Clamor universal
“Isso não é, tchê, chuva pra quem tem capote”.
(Sentença
popular gaucha aplicada, nestas considerações, a propósito de uma sugestão de
especialistas em questões sociais sobre uma taxação mínima das grandes
fortunas)
Recapitulando o que ficou
dito. São 26 “cabras da peste danados de sortudos”, pra valer-nos de expressão
típica do colorido dialeto nordestino. Fazendo uso ainda do descontraído
linguajar das ruas, cada um deles tem certa parte do corpo – naturalmente
agasalhada por confortáveis calças de grifes famosas – “inteiramente voltada
pra lua”... É o que se pode deduzir, com tranquilidade, da espantosa
constatação de que as fortunas somadas do seleto grupo correspondem à renda
acumulada de 50% da população mundial. Em (atordoantes) números: perto de 4
bilhões de “semelhantes”.
Vejamos uma outra vertente na
avaliação dos efeitos perversos da concentração de renda deste mundo do bom
Deus em que o diabo costuma plantar incômodos enclaves. Cá está mais uma
sugestiva informação. Especialistas em questões sociais asseveram, com
convicção, que a simples incidência de uma taxa tributária de apenas meio por
cento sobre os haveres dos viventes enquadrados no rol dos 1 (um) por cento
mais abonados financeiramente será de molde a proporcionar recursos suficientes
para solucionar dramáticas situações de carência social. O dinheiro arrecadado
permitirá que nenhuma criança, no mundo inteiro, fique fora de sala de aula.
Além disso, garantirá a todo mundo assistência em saúde. O cálculo aritmético
dá asas à imaginação. E se, ao invés de meio por cento, a hipotética taxa viesse
a ser de 1, 3, 5%? Nalguns casos, até de 10, 20%? Pensem só nos benefícios que
adviriam dessa taxação especial. As contribuições do pessoal seriam absorvidas
sem comprometimento exorbitante do patrimônio pessoal.
No começo deste papo se fez
menção ao linguajar nordestino. Que tal utilizar, agora, para descrever o real
impacto tributário da proposta aventada, uma sentença do dialeto “gauchês”?
Ei-la: “Mas isso aí, tchê, não é chuva pra quem tem capote”.
Adiante. Juntamente com as
incríveis anotações já feitas, atinentes a injusta partilha da riqueza
universal, pesquisas promovidas por fontes confiáveis trazem-nos outros dados
impressionantes, nesse desfile extenso de situações reais desnorteantes.
Fixemos atenção na vida
brasileira. O Banco Mundial, a “Oxfam International”, a Fundação Getulio Vargas
e o IBGE deixam expresso o fato de que a desigualdade de renda no país vem
crescendo de forma abismal. Dado do IBGE: a renda da metade mais pobre caiu 18
por cento entre 2018 e 2019. Enquanto isso, os 1 por cento mais ricos viram
aumentar quase 10 por cento seu poder de
compra. Banco Mundial: a pobreza aumentou no Brasil entre 2014 e 2017,
atingindo 21 por cento da população, 43,5 milhões de criaturas. Dado da FGV:
equivale ao total dos habitantes chilenos nosso contingente populacional com
renda insuficiente para as necessidades básicas. Os “entrantes” na categoria da
exclusão social chegavam, no final de 18, a 6,3 milhões. A população inteira do
Paraguai.
O Brasil é o décimo país mais
desigual. Apresenta mais disparidades sociais que vizinhos como Chile e México.
É o que afirma o “Relatório do Desenvolvimento Humano” (RDH) elaborado pelas
Nações Unidas. O levantamento emprega como referência o chamado “Índice de
Gini”, uma forma de calcular a distorção de renda. O indicador varia de 0 a 1 –
quanto menor melhor. No Brasil, ficamos com 0,515, mesmo índice da Suazilândia.
Deixemos bem aclarada, a esta
altura, que a má distribuição da riqueza, bem visível na paisagem brasileira, é
um fenômeno de dimensão universal. Suas consequências são percebidas, como se
está a ver agora, em todos os rincões do planeta, mesmo no assim chamado
“primeiríssimo mundo”. Sirva como amostra deste impactante quadro de privações
sociais, o que vem rolando na mais importante cidade do mais poderoso país do
mundo. Nem todos conseguem assistência adequada para problemas de saúde. O
clamor por transformações sociais, visto está, é universal.
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