sexta-feira, 28 de junho de 2019


Nicolau, Cleópatra e Dumas, negros, com orgulho

Cesar Vanucci

“Faz parte do respeito à memória de uma
pessoa negra não embranquecê-la”.
(Joice Berth, escritora)

Leitores destas maldigitadas adicionam curiosas informações às narrativas estampadas neste acolhedor espaço acerca do chamado “Maquiamento preconceituoso”. Estamos falando desses incríveis relatos de descarada impostura social em que célebres personagens negros são representados em textos, quadros, documentos variados como se brancos fossem.

Nos comentários que atraíram a atenção do nobre leitorado, este desajeitado escriba alinhou, como resultado de pesquisas promovidas por especialistas em antropologia, os nomes de duas dezenas de eminentes cidadãos brasileiros que, mercê de seu talento e labor, alcançaram posições de inconfundível realce no panorama brasileiro da construção humana. Cidadãos esses que, deploravelmente, tiveram a memória aviltada em consequência da adulteração, calcada em abominável preconceito, nos registros referentes à sua legítima condição étnica. As informações vindas agora falam de outros personagens de destaque histórico, não brasileiros, igualmente retratados em copiosa documentação como brancos, apesar de serem negros. Negros como a noite.

Alexandre Dumas, universalmente festejado autor de obras como “O Conde de Monte Cristo” e “Os Três Mosqueteiros”, transformadas em filmes épicos que renderam grande bilheteria, teve como pai um general e como mãe uma escrava africana. “Adaptações artísticas” em sua imagem e currículo, com indisfarçáveis motivações discriminatórias, levam a maioria das pessoas a vê-lo como cidadão branco.

Recuando mais longe na história, chegamos à figura lendária, cantada em verso e prosa, da última rainha do Egito. Cleópatra foi sempre representada, em pinturas, filmes e por aí vai, como belíssima mulher branca. A deslumbrante Elizabeth Taylor foi, aliás, por sinal, a atriz escolhida por Hollywood, entre outras beldades, todas também brancas, para representar a mitológica Cleópatra naquele edulcorado enredo que fala do irresistível fascínio por ela exercido em Júlio Cesar (na fita, protagonizado por Rex Harrison) e Marco Antônio (papel vivido por Richard Burton, marido de Elizabeth Taylor). Manda a verdade dizer que a rainha do país dos faraós nada possuía, entretanto, dos traços europeus mostrados nas telas do cinema. Suas características raciais se enquadravam no típico perfil da mulher negra do norte da África.

Até para o Papai Noel – quem haveria de imaginar? - sobrou deturpação fisionômica de cunho racista. O bom velhinho de barbas longas do trenó tocado por renas, venerado universalmente pela criançada, não passa, como todo adulto está calvo de saber, de uma figura de ficção. Todos, também sabemos, porém, que Noel surgiu inspirado na vida e obra de São Nicolau, alguém do mundo real que se fez célebre por práticas de bondade e solidariedade. Tendo em vista que São Nicolau e Papai Noel são convenientemente retratados, ao longo dos tempos como personagens brancos, é oportuno tomar conhecimento de um fato especial. Nicolau de Mira nasceu na Turquia em 270, época em que o país era praticamente uma extensão da África. Tal circunstância conduz muitos historiadores a garantirem que o santo em que se baseia a figura fictícia de Noel era negro.

As situações emblemáticas ora reportadas fornecem argumentos para que analistas da candente problemática racial, repositória de carga histórica volumosa de ignomínias cometidas contra seres humanos de origem africana, proclamem, como anota Joice Berth, escritora, arquiteta e urbanista, líder feminista, que “faz parte do respeito à memória de uma pessoa negra não embranquecê-la”. Mais ainda: “Deveria existir uma lei impedindo isso, o branqueamento premeditado de figuras negras, pra encerrar esse capítulo vergonhoso da história do racismo”.

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