Pulga atrás da orelha (II)
Cesar Vanucci
“Algo deve mudar para que tudo continue como está”.
(Giuseppe Tomasi di Lampedusa, pensador italiano)
Retomamos agora, como prometido, as anotações dos comentários expendidos por ocasião do costumeiro encontro semanal, aos sábados, em Santa Efigênia, de um grupo de amigos e conhecidos empenhados na troca de opiniões sobre candentes temas da atualidade. O mote do papo reportado, como dito, foi a intrigante expressão “pulga atrás da orelha”, cuja origem mereceu no artigo passado tosca explicação.
Os integrantes do grupo andaram colocando na mesa de debates, também, a controversa reforma da previdência. Traduziram surpresa, dúvida, desconfiança, ou seja, confessaram sentir uma ardente coçação de pulga (ou de mosca, consoante a versão espanhola do curioso brocardo) atrás do pavilhão auricular, diante das notícias acerca dos “excepcionais resultados”, alardeados aos quatro cantos, da medida aprovada recentemente, em primeira votação, pela Câmara dos Deputados.
Causou a todos baita estranheza, pra começo de conversa, a revelação de que a nova e polêmica Previdência Social só conseguiu contabilizar votos suficientes, mode quê garantir “tranquila” tramitação, após compromisso formal com a designação de nomes indicados por deputados para cargos a serem preenchidos na administração pública. E, pela mesma forma, depois da liberação de 2,6 bilhões de reais em emendas parlamentares... Supunha-se, inocentemente, que esse perverso esquema de aliciamento de votos já houvesse sido extirpado, morto e sepultado, da vida pública. Não é o que as lideranças que galgaram o poder juraram de pés juntos iria acontecer? “Sei não – asseverou alguém da turma do mencionado encontro dos conhecidos de Santa Efigênia –, duvido, de-o-dó, que essa reforma previdenciária, ao contrário do que vem sendo cantado cotidianamente em verso e prosa, seja mesmo capaz de fomentar a tão almejada retomada do crescimento econômico. Sei não... Esperar pra ver”.
Outro componente da patota disse vir sentindo uma fisgadinha incômoda em ponto sensível da orelha no tocante, igualmente, à citada reforma previdenciária. Parece-lhe – sublinhou – que certos setores do mundo político pretendem, apenas, com a momentosa decisão, fazer “alguma reforma” pra, de verdade, não fazer “reforma alguma”. Lembrou-se, ainda, no efervescente bate-papo do pessoal sobre o mesmo tema, que a reformulação do sistema previdenciário não contempla, hora nenhuma, por incrível que seja, a questão dos privilégios concedidos a milhares de agentes públicos dos diferentes Poderes, com maior ênfase talvez para o Judiciário, que percebem remunerações acima do teto constitucional. Nesse ponto do diálogo, irrompeu pergunta que ninguém dentre os presentes soube responder. No que acabou dando mesmo aquela “mancheteadíssima” intervenção do Supremo no sentido da realização de estudos, prometidamente urgentes e definitivos, visando a eliminar os tais auxílios-moradia e outros extravagantes penduricalhos dos holerites da enorme legião de “marajás”? Oportuno sublinhar, a propósito, que à época do estrepitoso anúncio da citada intervenção pela presidência da Alta Corte veio à tona, entre os abusos perpetrados, a desnorteante situação abaixo descrita. Cônjuges, pertencentes à mesma categoria de servidor, possuidores ambos os dois de moradia própria, residentes numa mesma habitação, serem generosamente agraciados com auxílio-moradia em dobro. Explique quem puder: coisas assim (comportando, todo mundo ta calvo de saber, uma imensa lista) concorrem, ou não concorrem, para agigantar os gastos públicos?
Encurtando razões: estamos, ou não, a confrontar questões merecedoras de cogitação numa reforma previdenciária verdadeiramente de sola inteira, como recomendável à luz do bom senso e do espírito de justiça?
Nenhum comentário:
Postar um comentário