APELO AO INVENTOR
Já inventaram o trem, o avião, a
matéria-plástica e a bomba-atômica. Até a coca-cola..., que de inventores o
mundo anda cheio. Felizmente.
A imaginação humana é incansável e
copiosa. Despontam descobridores entre homens e mulheres de ciência, entre
mecânicos, químicos e artistas, figurinistas e físicos. Já se criou tanta coisa
nova, boa ou má, que estatística alguma poderia enumerá-las.
Mas convoca-se hoje, um técnico
moderno e muito aperfeiçoado, um inventor capaz de redescobrir. Sim!
--- Quem quer inventar agora um
silêncio sólido e confortante? Igual àquele silêncio antigo e amplo que, aos
poucos, vai se tornando lenda?
--- Quem pode devolver o sossego à
cidade da máquina e do torvelinho? Ao solo do trator e ao espaço do avião? Já
transpuseram a velocidade do som, mas quem o deterá?
De repente, a gente precisa muito do
silêncio e não o encontra. Procura-se, indaga-se, mas tudo inútil. Grita-se por
ele, faz-se um chamado, um convite, sempre em vão. Vai-se comprá-lo, ninguém o
vende.
--- Que fizeram dele? Quem o levou?
Perdemos o carinho pelo silêncio e
ele vinga-se furiosamente de todos os lados. Cada máquina moderna cobrou dele o
seu preço.
Hoje, só o barulho anda solto, faz
comício e ganha posto. Não o expulsam, pelo contrário, fizeram-no dono do
mundo. Ele vem do martelo escandaloso, construindo um prédio, corre maluco
acompanhando os automóveis e motocicletas. Grita nas esquinas, brinca com as
crianças, invadindo céus e terra. Faz ponto na cidade, no vizinho, na nossa casa.
Entrou nas fábricas e nos autofalantes, é chefe das ruas e das praças.
Não nos deixam refúgio algum.
Até na música ele vai fazendo suas
incursões, às vezes perigosas, às vezes descaradas.
Suplantado, o silêncio retraiu-se.
Procurou o interior, virou caboclo, passou de moda. Está agora escondido nas
fazendas, encabulado, espezinhado, arredio.
Por isso é justo que se pergunte:
--- Quem quer inventar um silêncio
forte e gigantesco, que resista a tudo?
Um silêncio, certamente atômico, que
cale os ruídos, saiba repousar e não se envergonhe de aparecer numa cidade
grande! Um silêncio provinciano, que possa ser nosso, ao menos num dia de
trabalho exagerado ou numa noite teimosa de insônia?
(Do livro Luz sobre o Mar, p.45,
1967, de Célia Laborne)
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