sexta-feira, 27 de setembro de 2019


Evocações do meu passaporte (I)

Cesar Vanucci

“Delhi foi fundada pelos deuses. O Mahabharata, com suas 90 mil estrofes, conta a história.”  
(De um folheto distribuído aos turistas)

Retiro hoje do baú sugestivas anotações de viagem, de duas décadas atrás, que ainda conservam frescor de atualidade.

O guia turístico que nos acompanha numa visita a Agra garante, num portunhol caprichado. Nessa lindíssima cidade indiana, famosa pelo Taj Mahal e outras deslumbrantes referências arquitetônicas, existe um conjunto de edificações milenares que suplanta, em grandiosidade – pasmo dos pasmos – o próprio santuário brotado da paixão do califa (destronado pelo filho) autor do gesto de veneração à mulher amada mais famoso da história. Da edificação desconhecida, avistam-se ao longe as reluzentes e majestosas cúpulas de mármore. Ela é, entretanto, interditada aos turistas estrangeiros e indianos. Tudo por culpa de terroristas ligados ao fundamentalismo muçulmano, que alegam estar a edificação plantada em solo sagrado, hoje em poder de infiéis.

Também o Taj Mahal, pelo que revela o guia, é alvo de atenções permanentes por parte das forças de segurança, à vista das ameaças dos radicais religiosos. Nas três guerras com o Paquistão, os militares criaram à sua volta artifícios de camuflagem visando protegê-lo de eventuais ataques, inclusive aéreos.

Já noutra região menos conhecida da Índia, Monte Abu, Rajastão, não inserida nos circuitos turísticos tradicionais, localiza-se mais um incrível complexo arquitetônico, construído em mármore, na mesma linha suntuosa do Taj Mahal. É o “Delwara Jain Temples”, composto de cinco santuários lindíssimos. Do ponto de vista de esculturas, o conjunto chega a suplantar o Taj. Pode ser apontado entre as grandes maravilhas da antiguidade. 

É o mesmo caso da Cidade Abandonada localizada na planície entre Jaipur e Agra, com seus palácios, templos e cidadelas de  beleza impressionante. Ou da Cidade Rosada, do Fort Amber e do incrível Observatório Astronômico de Jaipur (capital do Rajastão). Todos têm posição de justificado relevo, no patrimônio cultural da humanidade, ao lado de outras obras portentosas indianas e não indianas.

Nos relatos dos guias indianos, a caverna de tesouros acumulados por Ali Babá não é lenda. A caverna existe. Está situada na região de Fort Amber. E, pelo menos numa ocasião, em tempos recentes, o “abre-te Sézamo” aconteceu. Foi no governo de Indira Gandhi. O Exército vasculhou as encostas das fortificações, num trabalho extenso de escavações, conseguindo desenterrar parte do tesouro.

Em todos os lugares que preservam tesouros arquitetônicos de eras remotas, como o Egito, Peru, Bolívia, México, Tibet, China, para ficar nalguns exemplos, os guias  trazem na ponta da língua as explicações sobre a origem misteriosa  das maravilhas contempladas. São, geralmente, explicações pouco convincentes. Sobra sempre a impressão de que ficaram faltando muitas coisas, até mesmo por compreensível falta de um conhecimento técnico mais aprofundado da realidade pesquisada. Assim também nos pontos turísticos fabulosos da Índia. Com uma diferençazinha. Os relatos ali são mais coloridos. Mais cheios de imaginação e de filigranas retóricas. Afinal, a Índia é o país das mil e uma noites!

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