A
“hierarquia da riqueza”, segundo Yuval
Cesar Vanucci
“Tal hierarquia é produto da
imaginação humana”.
(Yuval Noah Harari)
Como
prometido, para apreciação do distinto leitorado, vamos dar continuidade, nas
ligeiras anotações de hoje, ao repasse de mais alguns conceitos expendidos na
obra de Yuval Noah Harari. Trata-se, como já dito, de talentoso escritor
israelense, catapultado, por força da crítica e da franca acolhida de seus
livros nas livrarias, à crista da onda literária contemporânea.
Em
“Sapiens – Uma breve história da humanidade”, publicação de quase 600 páginas,
o autor proclama que a ordem imaginada constituída pelos norte-americanos em
1776, com a “Declaração da Independência”, para dar sustentação às redes de
cooperação em massa organizadas pelos seres humanos com vistas ao
relacionamento em comunidade, caracterizou-se pela incoerência e hipocrisia.
Embora pregando, teoricamente, a igualdade de todos os homens, a referida ordem
estabeleceu como regra, na prática, uma divisão social contundente. Consagrou –
sublinha ele – “a hierarquia entre ricos e pobres”.
Palavras
de Harari: “A maioria (...) quase não tinha problemas com a desigualdade
causada por mais ricos que passavam seu dinheiro e negócios para os filhos. Na
visão deles, igualdade significava apenas que as mesmas leis se aplicavam a
ricos e pobres. Não tinha nada a ver com seguro-desemprego, educação integrada
ou seguro-saúde. A liberdade também tinha conotações muito diferentes das que
tem hoje. Em 1776, não significava que os desprivilegiados (negros, índios e
muito menos, mulheres) podiam conquistar e exercer o poder.”
Yuval
assinala que a “ordem norte-americana” veio endossar “a hierarquia da riqueza”,
que alguns pensavam ter sido ordenada por Deus e outros viam como representação
das leis imutáveis da Natureza. A Natureza, dentro dessa visão de mundo,
recompensaria o mérito com riqueza, penalizando o demérito, rotulando-o de
indolência.
O
pensador israelense sublinha que as distinções entre homens livres e escravos,
entre brancos e negros, ricos e pobres se fundamentam, na verdade, em meras
ficções. Mas, mesmo assim – lembra ele –, uma lei férrea da história estabelece
que a hierarquia das desigualdades negue flamejantemente tais origens
ficcionais, afirmando-se natural e inevitável. Registros históricos indicam,
por exemplo, “que escravidão não é uma invenção humana”. O Código de Hamurabi
“reconhece” a escravidão como algo – vejam só! - emanado de Deus. E não é que o
próprio Aristóteles – recorda o autor – garantia que os escravos tinham uma
natureza “escrava”, ao passo que os homens livres tinham uma natureza
livre”?...
Fortalecendo
a argumentação em torno da tese de que a “hierarquia da riqueza”, com seus
dramáticos efeitos sociais, é coisa dos homens, fruto da ganância dos homens,
não um preceito divino, nem tampouco uma norma ditada pela natureza, Yuval
envereda, na análise crítica, para uma outra vertente comportamental da cultura
universal. Coloca na mira o apavorante regime de castas vigorante no cenário
hinduísta. Acusa: “Os hindus que aderem a um sistema de castas acreditam que
forças cósmicas fizeram uma casta superior a outra”. As diferenças sociopolíticas
passam a ser, de acordo com esse atordoante entendimento, “tão naturais e
eternas quanto as diferenças entre o sol e a lua”. Assinalando também que a
cultura chinesa antiga admitia a distinção entre humanos pela implacável
vontade dos deuses, já que “os aristocratas foram moldados em bela argila
amarela e o restante dos homens em barro marrom”, o escritor reitera que “essas
hierarquias são produto da imaginação humana”. Acrescenta: Brâmanes e Sudras
não foram realmente criados por Deus. A distinção de castas – esclarece também
-nasceu de leis e normas inventadas por humanos. Leis e normas humanas
transformavam alguns em escravos e outros em senhores. Entre negros e brancos
existem diferenças biológicas objetivas, como cor da pele e tipo de cabelo “mas
não há nenhuma evidência de que essas diferenças se estendam à inteligência ou
à moral”.
As
considerações acima projetadas são pequeníssima amostragem de um relato
eletrizante proporcionado pelo escritor numa obra que se tornou um dos maiores
fenômenos editorais dos últimos tempos. São bastante numerosas as abordagens a
respeito dos passos cruciais dados pelos seres humanos em sua extensa caminhada
pela pátria terrena. Têm como foco tanto os avanços tecnológicos
extraordinários contemporâneos, quanto as práticas horripilantes, ininterruptas
no trajeto percorrido, que alvejam impiedosamente a dignidade e a nobreza da
vida.
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