sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Beleza espanta melancolia e consola mágoas


Cesar Vanucci

“O seu balançado é mais que um poema...”
(Vinicius de Moraes e Tom Jobim, em “Garota de Ipanema”)

Nada como o modismo inconsequente para gerar reações descontroladas, até mesmo mórbidas. Os caras que inventaram, soberanamente, um padrão estético específico, imutável, para as passarelas, além de produzirem, como é sabido, estragos consideráveis com sua aprontação, deixaram à mostra, de modo irretorquível, não estarem com nada num tema que supõem dominar. Entendem bulhufas de beleza. Bulhufas de mulher. De gosto masculino.

Ao decretarem, mal comparando, a tábua de passar roupa como símbolo a ser obstinadamente perseguido no aperfeiçoamento das formas femininas, concorreram para que despontasse nos desfiles de moda uma contrafação da beleza. Uma contraposição caricatural da beleza autêntica, cultuada na preferência universal das ruas. Incutiram, irresponsavelmente, no espírito desavisado de algumas moçoilas incautas, ávidas pela fama instantânea, concepções distorcidas, grotescas mesmo, do que seja a formosura feminina.

E de que tipo de beleza se está mesmo a falar aqui? Ofereço como resposta uma referência estética registrada no “Livro dos Cantares”. Sob forma de louvação, ela abre um leque infindo de opções na busca da versão que melhor se ajuste aos conceitos de beleza aceitos pelas pessoas. “A mulher bonita é uma graça. Espanta melancolias e consola mágoas de amor”. A gente ouve essa lírica definição e sabe precisamente do que se está mesmo a dizer.

Igualzinho acontece, aliás, quando retiramos dos versos de Vinicius, imortalizados na melodia feita em parceria com Tom Jobim, que conquistou as platéias do mundo, essa outra primorosa definição: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela a menina, que vem e que passa, em seu doce balanço, a caminho do mar.”

Confrontemos a imagem projetada na arrebatadora criação musical – onde se fala de um gingado de corpo “que é mais que um poema” e que deixa um rastro de encantamento - com aqueles desfiles desengonçados, mostrados na telinha por ocasião do lançamento de modas de vestuário. Roubando a espontaneidade e faceirice das moças, despojando-as de sua graciosidade natural, transformando-as numa espécie de robôs, para que possam cumprir satisfatoriamente sua burocrática missão profissional, as passarelas estão vendendo ao público, junto com os trajes bolados por figurinistas famosos, uma noção falsa, enganosa, de beleza feminina. Os traços faciais harmoniosos de várias modelos são ofuscados pelo toque crispado dos semblantes, à hora da caminhada pela passarela. Uma caminhada que não passa, via de regra, de um trote feioso, de musculaturas enrijecidas, ao gosto duvidoso das “recomendações técnicas” dos bastidores. Por trás de toda essa encenação burlesca, fora de compasso, existem ainda, trazendo notórios riscos à saúde das desprevenidas jovens, os aconselhamentos imprudentes em favor do culto desvairado à magreza exacerbada. Quanto menos peso, melhor. Quanto menor a massa corporal, tanto maior a chance de se chegar ao estrelato.

Esse modismo amalucado, que enaltece a magreza, tem provocado danos irreparáveis. Aqui e alhures. Tanto isso é verdade que, de forma pra meu gosto ainda tímida, nos círculos da moda sofisticada já começa a se esboçar uma reação contra os abusos praticados. Abusos esses estimulados ou, quando pouco, tolerados por setores, como dito anteriormente, totalmente desinformados do conceito que se tem, nas ruas, da autêntica beleza feminina. O padrão de beleza verdadeiro não dispensa, na configuração corporal da mulher, aqui e ali, uma ou duas polegadas a mais, um certo arredondamento generoso de formas, um manejo de corpo que desabroche num requebrado de alegrar a vista. Em suma, uma forma graciosa de movimento que deixa suspensa no ar a sensação deleitosa de que quando ela, mulher bonita, em seu meigo gingado, se põe a caminhar, ela mais parece, na verdade, executar um mavioso passo de dança.


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