Semeando livro em louvor ao pai
Cesar Vanucci
“Quando estou lendo um livro tenho a
impressão
de que ele está vivo, conversando comigo.”
(Swift)
Bendito
seja, relembrando sugestivos dizeres de Castro Alves, aquele que semeia livro e
manda o povo pensar! O livro dissemina ideias. Propaga esperança. Festeja a
vida.
De
carinhoso intuito filial em louvar a memória do pai poeta nasceu um encantador
livro de poemas: “Ciclo do amor e da vida”, de Lauro Fontoura. Está sendo
reeditado por iniciativa de Paulo Roberto Alves, conceituado profissional na
área médica, assistente da clínica urológica da Santa Casa de Misericórdia de Belo
Horizonte. No exercício da função profissional na importante instituição, Paulo
Roberto sucedeu a Aldemir Brant Drumond e José Bolivar Drumond, este último
antecedido no posto por ninguém mais, ninguém menos, do que Juscelino
Kubitschek de Oliveira, médico urologista apontado, na veneração das ruas, como
o maior estadista brasileiro, graças à sua incomparável gestão à frente da Presidência
da República.
A
respeito do saudoso autor do livro citado, afirmo com fervorosa convicção tratar-se
de alguém provido de sabedoria incomum e invulgares qualificações como
humanista, intelectual e jurista. Lauro Savastano Fontoura foi meu professor
nos tempos, que já vão longe, do curso frequentado na Faculdade de Direito do
Triângulo Mineiro, na Universidade de Uberaba. Os editores honraram-me com
convite para inserir na obra vinda agora a lume – demonstração pujante do
imenso talento de Fontoura – um texto sobre a vida e obra do autor.
Concordaram, benevolentemente, com a sugestão que lhes passei de reproduzir uma
narrativa radiofônica, por mim levada ao ar nos idos de 60, com foco em feitos
e ditos do ilustre personagem. Naqueles tempos, ainda residindo em Uberaba, este
escriba mantinha, na Rádio Difusora, um programa semanal, com boa audiência, intitulado
“Uma vida, um exemplo!” Os originais de, aproximadamente, duas centenas de
radiofonizações são conservados em arquivo pessoal. Retratam perfis e
depoimentos de figuras que deixaram rastro cintilante na história de Uberaba e de
outras cidades do Triângulo Mineiro. A íntegra do trabalho alusivo a Lauro
Fontoura, em sua concepção original, guardando o ritmo peculiar da dicção
radiofônica, estampada na publicação poética relançada, foi a maneira singela
encontrada de atender à solicitação dos editores do livro. Solicitação –
diga-se de passagem - que me proporcionou prazerosa emoção: reencontro com
figura icônica da distante mocidade.
Na
sequência, entrego ao culto leitorado, para infalível embevecimento, algumas
reluzentes amostras da lírica social e romântica do esplêndido poeta Lauro
Fontoura, extraídas do “Ciclo do amor e da vida”.
-
“Religião. Não existe, a rigor, nem
o Bem, nem Mal... / existe apenas, convencionalismo. / Um doutrinário
sentimentalismo / veio desigualar o que era igual. / O humano instinto de
selecionismo / criou uma apologética social. / É essa estreita noção de moralismo
/ que separa um mortal de outro mortal. / No jardim claro da meditação, / buscando
o fruto puro da razão, / que é a verdade sem dogmas e artifício, / o homem, bem
como a própria natureza, / não conhece fronteira de Beleza, / de Bem e Mal, nem
de Virtude e Vício.”
-
“Homo Sapiens. Mera aglutinação de princípios
vitais, / que uns farrapos de ideal, transfigura e ilumina, / minh’alma é uma
equação de sangue e albumina / e precipitações orgânicas fatais. / O amor, que
ora me exalta, que ora me alucina, / é uma simples reação de elétrons
especiais. / A consciência e a razão são funções cerebrais / que a cadeia
nervosa impulsiona e origina. / Não vejo explicação para o espiritualismo: / -
sou um produto de íons e cátions celulares, / sem força de vontade, sem
substância anímica. / Bom e mau, sou capaz de crime e heroísmo, / consoante
agitação dos centros medulares / que obedece a leis biológicas da química.”
-
“A linda mentira. “– Nunca me hás de
beijar!” Que maldosa candura, / que ingênua convicção, e que belo pudor!... /
Um dia, hás de sentir a harmoniosa loucura; / um dia, hei de provar o divino
licor. / O teu corpo nevado é um jordão de frescura, / tua boca de sangue, uma
rosa de amor... / Um dia, hás de ficar mais formosa e mais pura, / constelada
de um casto e angélico rubor. / “Nunca te hei de beijar!” que gloriosa
surpresa! / a frase é velha; mesmo assim é muito linda... / Mas, para que
fingir, para que disfarçar? / Só tenho, meu amor, a serena certeza / de que,
mesmo beijando, hás de dizer-me ainda: / “- Nunca te hei de beijar! / nunca de
hei de beijar!”
Na
contracapa da obra, o jornalista Manoel Hygino dos Santos, da Academia Mineira
de Letras, anota o significado da homenagem de Paulo Roberto ao pai, querido e
ilustre, “em expressão de reconhecimento por conduzir a família pelas vias do
bem servir ao próximo e à sociedade”.
Por
tudo quanto posto, louvores a ambos. Pai e filho.
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