Ouvir
o grito do planeta
Cesar
Vanucci
“Não
ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo.”
(Papa
Francisco)
Ninguém
provido de lucidez e bom senso põe em dúvida a característica perversa que
reveste a distribuição da riqueza universal. No entendimento pacífico da
opinião pública, a concentração, em pouquíssimas mãos, de um quinhão
descomunal, ultra exagerado, dos frutos colhidos à conta do labor produtivo da
humanidade inteira, é fator determinante das tragédias sociais que, sob
diferentes facetas, nos açoitam permanentemente.
Em
que pese, contudo, sua avolumada participação no problemático contexto, esse
condenável estado de coisas não constitui a causa única das crises humanitárias
que se vão enfileirando vida afora. Outros elementos, de forte conteúdo
negativo, concorrem significativamente para ocorrência frequente de calamidades.
A corrupção, detectada em larga e irrefreável escala, revelando-se nalguns
lugares mais intensa que noutros, representa também fator de peso numa correta
avaliação crítica da candente questão enfocada. Espalha-se, com impetuosidade
de grama tiririca, por tudo quanto é área. São bem vastos os territórios invadidos.
Neles bota banca a politicalha inescrupulosa, ávida de ambição de mando. Chama
como aliados a burocracia negligente e inidônea e máfias especializadas em
negócios escusos, compostas de indivíduos portadores de forjadas carteirinhas
de identificação empresarial. O protagonismo desses atores nefastos, no palco
público, é sumamente corrosivo e desagregador. Disso, aliás, aqui por estas
nossas bandas, estamos todos calvos de saber. Até mesmo os isolados patrícios das
derradeiras tribos de aborígenes a serem ainda contatadas, nos ermos amazônicos,
pelos valorosos sertanistas da Funai.
O
bem-estar humano é ainda severamente afetado pela primazia que se confere, em
tudo quanto é canto, a investimentos que não contemplam prioridades sociais.
Faltam, no horizonte global, recursos pra um bocado de coisas fundamentais.
Faltam recursos para moradia, saúde, educação, saneamento básico. Faltam
recursos para acudir a necessidades mínimas de multidões mergulhadas em estágio
de miséria deprimente, pode-se dizer, ao rés do chão. Nestes momentos de
coronavírus, inteiramo-nos, aturdidos, de que há falta d’água e de artigos de
higiene, como sabonete, em extensas faixas, hiper povoadas, de um sem número de
centros urbanos.
De
outra lado, através de informações trazidas por organizações respeitáveis, como
os “Médicos Sem Fronteira”, tomamos conhecimento que seres humanos atacados de
cólera morrem por falta de soro fisiológico – uma mistura banal de água com sal
- em vários rincões da África. Esse rico e explorado continente, esquecido até
dos deuses das múltiplas crenças milenares da castigada gente que o povoa.
Falta, encurtando razões, dinheiro para o essencial, para se tocar dignamente a
vida. Mas sobra dinheiro graúdo – e como! – para paranoicas “aventuras
armamentistas”. No cruel capítulo das assim chamadas “guerras inúteis” –
expressão cunhada pelo presidente Donald Trump numa fala pacifista não abonada
pelos seus atos –, puxados pelos Estados Unidos e pela China, os gastos bélicos
globais disparam há anos. Segundo o Instituto Nacional de Estudos Estratégicos,
sediado em Londres, o mundo deu, em 2019, o maior salto registrado numa década nas
despesas com armamentos. Implicando somas astronômicas, mais do que suficientes
pra aplacar todo o sofrimento humano, a elevação, nesses gastos, foi de 4% em
relação a 2018. Isso, somado a outras evidências alarmantes, fez com que os
ponteiros do célebre “Relógio do Juízo Final”, concebido por conceituados
cientistas, se acercassem das batidas fatídicas das 24 horas. Para se ter uma
ideia do quanto a insânia belicista dos “donos do mundo” molesta os sagrados interesses
da sociedade, aqui vem um dado comparativo estarrecedor. O custo de um único
porta-aviões equipado com sofisticados instrumentos de destruição é superior
aos PIBs de dezenas de países do terceiro mundo. E olhem que, singrando
ameaçadoramente os oceanos do mundo, as frotas navais das maiores potências são
compostas de dezenas dessas “cidadelas flutuantes”!
Tudo
quanto acima posto, acerca dos fatores causais dos flagelos que apoquentam bilhões
de criaturas, converge inexoravelmente para a admissão de que as estruturas sociais
dominantes carecem ser revistas, aprimoradas. Ouvir o grito do planeta é
preciso.
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