Humanidade, uma só
raça
Cesar Vanucci
"Afinal
de contas, só existe uma raça: a humanidade."
(George
Moore)
Dizíamos no comentário passado que o recado
de Zumbi dos Palmares, cuja história é relembrada na “Semana da Consciência
Negra”, convida a sociedade brasileira a uma séria reflexão. O que remete, como
também já falado, à imperiosa necessidade de se procurar conhecer, nas exatas
proporções, os problemas com características às vezes tormentosas enfrentados
nestes nossos imensos pagos por patrícios de origem afro.
O escritor estadunidense Richard Wright
sustenta não existir propriamente um problema negro, mas apenas um problema
branco. Vamos um bocadinho além. Não existe problema negro, nem branco, nem
judaico, nem indígena, nada disso. O que existe é um baita problema do ser
humano. Que terá de ser resolvido por brancos e negros, por todo mundo, afinal,
já que se trata de um problema de todos. A realidade brasileira deve ser
exposta transparentemente, conscientemente, mesmo comportando registros amargos
e machucaduras de nada fácil cicatrização. Há que se promover, com boa fé, com
enfoque humanístico e sensibilidade social, empenhado esforço na busca das
soluções corretas.para uma convivência comunitária fraternal. Habituamo-nos,
por vício comportamental, na análise do candente tema, a aceitar e propagar,
como verdade dogmática, conceitos elaborados em forma de repetitivos clichês
mentais. Talvez como forma inconsciente de aliviar culpas e de pulverizar as
cotas de responsabilidade de indivíduos e de grupos.
Questionamentos relevantes emergem de uma
avaliação que não se contenta mais com abordagens periféricas do tema. Será que
neste nosso Brasil lindo, abençoado por Deus, “pátria do Evangelho”, como
proclamam respeitáveis correntes espiritualistas, não existe mesmo
discriminação? Os negros, por estas bandas, desfrutam mesmo de oportunidades
iguais às dos brancos no mundo do trabalho, no ambiente universitário, no
acesso aos benefícios sociais? Será que todos estamos inteiramente à vontade
para responder afirmativamente, com convicção, contemplando com visão crítica o
cenário social e profissional, a essas e outras inúmeras desassossegantes
indagações? Vai surgir fatalmente alguém, apoderado de reta intenção, para
explicar que os incômodos sinais de preconceito são, por aqui, menos aflitivos,
talvez, que os detectados em outros países. Mas, mesmo que assim seja, a
observação não elimina a intolerância implícita ou explícita que caracteriza
anômalos e perversos procedimentos volta e meia detectados.
Recorro a uma historieta, pinçada numa lista
estridente e numerosa, que tenho na conta de emblemática. Anos atrás, o principal
clube recreativo de importante município do interior convidou, para exibição e
homenagem, o time de basquete do Palmeiras, que acabara de conquistar o título
sul-americano. A estrela do time, cestinha da competição, era um negro
conhecido pelo nome de guerra de Rosa Branco. Recepção calorosa foi prestada
aos visitantes. Na quadra, tudo correu nos conformes. Torcida em clima de
delírio, música, faixas, ovações. Na hora do baile de gala, uma decisão
apavorante. Todos os atletas estavam convidados, menos dois. O astro Rosa
Branco, por não sê-lo, e um outro colega, pela mesma razão. Quer dizer, por
razão nenhuma. O assunto ganhou polêmica. Tomei parte ativa nela. Botei pra
fora santo inconformismo, como cidadão e jornalista, diante do insano procedimento.
Solidarizei-me de pronto, publicamente, com as vítimas do abjeto ato
preconceituoso e constatei, um tanto desconcertado, que elas, as próprias
vítimas, se sentiram, de certo modo, surpreendidas com o meu gesto. Fato
revelador de um processo alienante de conformismo e resignação. Os dirigentes e
atletas brancos do Palmeiras engoliram caladinhos a desfeita. Alguns dias
depois, saindo de uma entrevista radiofônica, fui procurado pelo diretor de um
outro clube do lugar. Trouxe-me alentadora palavra de apoio, para na sequência,
sem se impressionar com meu estado de perplexidade, perpetrar esta escandalosa
revelação:
- Sabe, o pessoal do clube rival agiu mal. Devia fazer como nós
fazemos. As pessoas de cor não são barradas na porta. O que não podem é sair
dançando pelo salão...
Revendo o incrível episódio, ponho-me a
matutar cá com os meus botões se a nossa aventura cotidiana não anda salpicada
de cenas e gestos aparentemente inofensivos e amenos que escondem condutas
parecidas com as dos dirigentes dos clubes?
E que estão, chocante e obviamente, em desarmonia com valores essenciais
da cultura civilizatória.
Com toda certeza, é preciso ouvir um pouco
mais o recado de Zumbi. E de Luther King. E de Nelson Mandela. De todos os
magníficos personagens, daqui de dentro e lá de fora, que batalham
incansavelmente contra a discriminação racial, apontando o racismo como
blasfemo atentado à dignidade do ser humano.
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