando à medida que se aproxima do receptor, de modo que, colocando-se vários desses receptores dentro do mesmo campo de recepção, alguns metros separados um dos outros, todos eles recebem ao mesmo tempo com a mesma clareza a palavra transmitida. Deste resultado, que se saiba, não o obteve sábio algum, nem no velho nem no novo mundo. Cabe ao padre Landell toda a glória da invenção. Para tal alcançar não se pense que o infatigável homem de ciência foi de um salto. Há muitos anos que faz experiências e estuda metodicamente, entregando-se inteiramente à construção do triunfo que acaba de conseguir, sujeito por certo às leis da mais esquisita precisão, das quais fez nascer o seu pequeno aparelho transmissor e seu pequeníssimo receptor.”

As fontes em que nos louvamos para compor esta narrativa sobre o fulgurante itinerário do genial brasileiro assinalam que em 3 de junho de 1900 ocorreu a primeira inequívoca e consagradora demonstração pública dos extraordinários inventos  atribuídos a Landell Moura.


Landell teve seu momento de Galileu

Cesar Vanucci

“Os inventos não mais me pertencem!”
Padre Landell Moura)


Como revelado em comentário anterior, Roberto Landell Moura requereu e obteve as patentes de alguns inventos durante sua permanência nos Estados Unidos. A divulgação de seus feitos atraiu a atenção de empresários norte-americanos, que lhe propuseram parceria para a produção industrial dos aparelhos concebidos. O padre-inventor brasileiro recusou, entretanto, a chance que se lhe ofereceram de tornar seu fabuloso trabalho conhecido em ampla escala. A atitude assumida contrastou com a de outros inventores geniais, como Thomas Edison e Alexander Graham Bell, que se fizeram celebridades mundiais graças a portentosas criações técnicas naquele preciso momento de pronunciada efervescência científica vivido pela nação norte-americana. Assinalou, candidamente, a propósito, o seguinte: “Os inventos já não mais me pertencem! Por mercê de Deus, sou apenas o depositário deles. Vou levá-los para minha pátria, o Brasil, a quem compete entregá-los à humanidade”.

Fica difícil avaliar o tamanho de sua frustração! As lideranças brasileiras não se sensibilizaram nadica de nada com essa manifestação de idealismo, desprendimento e civismo. De volta ao Brasil, designado pároco de Botucatu, requereu, esperançoso, recursos oficiais para a continuidade do trabalho e lançamento dos inventos em proveito comunitário. Os apelos não encontraram eco. Reivindicou do governo Rodrigues Alves que disponibilizasse dois navios da Marinha para um teste pioneiro no mundo de transmissão sem fio a longa distância. O pedido foi rejeitado com desdém. Houve no alto escalão quem classificasse Landell de “maluco”. Abra-se aqui parêntese para anotar que, mais ou menos na mesma época, navios da Marinha dos Estados Unidos foram cedidos a inventores estadunidenses para pesquisas assemelhadas.

Os obstáculos antepostos à ação vanguardeira de Landell causaram-lhe compreensível desgosto. Mas não o esmoreceram. Sua capacidade inventiva manteve-se incólume. Seu diálogo com o poder político e superiores religiosos mostrou-se, inúmeras vezes, tumultuado e tenso. Mas ele conservou-se confiante na empreitada de contribuir para o engrandecimento da ciência e a inclusão do Brasil “na ampla e ilimitada esfera dos modernos cometimentos científicos”. Dizia sempre que seu trabalho visava abolir superstições e fortalecer a fé. A declaração vinda abaixo é emblemática: “Desejo mostrar ao mundo que a Igreja Católica não é uma inimiga da ciência e do progresso humano. Indivíduos da Igreja podem num e noutro caso ter se oposto à luz, mas fizeram-no na sua cegueira pela verdade católica. Eu próprio já deparei com grande oposição de meus companheiros de fé. No Brasil, um populacho supersticioso, afirmando que eu tinha partes com o diabo, invadiu o meu gabinete e destruiu o meu aparelho. Quase todos os meus amigos de educação e camaradas intelectuais, seculares e leigos indiferentemente, consideram as minhas teorias contrárias à ciência. Sei bem o que é sentir como Galileu e exclamar como ele: “E pur si muove”. Quando todos eram contra mim, eu contentava-me em conservar-me no meu terreno, e dizia: É assim; não pode ser de outro modo”.

A “Wikipédia” registra outros trechos eloquentes e sugestivos da visão científica desbravadora de Landell. Estes ditos seus são de 1893. “Todo movimento vibratório que até hoje, como no futuro, pode ser transmitido através de um condutor, poderá ser transmitido através de um feixe luminoso; e, por esse mesmo fato, poderá ser transmitido sem o concurso desse agente. (...) Todo movimento vibratório tende a transmitir-se na razão direta de sua intensidade, constância e uniformidade de seus movimentos ondulatórios, e na razão inversa dos obstáculos que se opuserem à sua marcha e produção. (...) Dai-me um movimento vibratório tão extenso quanto a distancia que nos separa desses outros mundos que rolam sobre nossa cabeça, ou sob nossos pés, e eu farei chegar minha voz até lá.



