Apesar
dos pesares, torcer
Cesar Vanucci
“País na beira do precipício.”
(Titulo de editorial
do Diário do Comercio,
edição de 6 de junho de 2019)
Sinais
de tempos diferentes. Diferentes e perturbadores. Onde foi parar aquela
ardente, contaminante mesmo, vibração da “torcida uniformizada” à volta da
“seleção canarinho”? A empatia, então existente, entre as frenéticas multidões
rendidas ao fascínio da coreografia futebolística e o escrete representativo de
conquistas memoráveis, deixadas hoje na saudade, vinha envolta em ardor – não é
exagero dizer – de feição religiosa. Nem o mais impassível dos indivíduos
conseguia manter-se fora das ruidosas manifestações nas vésperas de jogos
importantes, ou das comemorações festivas em razão dos cumulativos resultados
positivos. E nem, tampouco, alheiar-se às reações de desencanto provocadas por
frustradas expectativas.
A
situação agora é outra. Aí está a Copa América com começo previsto para já. Não
se vislumbra, nas ruas, em que pese o esforço midiático, demonstrações de
entusiasmo solto relativas às competições. Em ocasiões passadas, era raro topar
com alguém, “torcedor de carteirinha”, ou torcedor esporádico, que não soubesse
declinar, de cor e salteado, a composição do time a “adentrar a cancha” (como
apreciam dizer nossos esfuziantes cronistas) com a missão de defender as
gloriosas cores do (único) país pentacampeão.
Na
hora atual, ficou mais fácil ouvir da boca das pessoas a escalação completa dos
11 togados (quase todos de ego exacerbado) que integram o Supremo, do que a dos
11 “malabaristas da bola” designados para os prélios. Quando muito, os adeptos
do “esporte das multidões” conseguem mencionar, do elenco convocado, uns dois
ou três atletas, o incorrigível Neymar entre eles. Não encontram, de outra
parte, facilidade para indicar sequer as posições em que atuam os jogadores
“dentro das quatro linhas”, conforme descrição do saboroso vocabulário
futebolês. Tem-se por certo que essa ausência de familiaridade do público com
os atletas – selecionados, de acordo com suspeitas amiúde levantadas, com
“despretensiosa ajuda” de empresários e patrocinadores – se origine da
circunstância de os convocados pertencerem, na quase totalidade, à chamada
“legião estrangeira”. Noutras palavras, fazem parte de clubes estrangeiros que
operacionalizam intensamente o negócio, altamente rendoso, das milionárias
transações de passes. Atividade que anda enricando, aqui e acolá, mundão de
gente. O recrutamento da “legião” ocorre sempre quase na hora das disputas. Não
há tempo suficiente para treinamentos em conjunto. Os jogadores comunicam a
desagradável sensação de manterem vínculo emocional reduzidíssimo com a
gloriosa escola futebolística que representam nos gramados. Parecem não se
deixar empolgar muito com o que se lhes toca fazer. E, em assim sendo, suas
performances acabam também não empolgando, nadica de nada, a imensa plateia que
torce pela seleção.
Experientes
analistas esportivos sustentam que a convocação exclusiva de jogadores dos
times em ação nos campeonatos brasileiros seria a opção desejável para formar
uma seleção bem treinada, em perfeitas condições de devolver aos brasileiros as
alegrias perdidas. Um escrete em tais moldes, garantem ainda, imporia, com
facilidade, derrotas ao time dos “legionários”. Resguardaria, com competência e
altivez, as glórias e as tradições do genuíno futebol brasileiro. Sabe-se,
contudo, que uma reformulação desse porte revela-se impraticável. Os poderosos interesses por detrás da
estrutura dominante no processo não querem saber de mudança alguma.
Mas, analisada por outro ângulo, a apatia das
pessoas advém de outros fatores, bem mais contundentes. A densa e tensa
atmosfera dominante na cena brasileira contemporânea contribui decisivamente
para o estado de espírito da população. O desalento afivelado nos semblantes
das ruas tem como causa o manifesto despreparo de nossas lideranças políticas,
que não sabem como fazer o Brasil andar pra frente. Retomar o desenvolvimento,
reduzir o desemprego galopante, diminuir as desigualdades sociais, enfim,
traçar rota segura que permita a materialização da inequívoca vocação de
grandeza do país.
Convidemos
a explicarem as razões desse clima de angustiada descrença renomados
sociólogos, antropólogos e outros especialistas em ciências humanas. Categoria,
como visto, desacreditada por “çábios” (definição tomada emprestada ao Élio
Gáspari) detentores de embriagante autossuficiência, responsáveis por aquilo
que, ora vigente na praça, vem sendo apelidado de “neo revisionismo histórico”.
Eles, os especialistas “rejeitados”, não hesitarão, tiquinho que seja, em
apontar que a frustração crescente, em todas as esferas do labor, é fruto
daninho da desastrada condução das políticas públicas.
Fique
por derradeiro um singelo registro. Diante de tudo quanto exposto, é preciso
atentar para algo de suma relevância. Apesar de todos os pesares, levando-se em
conta coisas valiosas em jogo, que tocam de perto e fundo nossa vida e nosso
destino, uma postura pertinente e razoável é reclamada dos indivíduos de
boa-vontade. A cada qual compete entregar-se, nesta hora, em exercício de
saudável cidadania, a uma reflexão serena, visão crítica construtiva,
sentimento de brasilidade aflorado, aplicando afinco no trabalho empreendido no
contexto comunitário. E torcer,
extraindo fervor máximo do coração. Torcer, de passagem, pela seleção. E,
sobretudo, torcer muito, demais da conta, de verdade, pelo Brasil.
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