O
Papa “herege”
Cesar
Vanucci
“O
radical é alguém com os pés firmemente plantados no ar.”
(Franklin Delano Roosevelt)
Retomamos,
como prometido, o desconcertante tema das coisas estranhas soltas no ar, em
tudo quanto é canto, que andam ensombreando os horizontes na hora presente. São
sinais perturbadores. Provocam espantos e geram inquietações, já dissemos.
A
exacerbação fundamentalista, disseminada mundo afora, fonte matricial de iradas
desavenças que colocam, volta e meia, em xeque a concórdia entre os homens e
alveja, implacável e perversamente, a dignidade humana, dá mostras sobejas de
seus propósitos de sabotar a evolução civilizatória. A pretextos os mais
esdrúxulos, os fundamentalistas de todos os matizes ideológicos esforçam-se por
compor ordem de vida em visceral desarmonia com as crenças humanísticas e
espirituais que apontam os caminhos corretos a percorrer na jornada
existencial.
A
ofensiva desvairada de grupos ultraconservadores contra o magnífico Papa
Francisco, acusando-o de herege, é uma demonstração eloquente a mais da
conspiração obscurantista em marcha contra os direitos fundamentais. Tais
direitos – vale anotar sempre - fazem parte indissociável da cidadania humana.
Derivam de recomendações expressamente contidas na mensagem serena e objetiva
em prol da prosperidade social, chegada do fundo e do alto dos tempos. Mensagem
que encontrou num Papa providencial, único grande estadista do mundo
contemporâneo, magistral e convincente arauto.
Em
carta aberta de 20 páginas, elementos pertencentes a retrógrado movimento
“integrista católico” - que estão para a Igreja, no campo das ideias, sem
ostentar obviamente o furor bélico terrorista, assim como os fanáticos
jihadistas estão para o Islã – acusam o Sumo Pontífice de atitudes heréticas. O
radical grupo utilizou sitio dito católico, ultraconservador, intitulado
“Lifesitenews”, frequentemente empregado como plataforma para ataques ridículos
às prédicas e decisões de Francisco, para proclamar que as “palavras e ações do
Papa Francisco, ao longo de vários anos, deram origem a uma das piores crises
da Igreja Católica.” Dos 19 signatários do documento, padres e acadêmicos, o
mais conhecido é um teólogo inglês dominicano, Aidan Nichols. O texto sustenta
que Francisco vem se revelando “negligente” diante de uma lista de assuntos de
conteúdo doutrinário. Os autores são de parecer que ele não tem se posicionado
“abertamente o bastante” contra o aborto. Mostra-se, de outra parte,
“condescendente” quanto ao homossexualismo e “tolerante em demasia” com relação
a pessoas que professam outras religiões, caso dos protestantes e muçulmanos,
por exemplo. Trecho expressivo da crítica se concentra na “Amoris Laetitia”
(“Alegria do Amor”, em tradução livre), encíclica considerada por especialistas
básica num trabalho evangelizador que tende a fazer da Igreja Católica, com
seus 1,3 bilhão de seguidores, instituição mais inclusiva e menos condenadora.
No pronunciamento em foco, Francisco clama por uma Igreja menos restritiva e
mais compassiva, que se capacite a usar mais eficazmente a misericórdia e a
caridade na avaliação do comportamento dos dramas pessoais humanos.
Fica
bem claro, nessa manifestação extremista, que aos críticos de Francisco
desagrada profundamente o combate sem tréguas por ele movido às imposturas que
retardam o desenvolvimento social, impedindo o acesso de multidões de excluídos
às conquistas do bem-estar favorecidas pelos avanços tecnológicos. Os
adversários do Pontífice não ocultam seu desassossego quando ele vergasta a
ordem econômica e geopolítica injusta vigente. Quando condena a ganância e o
utilitarismo egoísta de muitas lideranças influentes na condução dos destinos
humanos.
A
verdade, amor, a justiça aplicados ao campo social, acenando com transformações
sociais necessárias e urgentes, convocando a sociedade a práticas ecumênicas e
realizações que se inspirem nas leis naturais para uma construção social justa,
são palavras sábias ditadas por Francisco que esse pessoal de mente obtusa ousa
classificar de heréticas. Não é nada complicado compreender porque esses
ataques a Francisco acontecem nestes tempos violentos onde o jogo das
conveniências de setores poderosos cria obstáculos de difícil transposição no
sentido de impedir sejam molestados privilégios e prerrogativas aviltantes.
Quanto
aos radicais aglutinados na censura a Francisco, a eles se ajusta, com
primorosa adequação, o conceito de Roosevelt que encima este comentário.
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