Democracia alvejada
Cesar Vanucci
“O Presidente da República, embora possa muito, não pode tudo.”
(Ministro Celso de Mello, decano do STF)
Acintosa e surreal demonstração de desapreço às instituições democráticas e leis da República desencadeou pujante reação em cadeia, de desagrado e indignação, em todas as latitudes do continente brasileiro.
O autor da censurável “proeza”, por espantoso e desagradável que isso seja, foi o próprio Presidente da República Jair Bolsonaro. Justamente o cidadão alçado pela vontade legítima e majoritária do eleitorado, em eleições regidas pelos sagrados valores do regime democrático, às elevadas e nobres funções de supremo mandatário executivo da Nação. Acontece que Sua Excelência, inveterado tuiteiro, entendeu de dar guarida, em conta pessoal na internet, a vídeo postado por radicais extremistas contendo conclamação a manifestações de insurgência contra os poderes Legislativo e Judiciário. Vozes altamente representativas da consciência cívica nacional, vinculadas a diversificadas correntes de opinião, exprimiram com inusual veemência sua estupefação e discordância com relação ao insensato registro.
Alinhamos, na sequência, alguns depoimentos do volumoso conjunto de pronunciamentos ouvidos, a propósito do assunto, em amplos e diferentes setores e ambientes da vida brasileira. Eles dão conta da generalizada repulsa suscitada pelo insólito procedimento em foco.
O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, registrou: “O Presidente da República, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República.” (...) “Essa gravíssima conclamação, se realmente confirmada, revela a face sombria de um Presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está a altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto ominoso de desapreço e de inaceitável degradação do principio democrático.”
O Presidente Dias Tofolli, do Supremo, assinou nota com estes dizeres: “Sociedades livres e desenvolvidas nunca prescindiram de instituições sólidas para manter sua integridade. Não existe democracia sem um Parlamento atuante, um Judiciário independente e um Executivo já legitimado pelo voto. O Brasil não pode conviver com clima de disputa permanente. É preciso paz para construir o futuro. A convivência harmônica entre todos é o que constrói uma grande nação.”
O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso assim se pronunciou: “A ser verdade, como parece, que o Presidente tuitou convocando uma manifestação contra o Congresso (a Democracia), estamos com uma crise institucional de consequências gravíssimas. Calar seria concordar. Melhor gritar enquanto se tem voz.”
O Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, também comentou o assunto. Disse: “Só a democracia é capaz de absorver sem violência as diferenças da sociedade e unir a nação pelo diálogo. Acima de tudo e de todos está o respeito às instituições democráticas.” (...) “Criar tensão institucional não ajuda o país evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir.”
Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, declarou que: “A Constituição e a Democracia não podem tolerar um Presidente que conspira por sua supressão.”
O Secretário Geral da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Joel Portella Amado, indicou que “a Igreja Católica poderá vir a questionar Jair Bolsonaro por difundir vídeos com convocações para manifestações antidemocráticas.” “A Igreja – aduziu – estará apoiando iniciativas que preservem a democracia.”
O jurista Miguel Reale Junior, um dos autores da ação de impedimento de Dilma Rousseff, avaliou que “a atitude de Bolsonaro implica em conspiração contra os Poderes da República.” Acrescentou: “Não sei o que ele tomou nesse carnaval para adotar um ato de tamanha ousadia. É gravíssimo. Convocar a Nação para desconstruir um Poder está entre os itens que justificam um impeachment.”
Na apreciação do general Santos Cruz, até ainda recentemente ministro chefe da Secretaria de Governo da Presidência, “é irresponsabilidade confundir o Exército com alguns assuntos temporários de governo, partidos políticos e pessoas. É usar de má-fé, mentir, enganar a população.”
O jurista Aristóteles Atheniense, conselheiro nato da OAB, fez em artigo estampado aqui no “DC” o seguinte comentário: “Nesse incitamento, o Presidente da República apresenta-se como “capitão” e estende seu convite ao ministro mais próximo, chamando-o de “general”. A mensagem instiga o povo contra dois Poderes, algo inadmissível numa democracia e em plena vigência da Constituição. A aversão do Presidente à classe política consumiu um minuto e quarenta segundos, ao som do Hino Nacional, provocando 727 comentários e 683 compartilhamentos. Isto às vésperas das anunciadas reuniões da comissão mista da Reforma Tributária, que se tornou um ponto essencial da agenda econômica do Ministro Paulo Guedes.”
Encurtando razões: não há como não extrair do deplorável incidente uma (nova) ameaça à Democracia.
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