sexta-feira, 20 de março de 2020


Temperar o medo com a razão

Cesar Vanucci

“Fatos, não temor. Mãos limpas. Corações abertos.”
(Abdu Sharkawy, medico infectologista do Canadá)

A mídia, sobretudo eletrônica, e as autoridades responsáveis pela saúde pública pedem às pessoas para que não se alarmem. Mas, a cada novo boletim noticioso ou novo comunicado oficial a respeito do coronavírus, o mal-estar e os temores, em lares e ruas, só fazem crescer. E não há olvidar a contribuição trazida, para que isso ocorra, pelo bombardeio de informações, em boa parte desvairadas, produzido nas redes sociais.

Em certas circunstancias, a pandemia reconhecida pela OMS acabou introduzindo verdadeiro pandemônio na vida de muita gente, com desassossegantes consequências. A situação criada dá margem a que o tom das apreensões beire o pânico. Em sendo assim, ganharam força as célebres teorias conspiratórias. Ou sejam, tentativas de explicar questões enigmáticas, que apoquentam o cotidiano da sociedade, como sendo resultado de ações maquiavélicas projetadas por escusas conveniências políticas e econômicas de bastidores. Existe quem esteja, nesta hora, especulando a possibilidade de o novo corona ser vírus produzido em laboratório clandestino de alguma potência detentora de arsenal bélico bacteriológico.

Há também quem vislumbre, em toda essa atordoante história, uma manobra, rica em sutilezas, de cunho político e econômico com fitos hegemônicos. De redutos onde viceja exacerbação mística andam brotando, ainda, algumas interpretações apocalípticas.

A tormentosa questão se apresta, na verdade, a infindáveis considerações. Abaixo, passo à reflexão do distinto leitorado uma manifestação técnica e humanística, sobre o coronavírus, que me parece digna de atenção. Se não é de molde a apaziguar por inteiro espíritos inquietos, ajuda a refrear impulsos descabidos.

Estou vendendo o peixe pelo preço que comprei. Não sabendo senão muito poucas coisas, confesso-me leigo em matéria de medicina e infectologia. Bem como, aliás, em numerosas outras momentosas questões aqui costumeiramente abordadas. Isso não impede, contudo, a abordagem, por dever de oficio, de temas que retratam aspectos complexos do cotidiano. O que faço movido, sempre, pelo sincero propósito de concorrer para uma melhor decifração das coisas que perturbam o sossego comunitário. É, pois, nesta linha de raciocínio, adicionando subsídio para avaliação de um problema angustiante, vivido neste preciso momento, que encaixo as considerações sobre o Convid-19 formuladas por um profissional canadense da medicina, Abdu Sharkawy, infectologista da Universidade de Alberta. Atenção para suas palavras.

Sou médico e infectologista. Trabalho com isso há mais de  20 anos vendo pacientes diariamente. Eu trabalhei nas cidades e nas favelas mais pobres da África. HIV-AIDS, hepatite, tuberculose, SARS, sarampo, caxumba, coqueluche, difteria... há pouco a que não tenha sido exposto em minha profissão. E, com exceção da SARS, muito pouco me deixou vulnerável ou absolutamente assustado.

Não tenho medo do Covid-19. Estou preocupado com as implicações de um novo agente infeccioso que se espalhou e encontrou novos pontos de apoio em diferentes solos. Preocupa-me o bem-estar dos idosos, daqueles com saúde frágil ou desprovidos de privilégios, que sofrem principalmente e desproporcionalmente nas mãos desse novo flagelo.(...)

O que me assusta é a perda de razão e a onda de medo que induziram as massas a uma espiral inacreditável de pânico, armazenando quantidades obscenas de qualquer coisa que possa preencher adequadamente um abrigo antiaéreo em um mundo pós-apocalíptico. Tenho medo das máscaras N95 que são roubadas de hospitais e clínicas de atendimento de urgência, onde elas são realmente necessárias (...). Em vez disso, estão sendo colocadas em aeroportos, shoppings, perpetuando ainda mais medo e suspeita (...). Estou com medo de que nossos hospitais fiquem sobrecarregados (...) e aqueles com insuficiência cardíaca, enfisema, pneumonia ou acidente vascular cerebral paguem o preço pelas salas de espera de emergência com escassez de médicos e enfermeiros (...).

Tenho medo de que as restrições de viagem se tornem tão extensas, que casamentos sejam cancelados, formaturas perdidas e reuniões familiares não se concretizem. E bem, mesmo aquela grande festa chamada Jogos Olímpicos ... que também poderá ser suspensa. (...) Receio que os mesmos medos epidêmicos limitem o comércio, prejudiquem parcerias em vários setores e negócios e culminem em uma recessão global. Mas, principalmente, estou com medo da mensagem passada aos nossos filhos quando confrontados com uma ameaça. Em vez de racionalidade e altruísmo, estamos dizendo para que entrem em pânico, sejam medrosos, reacionários. (...) Covid-19 está longe de terminar. Chegará a uma cidade, um hospital, um amigo e até um membro da família (...) em algum momento. (...) O fato é que o vírus provavelmente não fará muito mal, quando chegar. Mas nosso comportamento e atitude (...) podem ser desastrosos. Eu imploro a todos. Temperem o medo com a razão, o pânico com a paciência e a incerteza com a educação. Temos a oportunidade de aprender muito sobre higiene de saúde e limitar a propagação de inúmeras doenças transmissíveis em nossa sociedade. Vamos enfrentar esse desafio juntos, com espírito de compaixão, paciência e, acima de tudo, um esforço infalível para buscar a verdade, em oposição a conjecturas e expectativas catastróficas. Fatos, não temor. Mãos Limpas. Corações abertos.”

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