O PRIMEIRO ROMANCISTA DA GUINÉ BISSAU
Fundada em 1963, a Academia Municipalista de Letrasde Minas Gerais (Amulmig) já teve presidentes como Alfredo Marques Vianna de Góes e Jésus Trindade Barreto. Hoje, seus destinos são conduzidos pelo jornalista Cesar Vanucci, por quem tenho sincera admiração. Dono de pensamento franco, livre, independente, está sempre atento ao que realmente é do interesse público, defendendo, com lucidez e coragem, causas justas e sintonizadas com o que é, de fato, o melhor para a sociedade brasileira, como comprovam os artigos de sua autoria para o DIÁRIO DO COMÉRCIO. Sob sua batuta, tomei posse como membro da Amulmig no ano de 2017, representando o município de Belo Horizonte e tendo como patrono o escritor Fernando Sabino. Desde então, religiosamente, realizo duas conferências anuais na bela sede da entidade, na rua Agripa de Vasconcelos, no bairro das Mangabeiras. Já falei sobre os escritores Alfredo Camarate e Avelino Fóscolo, dos tempos da fundação de Belo Horizonte, sobre a escritora Elvira Vigna, cujo legado romanesco é tema de minha tese de doutorado, sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e sobre a autora guineense Odete Semedo, que morou em nossa cidade, quando estudante da PUC Minas. Na terça feira dessa semana, tive o prazer de retornar à Amulmig para falar sobre Abdulai Sila, o primeiro romancista da Guiné Bissau. Creio ser benéfico a todos nós, falantes do português, conhecer mais e melhor a literatura produzida em nosso idioma nas diversas regiões do mundo, sobretudo nas mais distantes, sobre as quais ainda sabemos muito pouco. A literatura africana de língua portuguesa tem ganhado alguma notoriedade no Brasil, sobretudo por conta das obras de Mia Couto e José Eduardo Agualusa. O leitor brasileiro de fato aprecia o que eles escrevem, o que entendo como um possível sinal de que há espaço para a chegada de outros autores do mesmo campo ao nosso mercado editorial. Nascido em 1958 em Catió, pequena cidade ao sul de seu país, Abdulai Sila escreveu quatro romances e três peças de teatro. O primeiro romance, “Eterna Paixão”, foi lançado em 1994, e versa sobre a euforia e a desilusão do povo nos anos posteriores à independência da Guiné Bissau, proclamada em 1973. O segundo, “A última tragédia”, veio a público em 1995 e alude ainda ao período colonial. O texto conta a história de Ndani, uma adolescente que é obrigada a aculturar-se, tendo que abrir mão de seu nome (passando a chamar-se Daniela) e até de suas crenças religiosas, quando se converte ao catolicismo. O terceiro livro é “Mistida”, de 1997. O volume é composto, como comenta a professora Moema Parente Augel, por dez capítulos, dez histórias, dez mistérios, sem que haja um herói ou um personagem principal. Finalmente, o quarto livro ganhou o título de “Memórias Somânticas” e foi lançado em 2016. Entre os estudiosos de sua obra, há os que aproximam o autor guineense de escritores como Gabriel García Marquez e Isabel Allende. Outros enxergam em sua produção traços de uma literatura engajada nos dramas do seu tempo, embora ela não seja nada panfletária. Todos os críticos, no entanto, afirmam que Abdulai Sila foi quem definitivamente inscreveu a Guiné Bissau no mapa da literatura mundial, pondo em circulação os bens e valores culturais de sua gente. É o que mais importa.
*Jornalista e presidente da Academia Mineira de Letras
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