Cinema
brasileiro brilhou em Cannes
Cesar Vanucci
“Só por
ignorância ou má fé alguém poderá
desconhecer
os feitos do cinema brasileiro no Festival”.
(Domingos Justino Pinto, educador)
O
setor governamental incumbido institucionalmente de promover nossas políticas
culturais acaba de dar mais uma constrangedora demonstração de desapreço ao que
é feito, com talento e reconhecido sucesso, por criativos empreendedores patrícios
nesse ramo da atividade artística. Manteve-se mudo e quedo que nem penedo
diante das retumbantes conquistas do cinema nacional no recente Festival de
Cannes, mais importante mostra da arte cinematográfica universal. Não se conhece, em momento algum da crônica
pública brasileira, precedente de postura tão insólita. A circunstância de que
o nosso cinema arrebatou alguns dos principais prêmios do Festival não poderia,
jeito maneira algum, passar desapercebida aos olhares de quem esteja investido
de conduzir oficialmente a missão de propagar as manifestações da arte e da
cultura do país.
Como
ignorar a ovação recebida pelo filme “Bacurau”, dirigido pelo pernambucano
Kleber Mendonça Filho, com co-direção de Juliano Dornelles, agraciado com o
“Prêmio do Juri” e aplaudido de pé durante vários minutos por uma plateia em
delírio? Como mostrar indiferença ao fato de que outra película nacional, “A
vida invisível de Eurídice Gusmão”, dirigida pelo cearense Karim Ainouz, alvo
igualmente de aplausos entusiásticos, conquistou o prêmio de melhor filme da
mostra no segmento “Um Certo Olhar” (Um Certain Regard)? Tem mais: o “Prêmio da
Crítica” foi atribuído, no monumental certame, à obra “The Lighthouse”,
produzida pelo brasileiro Rodrigo Teixeira. Será que isso faz ou não faz jus,
também, a louvores?
Imperioso
mencionar ainda, como alvissareiro registro, a escolha de outras produções
brasileiras para comporem a estilosa programação da famosa mostra que, nessa
sua opulenta versão de 2019, reuniu outra vez mais a elite artística do
fascinante mundo do cinema. “Sem seu sangue”, da cineasta Alice Furtado,
competiu na “Quinzena dos Realizadores”. As fitas “Indianara”, de Marcelo
Barbosa e Aude Chevalier-Beaumel, e “Breve história do planeta verde”, co-produção
brasileira, argentina, espanhola e alemã, foram distinguidas em rigorosa seleção,para
exibições, pela “Associação para a Distribuição do Cinema Independente” (ACID).
De outra parte, o longa em animação “Bob Cuspe – Nós não gostamos de gente”, da
“Coala Filmes”, participou do “Animation Day”, evento paralelo ao Festival de
Cannes.
Os sinais da presença robusta da arte
cinematográfica brasileira no Festival vão ainda além. Cuidemos de anotar: O filme
“Il traditore” (O traidor), do celebrado Marco Bellochio, que narra a história
de Tommaso Buscetta, chefe da máfia que viveu e acabou sendo preso no Brasil,
extraditado para a Itália, foi considerado excepcional pela crítica. As
filmagens foram feitas, em boa parte, na região brasileira em que Buscetta
residiu por algum tempo. Película co-produzida por italianos, brasileiros, alemães
e franceses, “O traidor” traz no papel de Cristina, esposa do mafioso, a bela
atriz brasileira Maria Fernanda Cândido, cuja interpretação arrancou elogios
copiosos. A respeito do filme, assim se pronunciou Bellochio: “Minha
preocupação era fazer algo não convencional, mas simples, popular. Era
necessário representar os tantos delitos da máfia, de uma forma própria que eu
busquei na dimensão teatral”.
O
cintilante desempenho do cinema brasileiro em Cannes engrandece, sem a menor
sombra de dúvida, a cultura e as artes de nosso país. Quem se recuse a admitir
isso coloca-se frontal e contundentemente no lado oposto ao sentimento nacional
e à verdade histórica.
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