Preparativos de Natal

Cesar Vanucci

“E o menino da manjedoura, onde é que ele entra nisso?”
(Dona Candinha, arrematando discussão)


- Manda chamar os meninos pra resolver o assunto. Pra mim, domingo pela manhã está de bom jeito.

Porfírio definiu, desse modo, com Emerenciana, a cara-metade, a reunião com os filhos, noras e genros para discussão dos preparativos das comemorações natalinas. Nem todos familiares convocados para o encontro puderam comparecer. Lavico, o mais novo, solteiro, alegou haver assumido com companheiros do clube dos motoqueiros, no mesmo dia e horário aprazados, compromisso irrevogável de percorrer uma trilha recém-aberta na zona rural de São José do Mantimento. Flavinha, amargando a recente separação conjugal, mandou pedir desculpas pela ausência, motivada por viagem pra Trancoso onde pretende flanar até o carnaval. Os demais filhos, Laurita, Segismundo e Betão, acompanhados dos respectivos cônjuges, Celinho, Arminda e Gerusa, atenderam à convocação, trazendo contribuições para o debate acerca da organização do festejo.

Enquanto Emerenciana servia os saborosos tira-gostos e bebidas requisitados para a ocasião, Porfírio tomou da palavra para explicar o objetivo da reunião. Lembrou que o Natal é, por excelência, um momento de congraçamento familiar. Gostaria, portanto, que todos marcassem presença numa única festividade. Para isso queria ouvir sugestões e propostas. A primeira intervenção foi de Laurita, filha mais velha. Na opinião da dita cuja, “deveríamos, todos, adquirir um número necessário de mesas num hotel de classe “A” para uma comemoração verdadeiramente condigna”. Largada no ar a sugestão, dirigiu-se ao esposo, professor de Português, indagando: “comemoração condigna, é assim mesmo que se diz?” A resposta de Celinho, com o olhar, tranquilizou-a, animando-a a partir pros detalhes de uma “oferta supimpa de serviços natalinos” encaminhada por “um estabelecimento de categoria”, conforme folheto ilustrado em mãos. Rega-bofe do melhor, espumante francês autêntico, árvore de Natal carregada de caixas de chocolate importado, a serem distribuídas entre os convivas, conjunto musical de renome com repertório carnavalesco de primeira pra execução a partir da meia noite.

A mulher de Betão, Gerusa, como de praxe, discordou da cunhada. Sustentou que Natal “é pra ser comemorado em casa”. Tanto é que ela, marido e filhos já haviam deliberado passar a noite de 24 na residência dos pais dela, o que não significava não pudessem reservar, também, noutra faixa de horário, um tempinho pra confraternização com os sogros. O Betão adicionou à explicação da patroa a notícia de que seu filho Tininho, integrante de uma banda “que já se apresentou até na televisão reservou espaço no enorme jardim do casarão dos avós maternos, onde se dará a folia, para show especial, na base do roque bate-estaca, já tendo, por sinal, convidado toda sua agitada patota.”

Chega a hora de Segismundo e Arminda opinarem. Eles são pela realização da festa na casa de Porfírio e Emerenciana. “Afinal de contas, a casa-matriz de nós todos”, ponderam, felizes com a manifesta demonstração de concordância do casal anfitrião à ideia. Mas, em seu entendimento, o sucesso da comemoração só ficará devidamente assegurado com a contratação do bufê mais requintado da cidade. “Aquele dirigido por um famoso “chefe” belga, que atuou no casamento mais badalado da temporada, conforme saiu no jornal. Tinha faisão, javali, caviar, cascata de camarão. Nada dessa coiseira de peru, chester, sardinha, onde já se viu!”

“Quanto à decoração – anotou-se ainda – pra ficar mais em conta, a gente mesmo assume, com a ajuda, tá claro, de uma arquiteta, nossa vizinha. Ela cobra quantia razoável pela iluminação do jardim, num estilo que possa lembrar, guardadas as proporções, a praça da Liberdade”.

O papo, bastante acalorado, avançou nesse diapasão por bom pedaço de tempo, com excessivos “comes e bebes”, mais “bebes do que comes”, sem se chegar a uma conclusão sobre como fazer o Natal. Dado momento, Emerenciana atentou para a circunstância de que dona Candinha, sua veneranda genitora, quietinha da silva no canto da sala, aboletada na poltrona cativa, bastante lúcida para seus bem vividos 90 anos, embora acompanhando com atenção a prosa da corriola familiar, ainda não havia emitido nenhum ponto de vista sobre a momentosa questão debatida. Resolveu provocá-la: - E a senhora, aí, mamãe, o que acha?

