Dados e palavras pra lá de chocantes
Cesar Vanucci
“Mulher só ganha salário maior que
homem caso ela seja branca e ele negro”.
(Constatação do IBGE)
Mais do que meramente espantoso, ou simplesmente psicodélico. Os conceitos emitidos, em ampla divulgação jornalística, pelo recém-empossado presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão integrante da Secretaria Especial da Cultura do governo central, roçam as fimbrias da insanidade. Sérgio Nascimento de Camargo, hoje à testa da instituição responsável pela promoção dos valores da cultura afro-brasileira, profere, com fervorosa convicção talibanista, despautérios do gênero abaixo enfileirados.
“Não existe no Brasil racismo real”. A escravidão foi “benéfica para os descendentes”. O movimento negro carece ser “extinto”. Impõe-se a eliminação do “feriado da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro”. Referindo-se, com palavreado pejorativo, a personalidades negras, como o casal de atores Thais Araújo e Lázaro Ramos, bem como a ex-vereadora Marielle Franco, vítima de hediondo atentado praticado por milicianos cariocas, ainda por ser devidamente esclarecido em todas as suas penumbrosas circunstâncias, o cara sugere “o Congo como destino de toda essa gente”. Acrescenta: “E que fiquem por lá!” O compositor e intérprete Martinho da Vila, outro nome artístico de peso na alça de mira do dirigente da “Palmares”, é também alguém que, segundo ele, deveria “ser mandado para o Congo”, por ser um “vagabundo”. A respeito de Marielle Franco, ele assevera ainda que a jovem assassinada “não era negra”. E, sim, um “exemplo do que os negros não devem ser”...
Fica evidenciado que surto demencial desse porte induz a misericordioso pedido, em favor do declarante, de intercessão a Nossa Senhora da Abadia d’Água Suja, Santa Padroeira de Romaria, aprazível recanto plantado lá nos Chapadões do Triângulo Mineiro.
Enquanto o absurdo rola, o noticiário nosso de cada dia persiste em apontar, em estridentes manchetes, dados chocantes da questão racial, baita problema enfrentado pela nossa sociedade. Fixemos a atenção nalguns deles. Com a palavra o IBGE. O montante dos salários atribuídos aos negros – maioria da população – representa, na verdade, 58% do volume salarial percebido pelos brancos. Se o rendimento entre brancos e negros fosse igual, muito mais dinheiro seria posto a circular. A riqueza coletiva se expandiria. O PIB ficaria bem maior. A igualdade de renda, resultante de eventual eliminação desse item do tormentoso preconceito racial, contribuiria para acréscimo considerável dos recursos financeiros a serem aplicados no desenvolvimento. A estimativa é de que o resultado seria superior a 210 bilhões.
As revelações da sequência provêem, igualmente, do IBGE. Assalariados brancos dispõem renda 54% superior, em média, comparativamente, a assalariados pretos. Tal diferencial permanece praticamente estável ao longo de muitos e muitos anos. Embora signifiquem 58% da população brasileira, os negros, além da notória desvantagem detectada nas condições de trabalho remunerado, são afetados, no panorama da vida comunitária, pelos piores indicadores sociais. Assim ocorre no tocante a moradia, escolaridade, acesso a bens e serviços. Acham-se bem mais vulneráveis à violência, sendo ainda molestados pela baixa representatividade na distribuição de cargos executivos. A renda média mensal do brasileiro branco, seja ele trabalhador formal ou informal, é de 2.796 reais. Entre os pretos e pardos cai para 1.608 reais. Noutras palavras: para cada mil reais carreados a alguém de pele clara no mercado de trabalho canaliza-se, desproporcionalmente, 575 reais aos de pele não clara.
Tem mais informação desnorteante: da mistura da desigualdade social com discriminação racial e machismo desponta o injusto quadro de rendimentos abaixo configurado. Para cada parcela de mil reais auferida por homem branco corresponde um quinhão de 758 oferecido a mulheres brancas, 561 para homens pretos ou pardos e 444 para mulheres pretas ou pardas. Na ocupação de funções gerenciais, 70% das vagas são reservadas a brancos. Outra referência perturbadora nos levantamentos sociais do IBGE está ligada ao fato de que, conquanto constituam mais da metade da força de trabalho (55%), os negros arcam com o ônus de compor, na realidade, dois terços (66%) do exorbitante contingente de 14 milhões, segundo estimativas, de desempregados e de pessoas lançadas em atividades de ganho precário.
Por derradeiro, mais essa estarrecedora comprovação, indicativa de como o racismo e o machismo, de mãos dadas, contribuem para o abismo salarial existente no Brasil, tolhendo o nosso crescimento econômico. Mulher só ganha salário maior que homem quando ela é branca e ele é negro. Ou seja: “ela” recebe 27% a menos do que “ele”, a um só tempo que o cidadão negro ganha 73,88% abaixo do cidadão branco. Tá danado!
Um comentário:
Caro Vanucci, boa noite!
Comento apenas, por falta de tempo e de dados mais completos: estatística é realmente uma matéria perigosa. Quando, numa determinada amostra, há elementos misturados, como, por exemplo, no caso apresentado: cor da pele, renda, escolaridade, habilidade motora, discernimento, conhecimento geral, e específico, habilidade verbal, de comunicação, tempo de experiência, capacidade de liderança, grau de motivação, etc, etc, ao infinito, é constrangedor fazer-se comparação somente isolando-se uma variável (cor) e forçando a indução a um comportamento discriminatório.
Não que se possa descartar que exista, acho até provável que sim, mas é sempre prudente respeitar os limites da ciência estatística.
Desconfio, apenas desconfio, não garanto nada: o fator educação - em todos os sentidos- deve ter mais peso do que a cor. Acho. Apenas acho. Guilherme Roscoe
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