Conspiração cartográfica
"O
mapa mente!"
(Eduardo
Galeano, escritor uruguaio)
“É loucura, mas há um método nela!” A sabedoria shakespeariana
explica magistralmente a insânia das manobras desencadeadas por estrategistas da
geopolítica em seus nefandos propósitos hegemônicos de usurpação, subjugação e
dominação. Nem os registros cartográficos escapam da conspiração montada.
Confesso, honestamente, que nunca, jamais, em tempo
algum, passou-me de leve pelo bestunto a estapafúrdia ideia de que o mapa mundi
utilizado em consultas, desde os começos escolares, seja inexato, incorreto nas
proporções, oferecendo uma noção falsa, superavaliada, da grandeza geográfica
dos países do chamado primeiro mundo. Provocado pelo que conta a respeito
Eduardo Galeano no livro "De pernas pro ar – a Escola do mundo ao
avesso", resolvi conferir e acabei me certificando, arregalado de espanto,
que a revelação, denúncia, ou o que quer que seja a informação transmitida pelo
saudoso pensador uruguaio, está absolutamente certa. A linha do equador não
atravessa, realmente, a metade do mapa mundi, como se aprende na escola. O rei
da geografia, como diz Galeano, está nu. E não é que isso já havia sido
constatado, na moita, debaixo de silêncio sepulcral, há mais de meio século,
por um cientista alemão de nome Arno Peters?
Mas o mais adequado nas circunstâncias é deixar a
palavra escorrer pela boca do próprio escritor: "O mapa mundi que nos
ensinaram dá dois terços para o norte e um terço para o sul. (...) A Europa é
mais extensa do que a América Latina, embora, na verdade, a América Latina
tenha o dobro da superfície da Europa. A Índia parece menor do que a
Escandinávia, embora seja três vezes maior.
Os Estados Unidos e o Canadá ocupam no mapa mais
espaço do que a África, embora correspondam apenas a duas terças partes do
território africano.”
Adotando-se a mesma perspectiva da análise de
Galeano, dá pra ver que a configuração do Brasil, detentor da quarta ou quinta
maior extensão territorial entre os demais países, está igualmente
desproporcional no atlas.
Isso posto, qual a razão dessa desconcertante distorção
da geografia e da história, há tantos anos ignorada ou tolerada? Galeano não
deixa por menos: "O mapa mente! A geografia tradicional rouba o espaço,
assim como a economia imperial rouba a riqueza, a história oficial rouba a
memória e a cultura formal rouba a palavra.". Ele está a falar de um
processo espoliativo incessante que tem como alvo os países do hemisfério sul.
Um processo, como sabido e notório, inclemente do ponto de vista econômico e
social com relação ao chamado mundo subdesenvolvido, vez por outra apelidado de
terceiro mundo, onde se costuma aplicar também a classificação de
"emergentes", a critério dos "donos do planeta", a um que
outro país provido de potencialidades impossíveis de passarem, o tempo todo,
despercebidas aos olhares mundiais.
Essa cabulosa história do atlas mundial mutilado
deixa-nos com aquela mesma sensação de insuportável desconforto trazida, tempos
atrás, pela revelação de que alguns livros didáticos em escolas de ensino
fundamental nos Estados Unidos mostram a Amazônia brasileira como região sob
controle internacional. Uma coisa parece ter tudo a ver com a outra coisa. O
inacreditável, imoral e ilegal redimensionamento cartográfico há que ser visto
como um instrumento a mais de irradiação de mensagens subliminares insistentes
com propósitos que deixam sob ameaça, em seus direitos, sua cultura, soberania
e integridade, os países da banda de cá do equador. Essa a leitura a extrair
dos fatos. Melhor dizendo, dos mapas.
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