Repensar a ordem econômica mundial
Cesar Vanucci
"Todo pensamento que se limitar às
combinações da economia,
será infalivelmente enganado nos grandes
negócios humanos."
(Edgard
Quinet, historiador francês, século XIX)
Que ordem econômica
mundial mais escalafobética e frouxa é essa que entra em alucinante parafuso a
um mero estalar de dedos de um especulador qualquer, envolvido em trapaça
bursátil, refestelado em iate de luxo nas "cote d'azur" da vida?
Que mané globalização
é essa a espalhar desassossego no espírito da gente do povo por causa de um
parecer de um tecnocrata que ninguém conhece, de uma instituição que ninguém
nunca antes ouviu falar, onde são atribuídas notas escolares aos países, como
se nações inteiras pudessem ser tratadas que nem alunos de jardim de infância
na cata das primeiras noções do aprendizado?
Que políticas
econômicas desvairadas são essas que permitem aos "donos" dos
negócios do mundo, colocados acima do bem e do mal, deitar e rolar por cima da
vida, do patrimônio, da saúde, do emprego dos outros em latitudes geográficas
economicamente desprotegidas? E a submeterem multidões à mercê das reações
volúveis das bolsas de valores, instituições tão distanciadas da rotina amarga
e da capacidade de percepção das camadas populares quanto a Constelação Zeta
Reticuli?
Que situação aloprada
é essa em que se convoca descerimoniosamente, para pagarem a conta de eventuais
empreitadas mal sucedidas no jogo bursátil, pessoas que nunca aplicaram em
ações e que das bolsas só conhecem aquela caricatural coreografia de um bando
frenético, lembrando dançarinos engravatados de "rock pauleira",
celulares ou mini-receptores colados aos ouvidos, berrando a plenos pulmões
frases ininteligíveis e produzindo gestos ainda menos compreensíveis? Abra-se
pausa, nesta sequência de interrogações, para relembrar, com o espírito
acariciado pelo humor da cena, o genial Peter Sellers. Num filme antológico, em
que vive personagem ingênuo, fissurado por televisão, vem-lo, todo sorrisos,
no recinto da bolsa, a retribuir com gestos os acenos dos desatinados
apostadores à volta. Extrai-se da divertida imagem a reação natural de
perplexidade que o cidadão comum reserva a certos rituais cabalísticos mundanos
criados pela comédia humana para diferenciar quem, supostamente, sabe das
coisas, dos que nada sabem.
Mas que globalização,
santo Deus, é essa que não consegue, depois de tanta malvadeza introduzida no
cotidiano de todos, trazer uma promessa, um mero aceno sequer de benefício aos
menos favorecidos? E que, pelo contrário, parece achar-se empenhada em só fazer
crescer as desigualdades? E que costuma celebrar, como feito retumbante, a
"habilidade gerencial" de administradores faltos de sensibilidade
social que desconhecem outros processos para reduzir custos e melhorar
resultados senão o desestimulo ao empreendedor, o desemprego aviltante e a
rotatividade da mão-de-obra?
Que baita inversão de
valores é essa que permite sejam assim ressuscitados, por conta da embromação e
fajutice de minorias ousadas, conceitos da pré-história econômica,
recauchutados para vigir em vastas porções territoriais onde seja baixo o poder
das exigências sociais e apresentados como o supra-sumo do pensamento de
vanguarda, como expressão pronta e definitiva de políticas sociais avançadas?
Esta enorme confusão
econômica vende a ideia de que o mundo tem de oscilar entre a turbulência e a
depressão. Nesse mundo só existiria atenção para as previsões desconcertantes e
suspeitosas de ilustres desconhecidos. Em geral, PHDs. De preferência,
estrangeiros. Se algum deles, numa overdose de autossuficiência, num instante
de mau humor, nascido, quem sabe dizer? de uma intempériezinha doméstica,
resolver largar falação e atribuir pontuação sobre os níveis de risco das
economias emergentes, o melhor a fazer é sair de baixo. Tudo corre o risco de
desmoronar. O pessoal com poder de decisões se mobiliza para enfrentar a “crise
à vista”... Aí, então, alguma reforma periférica, envolvendo a comunidade,
poderá vir a acontecer. Mas, se num cenário sério e respeitável, consentâneo
com o legítimo sentimento humano, outra figura - PHD em espiritualidade e
sabedoria, por exemplo, o Papa Francisco -, à mesma hora do ignoto luminar em economia,
resolver concitar as lideranças que traçam os rumos das coisas a porem em
andamento programas ousados de reformulação social, a repercussão será bem
diversa. Ocorrerão, provavelmente, comedidos aplausos. Uma que outra louvação à
“reconhecida clarividência da cátedra pontifícia”... Mas não se conhecerá,
inapelavelmente, qualquer impulso consistente no sentido de se passar das
generosas ideias suscitadas a ações práticas.
Encurtando razões: a
ordem econômica mundial que aí está e que funciona de jeito tão irracional,
injusto e perverso, tem mais é que ser repensada, refeita. A convivência humana
reclama, ardentemente, por práticas fraternas, solidárias, por ações vigorosas
de complementariedade econômica e social entre os países, de modo a desfazer as
gritantes injustiças sociais esparramadas por tudo quanto é canto. Estes os
autênticos valores em condições de tornar nosso planeta azul um lugar melhor.
Afinal de contas, que
globalização é essa que não contempla o crescimento econômico e a ascensão social
das pessoas de todos os países igualitariamente?
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