A
decisão do Supremo
Cesar Vanucci
“Nenhum juiz é contrário à repressão da
corrupção com rigor.”
(Ministro
Celso de Mello)
É
assim que as coisas funcionam na democracia, um regime que estampa,
inequivocamente, defeitos e falhas nascidos de circunstâncias e contradições
próprias da vida, mas que é, sem mais a mais tênue sombra de dúvida, o único
consentâneo com a dignidade humana. O Supremo falou, está falado. A decisão que
se tomou, no tocante à prisão em segunda instância, contemplou sensatamente a
rigorosa primazia do preceito constitucional sobre quaisquer outras formulações
e sofísticos argumentos de natureza jurídica, concebidos – justo supor - dentro
da mais lisa das intenções.
O
que a Carta Magna proclama, no artigo 5º, não dá margem a tergiversações.
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória”, registra o texto. É de clareza cristalina o entendimento. A
culpabilidade em processos conduzidos pela Justiça só se configura em
sentenciamento definitivo proferido após esgotadas todas as possibilidades
recursais concedidas no Estado de direito aos cidadãos. Noutras palavras, só depois
de ocorrer aquilo que, no linguajar jurídico é conhecido por “trânsito em
julgado”.
O
preceito constitucional não comporta casuísmos, reinterpretações ditadas por
conveniências políticas ou sociais, ou de qualquer outra natureza, mesmo que
acionadas pelo respeitável propósito de impedir possam praticantes de atos
delituosos desfrutar de impunidade. A medida aprovada – seja frisado com ênfase
– não significa impunidade, prescrição de pena, interrupção de processo,
admissão sumária de descabida inocência, afrouxamento dos mecanismos legais de
enfrentamento de crimes, favorecimentos indevidos, por isso repudiáveis, a
acusados de infringirem as leis, condescendência com corrupção. Como bem
explicou o Ministro Celso de Mello, nenhum juiz da Alta Corte é contrário à
repressão da corrupção com vigor. É imperioso, no entanto, seja respeitado o
esquema legal definido na Constituição. “A repressão ao crime não pode
efetivar-se com transgressão às garantias fundamentais”, frisa o magistrado.
Acrescenta, com firmeza: “A proteção das liberdades representa encargo
constitucional de que o Judiciário não pode demitir-se, mesmo que o clamor
popular manifeste-se contra.”
A
lúcida ponderação contribui para melhor compreensão da decisão em que o Supremo
submete toda e qualquer tramitação processual ao abrigo da regra
constitucional. Fica evidente que o ato, de legitimidade irrecusável, não é
passível de fomentar, nos círculos democráticos, reações que possam lembrar
ligeiramente manifestações de torcida organizada, em saída de estádio, face a
placar adverso ao clube de sua predileção.
Onde
nos parece haver o Supremo cometido gesto falho, em toda a história, é na
delonga que marcou o estudo da questão sob exame. Isso deu causa a que o foco
jurídico constitucional fosse deslocado para polêmicas ruidosas, marcadas, de
parte a parte, por exacerbadas paixões, quando o que esteve em jogo, o tempo
todo, nada mais foi, senão e apenasmente, a correta aplicação de um princípio
constitucional.
A
soltura de Lula, Azeredo e outros réus condenados em segunda instância não
significa jeito maneira tenham eles sido absolvidos dos graves delitos que lhes
são imputados. Significa, de acordo com o ditame constitucional, que os réus
dispõem ainda de prazos recursais, previstos em lei, para se defenderem das
acusações.
Uma
outra conclusão se impõe dentro desta linha de considerações. Chegada a hora de
o Judiciário, em seu afã de aprimoramento do trabalho que lhe toca
institucionalmente executar, promover estudos que levem à implementação de
mecanismos mais ágeis de atuação capazes de sobreporem-se à morosidade
processual tantas vezes detectada em sua edificante missão.
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