A MPB reclama proteção
Cesar Vanucci
"Brasil que eu amo é (...) o
balanço das minhas cantigas e danças."
(Mário de Andrade)
Interrompi a crônica anterior no
momento em que anunciava o relato de uma experiência singular, ligada à música
popular brasileira, vivida em 1995 no Tibete. Conto como tudo se deu.
Numa longa noite fria, a pressão fora
de controle por conta da altitude (mais de 4 mil metros), resolvi mandar-me
para um estabelecimento tipo “piano-bar”.Mobiliado com muita simplicidade, ficava
localizado na principal rua de Lhassa. Já alvejado, naquelas impiedosas cumeeiras,
pelo danado do banzo, cabeça a ponto de explodir, defrontei-me, em dada hora,
com outra séria ameaça. Cheguei a imaginar mesmo estar sendo convocado, ali,
naqueles ermos, mais “próximos” do céu, a deixar pra sempre este nosso vale
eternamente banhado de lágrimas...
Aconteceu quando o pianista, um
europeu com o qual não havia trocado, até então, qualquer palavra, e que
ignorava minha nacionalidade, resolveu sapecar pra cima da pequena e distinta
plateia um punhado de músicas brasileiras. “Aquarela do Brasil” abriu o
desfile. Veio depois o “Vou te contar”, de Jobim. Foi demais. Não deu pra
segurar. A emoção ganhou, sem intenção de trocadilho, dimensões himalaianas. O
coração velho de guerra disparou adoidado. O ar à volta desapareceu. Um chá
ultra-amargo, providencialmente enfiado goela abaixo, garantiu o prestígio da
tradicional medicina tibetana, composta de ervas, ao permitir recobrasse a
condição física.
Pois bem, tudo quanto contado aí atrás
e dito no artigo passado vale como manifestação do enorme fascínio que a MPB
desperta, não apenas neste desajeitado escriba, como também – evidente está - em
multidões correspondentes a todos os sotaques, latitudes e hábitos culturais.
Chega, então, o momento de se botar pra fora, numa pergunta, a perplexidade de
muita gente: por que cargas d’água o rádio e a tevê deste país rico em
musicalidade insistem tanto em conceder escandalosa preferência à música
estrangeira em suas programações? Outra pergunta: o que leva, afinal de contas,
gravadoras estrangeiras e brasileiras a protagonismo tão estranho e
desconcertante nessa história toda?
Convido o leitor destas mal digitadas
a pedir numa loja um CD com músicas do genial Ary Barroso. Não vai ser mole
achar. Mas achará, com extrema facilidade, trazido por solícitos vendedores, o
que existe de mais extravagante no lixo musical alienígena. Um besteirol de
sons, imposto pela indústria fonográfica, pra consumo de público desprevenido,
a render polpudos direitos autorais para compositores e músicos, em não poucos
casos,sem talento digno de nota. Gente que, em seus delírios criativos, acaba confundindo
som musical com barulheira de utensílios metálicos desabando das prateleiras no
piso da cozinha...
A música brasileira faz jus a uma
maior proteção na legislação do país. Fico torcendo para que brote do
Parlamento um projeto de lei que defina certas obrigatoriedades para torná-la
mais divulgada entre nós. Nas rádios, na televisão, nas lojas, nas festas
dançantes, na publicidade. Em benefício da cultura e dos artistas. Que não seja
vista, todavia, com desalento e como desestimulo uma
tentativa que não rendeu os frutos almejados, tomada por deputados,anos atrás,
no sentido de defender um outro valor cultural precioso, o idioma, das
descabidas agressões continuamente perpetradas pela neobobice vernacular. Tanto quanto o idioma - que, no ver de Monteiro Lobato, é a pátria -, a música brasileira
precisa também ser defendida, como expressão pujante de nossa autêntica identidade
cultural.
Nenhum comentário:
Postar um comentário