Deuses
insatisfeitos e irresponsáveis
Cesar Vanucci
“Somos mais poderosos do que nunca, mas
temos pouca ideia do que fazer com esse
poder”.
(Yuval
Noah Harari)
Agregando,
com talento e criatividade, dados históricos apreciados dentro de uma ótica
renovadora, informações e hipóteses de feição futurista, coligidos em estudos
de vanguarda nas áreas das ciências humanas e ciências exatas, Yuval Noah
Harari oferece, no livro “Sapiens”, narrativa eletrizante acerca da jornada
humana na pátria terrena. Com singular fecundidade de ideias, compõe
diagnósticos impressionantes das experiências econômicas, sociais e políticas
vividas pelo homem sapiens ao longo dos tempos. Complementa os diagnósticos com
antevisões fantásticas, inimagináveis, do futuro acenado pela chamada evolução
civilizatória.
Fica
impossível, numa singela resenha, enfileirar as facetas instigantes das
abordagens feitas pelo autor, levados em consideração os conceitos
originalíssimos que embasam o estudo. Voltando-se para pesquisas vanguardeiras
relativas aos saltos tecnológicos assombrosos da era moderna, debruçando-se
sobre a história transcorrida com análises enormemente inovadoras, ele levanta
questionamentos cruciais. Coisas desse gênero: Num mundo crescentemente
dominado por algoritmos, como acabarão se comportando as gerações futuras face
aos valores humanísticos e espirituais?
A
simples citação dos títulos de alguns capítulos revela a extensão e
complexidade da obra. Senão, vejamos: Matéria e energia – começo da física,
começo da química e começo da biologia; Evolução do gênero “homo” na África;
Uso cotidiano do fogo; Revolução cognitiva e linguagem ficcional; Revolução
agrícola; Religiões politeístas; Invenção da moeda; Império Persa; Império Ham
na China; Budismo; Império Romano; Cristianismo; Islamismo; Capitalismo; Revolução
industrial; Os humanos transcendem os limites do planeta Terra; Organismos
moldados por desing inteligente e não por seleção natural; Futuro: o homo
sapiens é substituído por super-humanos.
Em
lúcida advertência, Yuval assegura que, na realidade, não há como se predizer o
futuro. Os cenários esboçados em suas emocionantes narrativas hão que ser
entendidos mais como possibilidades do que como profecias. O que merece ser
levado em conta – afirma ainda – é a ideia de que as próximas etapas da caminhada
humana incluirão “não só transformações tecnológicas e organizacionais, como
também transformações sociais na consciência e na identidade humana”. Serão –
indaga, intrigantemente – transformações tão fundamentais em condições de
“colocar em dúvida o próprio termo humano?” Informa, a esse propósito, que
alguns cientistas acreditam que “já em 2050 alguns humanos serão amortais”, embora “previsões menos
radicais projetem essa incrível perspectiva para mais adiante: para “o próximo
século ou o próximo milênio”.
Yuval
considera “ingênuo imaginar que podemos simplesmente frear os projetos
científicos que estão transformando o homo sapiens em um tipo diferente de ser,
pois esses projetos estão inextricavelmente unidos à busca pela imortalidade –
o Projeto Gilgamesh”. Lembrando que a ciência vem estudando a fundo o genoma,
vem tentando conectar um cérebro a um computador, ou tentando ainda criar uma
mente dentro de um computador, salienta que o Gilgamesh é o mais importante
projeto da atualidade. Chama a atenção para o seguinte: apesar das coisas
impressionantes que somos capazes de fazer, “continuamos sem saber ao certo
quais são os nossos objetivos, e, ao que parece, estamos insatisfeitos como
sempre”. Anota ainda: “Somos mais poderosos do que nunca, mas temos pouca ideia
do que fazer com todo esse poder.” (...) “Deuses por mérito próprio, (...) “não
prestamos contas a ninguém”. Arremata com uma interpelação inquietante: “Existe
algo mais perigoso do que deuses insatisfeitos e irresponsáveis que não sabem o
que querem?”
Encurtando
razões: Os relatos contidos em “Sapiens” e, por extensão, em “Homo Deus – Uma
breve história do amanhã”, do escritor israelense Yuval Noah Harari, não podem
deixar de ser consultados pelas pessoas afeiçoadas à leitura. O pálido resumo aqui
estampado, numa sequência de três artigos da substanciosa obra, impele-nos no
arremate a recomendar aquilo de que fala Santo Agostinho, obviamente num outro
contexto, noutros tempos, em suas “Confissões”: “Tolle, lege”. Pega e lê.
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