A resposta parecia já estar engatilhada na pontinha da língua: - O que eu penso é que vocês estão jogando muito palavrório fora sem falar bulhufas no aniversariante.

“Mas alguém aniversaria na data?” – perguntou num rompante, sem se dar conta do vexame, a despachada Celinha. “O menino da manjedoura, sua tolinha, o menino da manjedoura. Cumé que ele entra nisso?”. Dona Candinha falou e disse assim, assim se calou. Ninguém se aventurou a mais perguntas. E a movimentada reunião terminou sem qualquer definição sobre a comemoração.






O bicho-homem e o ser humano.
Maria Inês Chaves de Andrade*

Na mitologia grega, Croto é um sátiro considerado o inventor dos aplausos, tendo sido colocado por Zeus entre as constelações, tanto reconhecimento ao talento alheio promovia. O excroto, então, definamo-lo como aquele que perdeu a capacidade de perceber a excepcionalidade, fomentando o contra-espetáculo da humanidade, tão indisposto ante os sujeitos de direitos em atuação. Ora, tomemos o espetáculo da humanidade como aquele em que ensaia o ser humano, contracenando com o bicho-homem, sob o mesmo figurino aparente, mas essencialmente distintos em seus papéis. Ao ser humano cabe-lhe fomentar a efetivação dos direitos humanos – estejam todos positivados - para que assim se reconheça humano, através do Outro, sendo. Ao bicho-homem interessa-lhe saciar sua fome quando, para a satisfação de seu apetite subjetivo, autoriza-se a deglutir o quê e quem for preciso, gente e meio ambiente. O ser humano privilegia a Razão enquanto o bicho-homem, a animalidade; o primeiro, pela consciência de si como animal racional, e o segundo, ignorante desta dialética, subjugado pelos influxos da natureza, ostenta uma racionalidade amiudada. A fome do ser humano tem profundidades; a do bicho-homem, profundezas. O apetite do bicho-homem é vário: moral, econômico-financeiro, sexual. É quando a moralidade promove a supressão ou adequação do Outro que não comunga consigo, consciência e “igreja”; quando o capitalismo ampara a selvageria e, recepcionando o homem como lobo do homem, convive com a escravidão, a exploração do trabalho infantil, a ofensa aos direitos individuais e sociais; quando o fazer amor se degenera em estupro e sevícia. O ser humano sabe-se imagem e semelhança do Ser Humano primevo, o Verbo tornado, então, carne de homem, mas distinto dele, essencialmente. O bicho-homem manufatura Deus à sua imagem e semelhança. Ambos embatem no teatro da vida, social e politicamente. O bicho-homem elege bancadas e o político excroto que o representa desconhece a pluralidade do elenco de atores que somos e a nenhuma demanda aplaude, senão as de seu roteiro fatigante. Sua egolatria releva o “eu” enquanto primeira pessoa e de tão singular, conjuga espelhos morais para que nenhum reflexo social não seja o sEu. No bicho-homem, a essência humana se corrompe e apesar da aparência, revela-se imprestável à representação. É quando do político excroto, ainda, diz-se dele que corrupto. A deterioração pública da essência humana revela a potência daquele bicho-homem enquanto predador, demonstrando que a aparência não o sustém no propósito que assume, legal e constitucionalmente. O bicho-homem se imiscui por toda a sociedade, mas é a relação dele com o poder que o denuncia. O ser humano sabe que o poder, qualquer que seja ele, é uma força a serviço da liberdade e por ela labora enquanto o bicho-homem o crê adstrito a si e, de tão complexa esta sua relação, na senda psicanalítica, diz-se dele que complexado. Os excrotos são muitos, mas foi Croto quem foi colocado entre as constelações porque, de tanto aplaudir, mereceu estrelas. As luzes da ribalta estão acesas e ascendida a essência humana na expectativa de sua efetividade. O espetáculo da humanidade precisa ser encenado por todos os homens de boa vontade – de vontade de povo, na peça “A Constituição da República Federativa do Brasil”, em palco de cidadania. Croto quer aplaudir enquanto o excroto vai a... Vaia sempre. Ora, a homofonia sugere mesmo o calão, mas muito mais cala fundo e não temos como dizer. O neologismo é nossa revanche.


* Vice presidente da ONG "Proação"

Um comentário:

Paulo Miranda disse...

Não seria isso uma pérfida manobra para se colocar - ou cloacar - e homo erectus como bom, e ruim o croto-magnon...?

A SAGA LANDELL MOURA

Privatização que não deu certo

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