quinta-feira, 4 de junho de 2020


A inverossímil reunião ministerial

Cesar Vanucci

“Por mim colocava estes vagabundos todos na cadeia; começando no STF.”
(Abraham Weintraub, Ministro da Educação)

O vídeo divulgado garantiu suporte para desconcertante constatação. Na escala da sinuosa atuação governamental, as coisas não são tão espantosas quanto a gente imagina. São bem mais espantosas do que a gente jamais conseguirá imaginar. O incrível enredo da reunião ministerial mostrado ao vivo e a cores, graças à autorização emanada do STF, deixou evidenciado muito mais do que aquilo que foi objeto de denúncia do ex-Ministro Sérgio Moro. Ex-ministro esse - assinale-se de passagem - que acabou sendo abruptamente rebaixado à condição de “traíra” e “vilão” pelos mesmíssimos setores que, indoutrodia, faziam questão de apontá-lo, em tom retumbante, como ídolo nacional inconteste.

As demais revelações trazidas a lume são de estarrecer não tão somente um frade de pedra, como é de hábito dizer.São capazes de estarrecer, também, todas juntas, as sagradas estátuas de pedra do fabuloso conjunto barroco esculpido por Mestre Aleijadinho no átrio do majestoso Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo. Verdade verdadeira, ficaria praticamente impossível encaixar o que foi visto e ouvido no tal encontro do Presidente da República com ministros e outros convidados, num roteiro de estudo e diálogo realmente concentrado no propósito saudável de definir ações voltadas para o interesse público e a construção humana.

Se tudo quanto visto em detalhes pela televisão tivesse sido apenas relatado oralmente, com certeira convicção a grande maioria das pessoas – incluindo mesmo adversários do Governo tomados por paixão política –colocaria em dúvida boa parte das informações. Chegaria mesmo a admitir tratar-se de uma nova e indigesta “fake” da avalancha diuturnamente produzida pela horda de desatinados que age nas redes sociais. As baixarias, impropérios, os ataques desabridos à liberdade de imprensa, manifestações exacerbadas de rancor e prepotência, argumentos e propostas impertinentes formuladas por alguns dos participantes, a começar do principal personagem da mesa, traduziram despreparo político e cívico, bem como esgares de autoritarismo inconciliáveis com o regime democrático e as normas republicanas.

É oportuno ainda registrar que, para mal dos pecados e ampliação do grau de perplexidade da opinião pública, a pauta da inverossímil reunião abrangeu itens relevantes suprimidos na divulgação procedida por conterem – ora, veja, pois! - outros ingredientes considerados mais perturbadores.A um cidadão qualquer que não tenha acompanhado a transmissão poderá ocorrer, naturalmente, a seguinte indagação: e quanto à dramática questão da crise humanitária que nos assola, com seus perversos efeitos na saúde pública e nas áreas econômica e social, o que foi mesmo abordado e definido no encontro? A única e aturdidora resposta é esta: nada, vezes nada. O lance mais próximo do assunto ficou por conta de uma observação do Ministro do Meio Ambiente, sugerindo mobilização de esforços no sentido de “passar a boiada” enquanto as atenções das ruas estiverem focadas no corona. Ou seja, “tratemos” de baixar atos, decretos, normas que permitam a “flexibilização” – como está na moda dizer nestes confusos tempos - das determinações vigorantes nas políticas de proteção ambiental.

Esse episódio liliputiano, falto de grandeza, que alcançou reverberação negativa até internacional, empobrece nossos foros de cidadania, amesquinha a vida pública e ofende as instituições democráticas.


                                                    

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